Economia

>> ENTREVISTA Cesar Velloso

Especialista em transformação digital recomenda às empresas pensar no futuro e se reinventar

postado em 24/06/2019 04:17
;Inovar não é adquirir a última tecnologia;



São Paulo ; Presidente no Brasil da empresa de pesquisa Gartner, Cesar Velloso é um dos maiores especialistas do país em processos de transformação digital. Nesta entrevista, ele explica por que a inovação não diz respeito apenas aos avanços tecnológicos, mas também ao universo das ideias. ;Para inovar, não se trata simplesmente de adquirir a última tecnologia;, afirma. ;Eu posso ter uma ideia muito impactante e simples e não ter falado nada de tecnologia.; O executivo do Gartner fala ainda da importância da análise de dados para a tomada de decisões e dá dicas sobre o que as companhias precisam fazer para melhorar a qualidade das informações coletadas. Dados precisos, de acordo com Cesar Velloso, contribuem para entender melhor o perfil dos clientes e até para desenvolver novos negócios. ;Informações de baixa qualidade enfraquecem a posição competitiva de uma organização e comprometem objetivos;, avalia. Confira a seguir os principais pontos da entrevista:


De que forma os avanços tecnológicos nas empresas vão afetar o mercado de trabalho?
Esse movimento vai criar uma aniquilação no mercado de trabalho como conhecemos. Aquilo que é repetitivo, que pode ser implementado por meio de um robô ou qualquer que seja o aparato tecnológico, não será mais realizado por seres humanos. Vamos ter outras tarefas para nos dedicar. Essa transformação vai liberar o ser humano para fazer coisas mais relevantes.

A análise de dados é um fator fundamental para as empresas. Mas ainda é preciso melhorar a qualidade da coleta das informações. Como é possível fazer isso?
A gente chama isso de alfabetização de dados. Ou seja, como é que você consegue transformar os dados que você tem em algo impactante e relevante. É esse conceito todo do qual se fala de uma maneira mais reduzida como big data. É preciso compreender o seguinte: a boa qualidade de dados serve para conhecer quem são seus clientes, onde eles estão localizados e do que eles mais gostam. Dados de boa qualidade fortalecem insights e iniciam novos modelos de negócios em todos os setores.

Não investir em dados pode comprometer o futuro de uma empresa?
Informações de baixa qualidade enfraquecem a posição competitiva de uma organização e comprometem objetivos fundamentais dos negócios. As práticas de baixa qualidade de dados minam as iniciativas digitais, enfraquecem a posição competitiva das empresas e disseminam a desconfiança dos clientes. Sem análise de dados, não há transformação digital. A conversão dos dados em decisões estratégicas é um grande diferencial para saber se a empresa vai ter uma relevância no futuro.

Como a Lei Geral de Proteção de Dados, que entrará em vigor em agosto de 2020, vai impactar o mercado?
De uma maneira bem direta, isso vai exigir ações para que as organizações estejam aderentes com essa nova lei. Vejo que está todo mundo operando para que as mudanças aconteçam. Hoje em dia, há uma confusão a respeito de quem é a responsabilidade dos dados. A lei, assim que entrar em vigor, vai provocar uma grande mudança e adequação. Porque aquilo que não era alvo de algum tipo de risco para o negócio vai passa a ser.

Que investimentos as empresas precisam fazer para acompanhar o cenário de transformações digitais?
Uma palavra basta para responder a essa pergunta: gente. As empresas precisam de pessoas qualificadas. Não só aquisição, desenvolvimento e retenção, mas, sobretudo, o patrocínio de uma cultura organizacional que permita isso. Contar com os talentos certos é essencial.

Qual o papel do líder nesse processo?

O gestor deve funcionar como um grande condutor, um grande multiplicador de hábitos e de posturas. Tudo dentro de uma dada cultura que seja a mais adequada para aquele negócio. Precisa ser uma cultura inclusiva, em que as pessoas tenham a oportunidade de contribuir e saibam seus reais papéis e as suas diferenças. Precisam conhecer os motivos de estar ali.

