postado em 01/07/2019 04:13
Ronaldo Gonçalves, 38 anos, se considera uma espécie de ;faz-tudo; ou ;pau para toda obra;. Aprendeu desde menino o valor do emprego e, por conta disso, não nega trabalho. É vidraceiro, eletricista, pedreiro e o que mais lhe pedirem para fazer. ;Já trabalhei de tudo nessa vida;, resume. No entanto, há três anos ele não sabe o que é ter a carteira assinada. Durante esse tempo, sustentar a família virou um desafio. O seu refúgio, por enquanto, tem sido uma mercearia que ele montou em frente de casa, no Sol Nascente, em Ceilândia.
;Mas, ainda assim, não é o que eu quero. Os meus dois filhos estão crescendo e eu tenho que proporcionar melhores condições para que eles possam ter um bom estudo e, consequentemente, um futuro tranquilo. O meu medo é que, com tanto tempo fora do mercado de trabalho, eu não consiga ser inserido novamente. Além de eu estar desatualizado, não vejo tantas vagas disponíveis;, confessa.
O temor de Ronaldo é uma cena comum em Brasília. A desigualdade de renda não é o único contraste existente no Distrito Federal. Ao mesmo tempo em que a unidade da Federação tem a renda por habitante e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais altos do país, preocupa a evolução do desemprego. Desde 1994, a taxa de desocupação cresceu 195,5%, com a quantidade de pessoas sem emprego passando de 112 mil para 331 mil. O percentual de criação de postos de trabalho foi bem menor, tendo subido 106,7% de 1994 até maio deste ano ; antes, eram 665 mil empregados; agora, 1,375 milhão.
;É difícil encontrar emprego hoje e eu não percebo o governo fazendo algo para melhorar essa situação. Pelo contrário, os políticos só criam barreiras para que os empresários possam investir e, com isso, abrir mais oportunidades. Enquanto isso, quem sofre é a população de baixa renda, como eu. Me sinto abandonado. Excluído da sociedade;, lamenta Ronaldo.
Gerente de pesquisas socioeconômicas da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), Jusçanio Umbelino reitera o pensamento de Ronaldo. Ele reconhece que Brasília precisa de uma reestruturação dos setores da economia. ;É necessário que os setores produtivo e privado sejam mais preponderantes e participativos, para diminuir a dependência do setor público;, comenta.
O aumento nos índices de desemprego, de acordo com Jusçanio, se deve ao fato de o mercado de trabalho de Brasília ser mais concentrado no Plano Piloto e ter de suprir não só a população residente no DF, mas também a demanda de municípios de estados vizinhos, onde o custo de vida é difícil. ;Temos que identificar as potencialidades de cada região administrativa para descentralizar a atividade econômica brasiliense. É fundamental pensarmos em uma ação conjunta e integrada se quisermos garantir o desenvolvimento regional e metropolitano;, destaca.
Desalento
Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Alexandre Andrada frisa que ;o desemprego é uma tragédia familiar e social;. ;É papel da população procurar medidas e políticas para minorar esse problema econômico e social. Os custos do desemprego para o bem-estar emocional e a autoestima das pessoas é enorme;, pontua.
O baque é grande para Maria Helena dos Santos, 49. Apesar de morar em um condomínio chamado Mansões do Amanhecer, ela diz que a vida de riquezas está longe da realidade da família. A cada dia, ela enfrenta um novo desafio para garantir a sobrevivência. Sem ocupação, resta a informalidade: a mulher recolhe recicláveis para vender em Planaltina. Com isso, consegue uma renda de cerca de R$ 100 mensais. A maior parte do dinheiro da família vem do auxílio-doença que o marido, deficiente, recebe.
Segundo ela, desde que o real entrou em vigor, as condições socioeconômicas da família dela só regrediram. Hoje, com a falta de um emprego que pague pelo menos o salário mínimo, fica difícil até para comprar os mantimentos de casa. ;Compro muxiba porque é mais barato e o ensopado rende. Mas falta coisa em casa. Chocolate, carne e iogurte, por exemplo, não compro mais. Leite, ainda me dou ao luxo. Mas, hoje, está bastante complicado. Parece que o nosso dinheiro rende cada vez menos;, comenta.
As últimas vezes que Maria Helena teve um emprego formal foi como auxiliar de escritório e de serviços gerais, há mais de 25 anos. Na época, ainda recebia em cruzeiros. Decepcionada com a situação atual, gostaria de voltar aos velhos tempo. Assim, acredita que teria como proporcionar uma vida mais justa ao marido e aos quatro filhos, de 8, 12, 15 e 19 anos. ;Comparando com o real, acho que o cruzeiro tinha mais valor. Dava para comprar muito mais coisas e garantir o gás, a alimentação, a luz. Tudo era mais barato;.
Discussão sobre o real
Como parte do programa Correio Debate, a moeda mais longeva da história do país será tema hoje: 25 Anos do Real ; Os desafios para o Brasil. O evento, no auditório do jornal, será aberto com um vídeo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e terá importantes convidados, entre eles, Pérsio Arida, Roberto Padovani, Rodrigo Spada, Carlos Augusto Costa, Tony Volpon e Gustavo Loyola. As discussões ocorrem entre 14h e 19h.