Agência Estado
postado em 06/07/2019 11:00
O Banco Central prepara um choque de competição no mercado bancário brasileiro para baratear e expandir o acesso ao crédito no Brasil, afirmou, em entrevista ao Estadão/Broadcast, o presidente da instituição, Roberto Campos Neto. Segundo ele, uma das medidas será facilitar o uso dos imóveis quitados como garantia de novos empréstimos, reduzindo o custo de financiamentos e estimulando a economia. "Queremos tirar o governo da jogada", afirmou. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A aprovação da reforma da Previdência na Comissão Especial na quinta-feira (4) é movimento concreto para o Banco Central cortar os juros?
Em nenhum momento quisemos passar a informação de que era uma relação mecânica: se tem reforma, tem isso de juros; se não tem reforma, não tem. Nós avisamos que há três fatores (de risco): cenário externo, hiato do produto (diferença entre o PIB corrente e o PIB potencial) e reformas. Mudamos bastante a linguagem em relação aos três. O resultante disso foi uma linguagem final em que tentamos comunicar que estamos mais confortáveis com o cenário de inflação benigna. Se o passo de ontem (quinta-feira) foi importante? Foi uma primeira vitória. Mas nós do BC não temos a tarefa de especular como vai ser a tramitação. Temos de esperar.
Com a aprovação da reforma, uma agenda mais positiva passa no Congresso?
Passando a reforma, que é o tema mais polêmico, eu acredito que a facilidade deve aumentar para os outros temas que são mais relacionados à agenda positiva. Há a sensação de que estamos tomando as medidas certas. A equipe econômica tem outras agendas. A gente não para na reforma. O Banco Central pode contribuir na parte de democratização do crédito.
Qual o papel do crédito na retomada da economia?
O mercado é um dos canais onde ainda temos visto uma força. O crédito livre (sem juros subsidiados) está crescendo em torno de 11%. Pessoa física tem mostrado um crescimento mais saudável. Ele está funcionando bem.
O BC pode fazer mais?
Pode. Pode baixar o spread (a diferença do juro que o banca paga ao captar um recurso e o que ele cobra ao emprestá-lo), aumentar a inclusão. Importante é a parte do mercado imobiliário. O sistema de financiamento imobiliário é de uma mão. Você consegue financiar a sua casa, apesar da imperfeições que ainda existem. Mas quando se quer extrair valor da casa fazendo produtos que chamamos de "reverse mortgage" ("hipoteca reversa", empréstimo hipotecário tendo como garantia o imóvel, que permite ao mutuário acessar o valor livre da propriedade), "home equity" (o cliente usa um imóvel quitado em seu nome como garantia para conseguir um empréstimo pessoal), essa via é interrompida. Em grande parte dos países, tem uma via de financiar a casa, adquirir o imóvel, e outra de extrair valor. É comum nos países mais avançados, onde o valor de propriedade subiu muito, uma pessoa no final da vida retirar o valor da propriedade. Temos várias linhas de aprimorar esse instrumento para que tenha um colateral (garantia) para baixar a taxa de juros.
De que forma?
Você tem uma dívida pequena hoje no banco e coloca a casa como garantia. Os juros deveriam baixar muito, porque é um colateral (garantia) valiosíssimo. Hoje, ainda tem impeditivos que fazem com que isso não aconteça. Os bancos europeus têm uma história mais antiga desse mercado, mas recentemente vimos plataformas que estão fazendo isso. Crédito com garantia de imóvel. Estamos querendo que o mercado de financiamento de casas tenha duas vias.
Mas essa modalidade de crédito já existe...
Sim, mas baixa muito pouco a taxa de juros, porque tem muitas imperfeições. Existe mas não existe, porque, se pegar o total, é irrelevante. Se hoje vou pegar um empréstimo de R$ 100 mil e colocar a minha casa como garantia, o meu custo de cartório é altíssimo, o IOF vale de um lado, mas não vale do outro. Alguém precisa fazer uma avaliação da casa que custa muito caro. São várias medidas a serem tomadas.
Por que o BC tem olhado tanto agora para as medidas microeconômicas?
Essa agenda é muito importante. Tínhamos uma imperfeição na microeconomia muito grande. É difícil fazer negócio no Brasil. É difícil uma empresa pequena emitir capital, ter acesso ao mercado de capitais. Se a empresa quer fazer investimento de longo prazo, é difícil fazer o hedge (proteção financeira). Há várias imperfeições no mercado de fundos imobiliários, toda essa parte de acesso a funding (fontes de recursos), de inclusão financeira.
O Brasil convive com esse quadro há muito tempo...
É verdade. Uma das formas que o governo achou de encobrir as imperfeições foi dar um dinheiro barato, abaixo do custo de oportunidade. Em algum momento, bateu no muro do fiscal e teve de retirar os incentivos. As imperfeições ficaram mais aparentes. Não tem mais o subsídio. E com os juros mais baixos fica mais fácil ver as imperfeições. A agenda importante é a BC+. Teremos várias medidas para corrigir essas imperfeições. Queremos tirar o governo da jogada.
O sr. conversou com os líderes dos partidos para definir uma agenda de projetos no Congresso. O que vem primeiro?
Temos uma gama de projetos bastante grande. Tivemos uma primeira reunião. Entendemos que a parte da simplificação cambial é importante, porque vai em linha com o movimento de abertura comercial. Essa é uma prioridade, como também o projeto de autonomia do BC, que separa o ciclo político do monetário.
O que é a simplificação cambial?
O sistema cambial tem várias imperfeições, como por exemplo, para fechar o câmbio tem de ser uma instituição financeira. É difícil mandar o dinheiro para fora. Essa primeira etapa, que acreditamos vai levar à conversibilidade (quando uma moeda é trocada livremente pela de um outro país), é de simplificação. Serão mudadas 40 regras. A conversibilidade é consequência. O mais importante é ter um sistema cambial mais barato e inclusivo, melhorando a parte de exportação, importação e para o investidor estrangeiro. Vai ajudar ao processo de abertura comercial.
E a conta em dólar, que já foi anunciada, quando sai?
É uma consequência do processo final. Se temos uma moeda conversível, podemos ter conta não só em dólar, como em outras moedas. É um projeto de longo prazo dentro do meu mandato.