Como assim?
Estou falando, por exemplo, de coexistência de gerações. Há pessoas com menos apetências para questões de tecnologia, que precisam de mais agilidade, que não têm muita paciência e não são tão persistentes. Precisamos compreender as diferenças de comportamento de gerações para ter uma forma acertada de agir. Acredito que é preciso integrar e explorar a diversidade. A inovação pode ser bem-sucedida apenas em uma cultura de colaboração forte. Os colaboradores precisam estar aptos para trabalhar além das fronteiras e explorar novas ideias.

O que as empresas precisam fazer para desenvolver uma cultura organizacional?
A empresa precisa apresentar a seus funcionários a sua declaração de cultura. Mostrar quais são seus valores, princípios, diferenças, entre outras coisas. Deixar claro como lida com as ideias que surgem e que não bloqueiam as iniciativas. Apontar que recebe bem as ideias e, se possível, até as falhas. Porque isso mostra que houve uma tentativa de se fazer algo. Isso cria um ambiente propício para a transformação. O time precisa conhecer o pensamento da empresa para ter certeza de que faz parte daquilo. Isso vai impactar diretamente no crescimento do negócio.

Que empresas terão mais chances de continuar relevantes nos próximos anos?
A relevância vem a partir do momento em que você consegue promover uma experiência para o cliente final que o encante constantemente e traga diferenciais. As empresas mais preparadas serão aquelas com líderes com mais resiliência e que conseguem ter a habilidade de demonstrar que suas decisões estão lastreadas em uma visão de suportar a estratégia do negócio, olhando para o hoje, o amanhã e o futuro.

Onde entra a inovação nesse movimento?
A inovação está no campo das ideias. Não se trata simplesmente de adquirir a última tecnologia. Eu posso ter uma ideia muito impactante e simples e não ter falado nada de tecnologia. Como também posso alavancar as iniciativas e torná-las reais a partir do momento em que tenho tecnologia disponível.

Por que muitas empresas têm dificuldades para inovar e se manter sintonizadas com as mudanças da sociedade nos últimos anos?
Talvez não esteja na limitação da tecnologia. Está na limitação de conseguir inovar em um negócio que você conhece tanto. Esse é o problema. Você conhece tanto do negócio que inovar se torna desafiador. Uma alternativa é procurar pensar um pouquinho fora daquilo que você conhece. Tratar de novos modelos de negócios, para aí, sim, abrir caminho para a inovação.

Mas reinventar um modelo de negócio não é arriscado?
Todos os negócios, sem exceção, vão passar por isso. Então, toda estratégia é legítima. O fundamental é sair do curto e do médio prazo. Tem que olhar para as transformações. As organizações que terão um melhor retorno serão aquelas que pensam no futuro e já começam a caminhar rumo à transformação do modelo, alavancando isso por meio de um aparato digital, fazendo esse processo de maneira mais ágil e tendo habilidade de demonstrar ganhos.

Como o Gartner tem atuado para ajudar as empresas a se manterem relevantes no mercado?
O Gartner tem auxiliado as corporações no sentido de permitir que o executivo do alto escalão, por meio de insights, conselhos e ferramentas, tenha condições de tomar decisões corretas em um tempo adequado e também condições de executar essas tarefas. A tomada de decisão envolve duas dimensões. Uma diz respeito à sustentação dos negócios, que são questões que precisam ser sanadas e resolvidas no curto e médio prazos, enquanto a outra é transformacional, ou seja, olha para a longevidade do negócio.

Como você avalia o atual cenário econômico brasileiro?
Falando como empreendedor e como alguém que conversa com executivos de muitos setores, vejo que precisamos acelerar a aprovação das reformas. Isso será fundamental para que o país possa crescer. A minha avaliação é de que o Brasil tem tudo para crescer. Aliás, quando se fala de América Latina, as grandes oportunidades estão aqui. Temos o maior número de startups nascendo e se desenvolvendo. Isso tem tudo para avançar ainda mais.


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