postado em 08/07/2019 11:50
O Brasil correu sérios riscos de perder parte das conquistas obtidas com o Plano Real, na avaliação do economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato. O especialista entende que, após anos de políticas erradas de incentivos ao consumo e de aumento de gastos, o país esteve perto da ;dominância fiscal; ; quando o Estado não consegue gerar receita, por meio de tributos, suficientes para financiar os gastos públicos. Uma mudança de viés em 2016 evitou o caos, mas ainda há tarefas pendentes para direcionar a economia brasileira para o forte crescimento.
Se o quadro de dominância fiscal ocorresse, o país teria que, ou dar calote, ou imprimir dinheiro para se financiar, expandindo a inflação novamente. ;Todo o descaso com a dívida pública e o investimento que foi feito, em muito casos sem retorno para a sociedade, criou essa má alocação de capital, cujo produto final foi uma elevação tão grande da dívida pública que os diretores do BC viveram um momento de altíssima tensão, em que se discutiu seriamente, em 2013 e 2014, a dominância fiscal;, lembra o economista. ;É o momento quando a política fiscal torna-se ineficiente e o governo começa a emitir dívida e, no fim do dia, começa a resolver o endividamento público através da inflação;, completa.
Segundo ele, caso as políticas de expansão dos gastos tivessem sido continuadas, não haveria comemoração dos 25 anos do Plano Real. ;A história seria bem diferente;, diz Honorato. ;Depois de 2012 e 2013, houve uma escalada da má alocação de capital na economia, o que produziu a crise que nós vivemos hoje;, acrescenta. Para Honorato, o país resgatou o compromisso com o crescimento sustentável em 2016, principalmente com o teto dos gastos, que impôs limites ao endividamento.
Crédito
;É a partir do teto que se estabelece uma linha na pedra, para dizer: a partir daqui, a gente não vai e a sociedade terá que fazer escolhas. É muito criticado se a reforma da Previdência deveria ter sido antes ou depois do teto dos gastos. Eu não tenho dúvidas. Eu acho que não estaríamos aprovando a Previdência, agora, se o teto dos gastos não tivesse essa força;, destaca. Honorato diz que a reforma da Previdência sustentará o limite imposto para o crescimento das despesas públicas.
Também contribuiu para a redução dos gastos do governo a reforma no sistema público de crédito. O Congresso Nacional aprovou a Taxa de Longo Prazo (TLP), em substituição da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), índice que serve de base para o cálculo dos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na prática, a mudança permitiu a redução de subsídios e a menor interferência do Estado no mercado.
;Quando mudamos de taxa, começamos a criar as bases para o mercado determinar mais livremente os preços de longo prazo. Hoje, a taxa de 10 anos no Brasil, nominal, está em 7,6%. É a menor taxa disparada da nossa história. Isso começa a gerar uma perspectiva de financiamento longo a taxa de juros que nós nunca tivemos. Nenhum empresário cogitou financiar um projeto de 10 anos a taxa de 7,6% nominal ao ano sem subsídio do governo. Isso avança (no governo Bolsonaro) com a redução do tamanho do BNDES e dos bancos públicos;, diz.
Cordão umbilical
Honorato destaca que a carga tributária brasileira é produto de uma despesa que aumentou demais nos últimos anos. ;O Brasil só vai dar um salto de verdade quando as reformas avançarem, saindo de um crescimento medíocre de 1% ou 2%, para algo entre 2,5% e 3% anuais. Durante quase 30 anos, de 1988 a 2016, o gasto público real, mais o crédito público, cresceu a taxas de pelo menos 6% acima da inflação. Não tinha hipótese de juros mais baixos e desta má alocação de capital produzirem crescimento sustentável. Esse cordão umbilical foi cortado;, frisa.
A flexibilização da legislação trabalhista também é fundamental para ajudar na recuperação da economia, segundo Honorato. Ele defende que, apesar de não ter resultado em muitas contratações formais até então, o que gera uma frustração, a medida tem potencial no futuro. ;(O cenário atual) Lembra muito a fase de transição do governo FHC para o do Lula, em que muitas reformas foram feitas e o mundo estava desabando. Quando o governo Lula corretamente não só mantém como aprofunda algumas reformas, inclusive do mercado de crédito, o país decola. Em 2004 e 2005, as commodities andam e o país começa a crescer. Nós estamos vivendo exatamente esse processo na minha visão. Fizemos uma série de reformas que vão dar resultado;, argumenta.
Sobre os juros, Fernando Honorato defende que a redução não vai resolver o problema do Brasil, mas que será possível ter a taxa básica Selic em 5% ao ano. ;Pode até chegar abaixo disso. Não vai resolver os problemas estruturais. O que vai resolver é o aumento da produtividade, algo que nós não conseguimos desde o Plano Real;, ressalta.
Profissão
O economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, conta que se espelhou nos criadores do Plano Real para escolher a profissão. ;Eu lembro como se fosse hoje, quando veio o confisco da poupança, no governo Collor. Meu pai depositava para os filhos na poupança. E aquilo me marcou na passagem para adolescente;, lembra. ;Em 1994, como num passe de mágica, e essa foi a impressão dos brasileiros, eles acabaram com a inflação. Aquilo para mim foi encantador. Eu decidi virar economista naquele dia;, acrescenta.