Thaís Moura*, Marina Torres*
postado em 03/07/2019 19:30
O acordo entre o Mercosul e a União Europeia, anunciado na última sexta-feira (28/6), só será ratificado "se o Brasil respeitar os seus compromissos", segundo o ministro francês do Meio Ambiente, François de Rugy. Nesta terça-feira (2/7), ele chamou atenção para as obrigações ambientais do país, principalmente no que diz respeito à luta contra o desmatamento da Amazônia. Dados divulgados na segunda (1/7) pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, em junho, a floresta teve um desmatamento quase 60% maior que o mesmo período do ano passado. Com isso, a região perdeu 762,3 km; de sua mata nativa, o que representa duas vezes a área total de Belo Horizonte. No documento, o país se compromete a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030.
Em entrevista à rádio Europe 1, o ministro francês reforçou a necessidade do Brasil de atender ao Acordo de Paris, que estabelece medidas para redução de emissão de gases estufa a partir de 2020, a fim de conter o aquecimento global. No documento, assinado em 2015, o Brasil também se compromete a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. "A nova Comissão Europeia, e sobretudo o Parlamento Europeu, irão analisar minuciosamente esse acordo antes de ratificá-lo. É preciso lembrar a todos os países, entre eles o Brasil, de suas obrigações. Quando assinamos o Acordo de Paris, colocamos em prática uma política que permite atingir objetivos de redução de emissão de gases de efeito estufa e de proteção da Floresta Amazônica", afirmou. O porta-voz do governo francês, Sibeth Ndiaye, também afirmou mais cedo que "a França, no momento, não está pronta para ratificar".
O ministro das relações exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, respondeu às declarações ainda nesta terça, e disse que as falas francesas não representam riscos para a aprovação do acordo com a UE. Ele acredita que os setores franceses interessados na confirmação do acordo acabarão pressionando as autoridades para garantir sua implementação. O tratado só deve entrar em vigor depois de ser votado pelo Parlamento Europeu, Legislativos dos 28 países da UE e os quatro países do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai). O Ministério da Economia tem a expectativa de que o acordo entre em vigor em dois anos e meio.
"No acordo com a União Europeia, todos os membros reafirmam seus compromissos com diferentes instrumentos ambientais, inclusive o Acordo de Paris. Nós também esperamos que sejam implementados os compromissos deles, países desenvolvidos, de desembolso de recurso, de financiamento de energia renovável", pontuou Araújo, em café da manhã com jornalistas. "Temos total compromisso contra o desmatamento, pelos compromissos internacionais e pelos próprios méritos do combate ao desmatamento. Nossa política é de preservação ambiental e de utilização sustentável dos nossos recursos naturais, seja na Amazônia, seja nos outros biomas".
O consultor internacional, Matheus Andrade, também ressaltou em entrevista ao CB Poder nesta terça-feira, que o desenvolvimento sustentável está entre as pautas negociadas pelos blocos. ;A França foi um dos países mais resistentes ao acordo, seus agricultores são muito barulhentos. Obviamente, a gente não pode descartar a questão do meio ambiente. O desenvolvimento sustentável está no acordo, é um dos 22 capítulos que foi negociado e o Brasil sabe dos compromissos que ele assumiu. O Brasil vai ficar no Acordo de Paris, vai ter que cumprir o que foi acordado para que de fato o acordo possa ser ratificado;.
Desmatamento na Amazônia
Números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados na última segunda-feira (1/7), mostram que a floresta amazônica teve o pior desmatamento desde 2016, quando 951,5 km ; foram destruídos. No mês passado, houve uma perda de 762,3 km; de mata nativa. Já em 2018, no mesmo período, o desmatamento da região foi de 488,4 km;, valor quase 60% inferior ao de 2019. Neste ano, os dados permaneceram estáveis até abril. No entanto, em maio, a área desmatada foi de 247,2 km; para 735,8 km;.
Os dados do Inpe consideram desmatamentos com solo exposto, com vegetação remanescente e derrubadas por atividades ligadas à mineração, metodologia adotada e analisada pelo Observatório do Clima. A série histórica da plataforma Terra Brasilis, disponibilizada pelo Inpe, evidencia que os números atuais só são inferiores aos de 2016, que registraram, até junho daquele ano, 3.183 km; de áreas desmatadas.
O engenheiro florestal e professor da Universidade de Brasília (UnB), Humberto ngelo, explica que é normal haver um desmatamento maior no período de junho, ainda mais por causa da seca em que a floresta se insere atualmente. Além disso, segundo o especialista, o aumento das atividades agrícolas, principalmente no Pará, Mato Grosso, e Rondônia, é outro fator responsável pelo crescimento de 60% no desmatamento da floresta. ;Neste ano, parou de chover mais cedo na região da amazônia, então a seca começou antes do que deveria. As commodities agrícolas também aumentaram de preço nesse período de 2018 para cá, outro fator que corrobora para o desmatamento;, justifica.
O professor esclarece que, como a maior parte do desmatamento vem ocorrendo em unidades de conservação, a principal solução para a preservação da região deve ser em prol da fiscalização e da proteção dessas unidades específicas e de reservas indígenas. ;Existem parques nacionais com centenas de milhares de hectares, mas sem pessoas o suficiente para tomar conta desse ambiente. A grande política do governo que renderia grandes resultados em preservação seria aumentar a fiscalização dessa área. Hoje em dia, temos recursos tecnológicos que facilitam muito essa ação;, argumenta Humberto.
De acordo com o engenheiro florestal, a taxa de desmatamento da floresta deve permanecer nos mesmos patamares de 2018 até o fim do ano. No entanto, o especialista não acredita que o Brasil terá capacidade de zerar totalmente o desmatamento ilegal da Amazônia até 2030, como determina o Acordo de Paris. Assim, o tratado entre os países do Mercosul e da União Europeia, assinado pelo governo, corre riscos. ;Temos que reduzir o desmatamento, sem dúvidas, mas zerar totalmente eu acho quase impossível. Não há dúvidas que essa maneira como o desmatamento vem acontecendo vai ter um impacto significativo desses acordos. Hoje, não se negocia mais com o mercado sem o meio ambiente;.
Procurados pelo Correio, o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente não se manifestaram a respeito dos desmatamentos até a publicação da reportagem.