São Paulo ; Os recordes batidos nos últimos pregões pela bolsa paulista, a B3, têm chamado a atenção daqueles que não costumam acompanhar o mercado de capitais tão de perto. Ontem, o Ibovespa, principal indicador da bolsa, chegou ao fim do dia a 102.062 pontos, uma ligeira alta, de 0,05%, em relação ao pregão da última sexta-feira, quando terminou o dia em 102.013 pontos e elevação de 1,70%.
Os 100 mil pontos são uma espécie de barreira psicológica para o Ibovespa, mas o fato de ter ultrapassado esse número, alertam os especialistas, não é por si só motivo de comemoração entre os investidores. O principal índice brasileiro é contaminado não apenas por questões internas, mas também por dados dos principais mercados internacionais.
Chefe de gestão da Vitreo, gestora digital, George Wachsmann explica que o fato de o Ibovespa ter passado de 100 mil resulta da combinação de vários fatores. Uma das justificativas, diz, é a queda de taxa de juros. ;Pelo mundo afora, as taxas de juros estão com viés de baixa. Os bancos centrais, especialmente o americano e o europeu, vêm dando sinais de que o mundo não volta a ter um cenário de recessão, ao menos se depender deles. Os EUA vinham de uma subida lenta, mas que começou a mudar do ano passado para cá. Se precisar, o FED volta a baixar a taxa para retomar o investimento;, explica. Esse cenário no exterior, avalia o economista, é uma espécie de luz verde para os investidores.
No Brasil, a taxa básica de juros (Selic, definida pelo Comitê de Política Monetária, o Copom), também vem passando por uma dinâmica de baixa. Nas últimas dez reuniões do comitê ; a mais recente aconteceu na última quarta-feira ;, a taxa ficou estável em 6,5%. Apesar de o percentual ter sido mantido, o BC deu sinais de que poderá pressionar o índice para baixo com o objetivo de tentar reverter a previsão cada vez mais acanhada de crescimento da economia em 2019.
Segundo o relatório Focus (que consulta toda semana analistas de mercado sobre suas expectativas), divulgado ontem pelo BC, a expectativa para o PIB, que há quatro semanas era de alta de 1,23%, já chegou a 0,87%.
Reforma esperada
;O mercado já vem trabalhando com uma Selic de 5%. Mas a motivação de fato para os investidores é a proximidade da votação da reforma da Previdência, tida como a mãe das reformas estruturais. Ela será a luz verde para que o BC possa baixar os juros;, analisa Wachsmann.
A importância da reforma para o mercado é que esse será o movimento mais concreto para melhorar o perfil das contas públicas. Mesmo que o pacote aprovado não seja o prometido pela equipe de Paulo Guedes, ministro da Economia, ainda assim terá um efeito significativo no curto prazo, ;passando mais segurança;, avalia o gestor da Vitreo.
;A gente já flertou com reformas bem mais acanhadas do que a que está aí. Não será o texto com a mesma pompa daquele proposto por Guedes. Mas é bom lembrar que se falou de uma economia de R$ 500 bilhões há cerca de um mês, então há sinais de melhora. Sem essa reforma, bateríamos no muro e teríamos um problema sério pela frente. Agora, estamos nos afastando do muro;.
Influência internacional
Michael Viriato, coordenador do laboratório de Finanças do Insper, prefere minimizar o tamanho do efeito dos fatores internos no bom humor da bolsa brasileira. Para ele, o mercado internacional tem um impacto mais relevante no curto prazo. ;Desde 30 de maio até agora, se compararmos a bolsa americana e a brasileira, elas andaram praticamente no mesmo ritmo. O que está levando o mercado brasileiro é o mercado internacional;, explica.
O professor, no entanto, relativiza o comportamento das duas bolsas. De janeiro até ontem, a bolsa americana teve alta de cerca de 17,60%, enquanto o Ibovespa subiu menos, por volta de 12,20%. ;Ou seja, o que está acontecendo é que estamos acompanhando o mercado internacional. Só que pesa por aqui o fato de estarmos muito atrás quanto ao crescimento da economia e a reforma da Previdência ainda ter andado pouco.;
Com a reforma, analisa Viriato, o Brasil poderia estar em uma situação bem mais favorável também do ponto de vista do mercado de capitais, já que os EUA contam com uma bolsa muito mais madura. ;Somos um mercado de risco, emergente, que deveria ter crescimento maior. Poderíamos estar rendendo o dobro do que está rendendo a bolsa americana e chegar a 30%;, lamenta.
O coordenador do Insper se lembra de uma antiga regra. ;O investidor gosta de dinheiro. Se não existe expectativa de rentabilidade, vão embora para onde há condições melhores.; O Brasil, alerta, vem decepcionando com baixas taxas de crescimento. Se o país não cresce, a rentabilidade fica afetada. ;Não melhoramos quanto ao risco-país, a reforma ainda não passou e estamos sem crescimento. Por outro lado, as empresas estão melhorando, com crescimento do lucro, mas esse desempenho pode não perdurar se as condições macroeconômicas não melhorarem;, sinaliza.
O especialista explica que a esperada barreira dos 100 mil pontos do Ibovespa já deveria ter sido ultrapassada há muito tempo, principalmente por conta das questões inflacionárias. Para o investidor pessoa física, o atual momento, com o índice na casa dos 102 mil pontos, pode influenciar, mas o mesmo não ocorre com o investidor institucional, que vai olhar, não para esse número, mas para as empresas, seus lucros, a expectativa de crescimento do país e o comportamento dos juros.
Economista-chefe e estrategista de câmbio do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte avalia que o desempenho do Ibovespa tenha melhorado nas últimas semanas como resultado de uma percepção do mercado de que a reforma da Previdência poderá ser votada em breve. ;Houve uma aceleração do processo iniciado pelo governo em fevereiro, quando foi divulgado o texto da reforma, a partir do momento em que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), chama para si a responsabilidade de votação do texto e as coisas então começam a andar;, afirma.
A expectativa é que a comissão especial da Câmara conclua hoje a votação do relatório sobre a Reforma da Previdência para que então o texto seja encaminhado para o plenário da Casa. Maia já anunciou que espera encerrar o processo ainda neste semestre parlamentar, que termina em 15 de julho.
;A economia ficou travada no primeiro semestre por conta disso. O governo ficou parado para dar vazão à reforma e se esqueceu do resto. Agora, a sensação é de que a confiança vai voltar. Se isso acontecer, as empresas devem voltar a investir, a contratar, o que vai melhorar a confiança do consumidor. O mercado agora está antecipando esse movimento, por isso, a bolsa está se comportando dessa forma;, diz a economista-chefe do Ourinvest.
Risco com vazamentos
André Perfeito, economista-chefe da Necton, acrescenta um outro risco ao mercado de capitais e, principalmente, à economia brasileira, além do atraso na aprovação da reforma da Previdência: o fator Sergio Moro. O ministro da Justiça tem sido o protagonista nas últimas semanas de uma série de transcrições de diálogos entre ele e procuradores da Lava-Jato que teriam ocorrido em grupos no aplicativo Telegram.
As publicações vêm sendo feitas pelo The Intercept, mas até agora não se sabe quem é o responsável pelo vazamento das conversas. Perfeito avalia que se a fonte de informação do site de notícias for realmente relevante, pode-se esperar algum efeito mais grave na pasta da Justiça. ;Mas até agora não há sinais nessa direção e o que foi divulgado não está até agora formando preço (influenciando no comportamento da bolsa), mas é algo a ser mapeado;, analisa o economista da Necton.