Um dos mais empolgados é o diretor executivo da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), Ibiapaba Netto. Pelos seus cálculos preliminares, os produtores brasileiros ;como Cutrale, Citrosuco e LDC Juice (do grupo Louis Dreyfus) ; terão economia imediata de cerca de US$ 100 milhões nas vendas para países europeus, e de US$ 195 milhões entre sete e 10 anos.
Isso porque a atual tributação imposta pela UE ao suco de laranja Made in Brazil, de 12,2% em média, vai cair pela metade assim que o acordo estiver ratificado, chegando a zero daqui a uma década. ;Ainda estamos elaborando estudos mais detalhados sobre os efeitos em volume e preço, mas já podemos concluir que se trata de um cenário sensacional para o aumento da competitividade brasileira lá fora;, garante Netto, que participou da elaboração de parte do acordo em rodadas de negociações nos últimos dois anos, desde que o tema voltou à mesa do governo do ex-presidente Michel Temer. ;É algo, sem dúvida, muito relevante para nós. Cerca de 70% de tudo que o Brasil exporta em suco de laranja vai para a Europa, com receita média de US$ 1,6 bilhão por ano.;
Os números do executivo da CitrusBR podem até estar subestimados. Na matemática feita pelo governo brasileiro, as exportações para a UE deverão crescer em até US$ 100 bilhões dentro de uma década. Embora o conteúdo do acordo ainda não tenha sido publicado, sabe-se que produtos industriais e agrícolas terão as tarifas de importação simultaneamente ; e de forma escalonada ; reduzidas até zero, como frutas, café, peixes, carne, calçados, peças industriais e metais.
Itens brasileiros considerados pelos europeus como mais competitivos também chegarão à tarifa zero, mas sob regime de cotas anuais, como a carne vermelha, com 99 mil toneladas; frango, com 180 mil toneladas; e arroz, com 60 mil toneladas (confira as cotas no gráfico ao lado). Se forem superados esses volumes, haverá cobrança de tarifas, mas sem percentual definido, por enquanto.
;O acordo Mercosul-União Europeia é bastante contemporâneo;, afirma Francisca Grostein, professora do curso de gestão de comércio exterior da Universidade Presbiteriana Mackenzie. ;Além de abordar questões comerciais, contempla temas como sustentabilidade ambiental e compras governamentais.;
Diante desse cenário positivo, não apenas as grandes companhias se preparam para uma disparada em suas exportações, mas também as pequenas e médias empresas. Exemplo disso é a fabricante mineira de pães de queijo Maricota. Segundo a gerente de negócios internacionais do grupo, Marília Espalaor, as vendas para o mercado internacional devem passar dos atuais 4% da receita para mais de 20% em 10 anos.
;A Europa, certamente, se tornará um dos principais destinos dos nossos produtos nesse período;, afirma a executiva. ;Exportamos hoje muito pouco para a Europa, mas existe uma grande demanda do produto por lá. Sabíamos que faltava uma forma de o produto encontrar o caminho até o consumidor. Isso vai ocorrer agora;, completa Marília. A indústria emprega hoje 450 funcionários e só exporta para Portugal. O plano é ampliar as vendas também para a Espanha e a Itália.
Assim como a fabricante mineira de pão de queijo, outras centenas ; talvez milhares ; de negócios do país tendem a tirar proveito da facilitação das regras de comércio com os europeus. Mesmo sem muitos detalhes sobre o acordo comercial, a grande maioria dos setores enxerga a aproximação entre os dois blocos como boa notícia.
Principal economia do Mercosul, o Brasil tem índice de abertura comercial de 25%, o que é pouco em comparação à média de países emergentes, que está na casa dos 80%. ;Facilitar a comercialização entre essas regiões tende a aumentar a abertura econômica do país;, diz Fernanda Consorte, economista-chefe e estrategista do Banco Ourinvest.
Fernanda diz que o esboço do acordo sugere que os efeitos serão de longo prazo, uma vez que o Mercosul só deve obter exportações com tarifas próximas a zero em 10 anos. ;Faz sentido os preços de ativos locais, como a taxa de câmbio, não terem reagido à notícia. Temos que encarar esse acordo como um ganho institucional para o Brasil e o Mercosul, assim como manter uma expectativa positiva de possíveis novos acordos.;
Setores
Por ser a locomotiva das exportações brasileiras, o agronegócio é, naturalmente, o que mais comemora o livre-comércio com a União Europeia. As indústrias brasileiras da pecuária e da agricultura são altamente competitivas globalmente e não têm receio de disputar mercado com nenhum outro país. ;Esse acordo é um passo fundamental para nos inserir na economia global, além de ser um cartão de visitas para a celebração de acordos conjuntos ou bilaterais;, diz o diretor executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Cornacchioni.
A confiança do agro, porém, não reflete o sentimento de todos os setores da economia. Não somente por ter mais mercado para vender seus produtos, os fabricantes nacionais enxergam com receio um aumento na concorrência no Brasil e no exterior.
Os europeus estão especialmente interessados nos capítulos do acordo que contemplam a redução de tarifas para carros e autopeças, que deverão chegar a livre-comércio em 15 anos. ;O importante agora em diante será diminuir o custo/Brasil, o peso tributário e as dificuldades para a indústria;, afirma Sílvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências. ;Caso contrário, produtos europeus podem roubar mercado local.;
Pela estrutura básica do acordo, 100% dos produtos industrializados no Mercosul terão alíquota zerada. Ainda assim, a ressalva é sobre a disputa no mercado interno. João Carlos Marchesan, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), vê enormes possibilidades de aumentar as exportações, mas condiciona o sucesso do acordo a uma isonomia com os europeus.
;O Brasil precisa melhorar a logística, o acesso ao crédito e diminuir a carga tributária, que torna o país pouco competitivo.; Não que a solução seja subsidiar esses custos, como foi a política de governos passados, mas executar as reformas que permitam que produtos brasileiros estejam em pé de igualdade com os do redor do mundo. ;Precisamos das reformas, senão, de nada adianta. No Brasil, um maquinário tem de 6% a 7% de impostos agregados. Na Europa, isso é zero.;
O temor de eventualmente perder espaço para os europeus faz com que vários setores ainda estejam acompanhando com lupa a definição dos detalhes do acordo. Um deles é o setor calçadista. ;Um aspecto que pode colocar tudo a perder é a regra de origem;, diz o presidente executivo da Associação Brasileiras das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein. ;Se um país asiático, por exemplo, estabelecer uma fábrica na Europa, temos de assegurar que esse produto não seja acrescentado na lista de produtos autorizados a virem ao Brasil.;
O que está em jogo
Em até 10 anos, o Brasil deve ter entrada gratuita na Europa para produtos do agronegócio, peças industriais, tecidos e químicos
Tarifa zero
Suco de laranja, frutas, café, peixes, crustáceos, calçados, tecidos, metais, produtos químicos e biodiesel
Sob regime de cotas
Carne bovina ; tarifa zero até 99 mil toneladas
Aves ; tarifa zero até 180 mil toneladas
Porcos ; tarifa zero até 25 mil toneladas
Etanol ; tarifa zero até 450 mil toneladas (uso químico) e 200 mil (outros usos)
Arroz ; tarifa zero até 60 mil toneladas
Mel ; tarifa zero até 45 mil toneladas
Benéficios
US$ 44 bilhões foi o total de exportações para a União Europeia em 2018. US$ 100 bilhões é o ganho esperado nas vendas para o bloco até 2035. O acordo deve resultar num impacto positivo no PIB de US$ 125 bilhões, em 15 anos.