Economia

>> entrevista Fabio di Giammarco - Presidente regional da Puratos para América do Sul e América Central

Executivo do setor de panificação, confeitaria e chocolates fala sobre as tendências do mercado

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 15/07/2019 04:23
Executivo do setor de panificação, confeitaria e chocolates fala sobre as tendências do mercado


;As inovações ajudam o
consumidor a se cuidar mais;




São Paulo ; O setor de alimentos dá sinais de que poderá voltar à sua origem para poder atender aos novos desejos do consumidor, que tem valorizado opções mais saudáveis e com alguma funcionalidade. Uma das empresas atentas a essa corrida por alimentos inovadores é a Puratos.

Com sede na Bélgica, a companhia tem operações em cerca de 100 países, emprega por volta de 9 mil pessoas e trabalha com insumos para panificação, confeitaria e chocolateria, vendidos para diferentes tamanhos de empresas do setor. No Brasil, por exemplo, estão entre seus clientes companhias como Bimbo, Carrefour, GPA e Wickbold.

Recentemente, a Puratos divulgou uma pesquisa, realizada pelo instituto Ipsos, que ouviu 17 mil pessoas em 40 países, e aponta as tendências no consumo de alimentos. Saúde, frescor e sabor foram as características mais valorizadas pelos entrevistados.

A empresa vem investindo nos últimos anos, por meio de seus centros de inovação, em formas de desenvolver produtos que atendam a esse novo momento da indústria de alimentos. Por exemplo, com o aumento da quantidade de frutas frescas nos preparados para recheios e na inclusão de mais grãos nas massas usadas na panificação.

Mas além de monitorar de perto a mudança de comportamento do consumidor final, o italiano Fabio Di Giammarco, presidente regional da Puratos para América do Sul e América Central, também está muito atento a uma outra frente: a demanda gerada pelo aumento de empreendedores, especialmente no Brasil. Fora do mercado de trabalho, cada vez mais pessoas têm migrado para atividades por conta própria. O setor de alimentos é um dos preferidos, com a produção caseira de bolos, doces e pães. A seguir, trechos da entrevista.



É possível combinar processos de inovação e a alimentação saudável?

É sim. A diferença é que, no passado, as empresas de alimentação eram responsáveis por esse movimento de inovação, mas isso mudou. Hoje têm empresas de tecnologia, de eletrônicos, da biociência e tantos outros setores inovando, olhando para a alimentação, porque existe um consumidor cada vez mais preocupado com a saúde e disposto a pagar por aplicativos e dispositivos que garantam uma alimentação melhor.

Por que esse movimento está acontecendo agora?
Finalmente o consumidor entendeu que não vinha se alimentando do jeito correto. As taxas de obesidade, como mostram os dados da ONU, não param de crescer. Para ajudar nessa mudança de hábito, há não apenas uma oferta maior de alimentos saudáveis, mas também de novas tecnologias. Por exemplo, hoje existe um modelo de geladeira que faz a recomendação de compra segundo uma dieta mais saudável. Há ainda um chip implantado no dente que monitora a quantidade de sal e de açúcar consumidos, além de aplicativos que verificam a quantidade e a qualidade das calorias. Todas essas inovações estão ajudando o consumidor a se cuidar mais.

Como esses novos hábitos estão pautando o desenvolvimento de produtos na Puratos?
A Puratos sempre foi muito forte em inovação, dedicando uma fatia importante da sua receita para essa área. Hoje, podemos afirmar que a companhia é de 80% a 100% orientada a preparar produtos mais saudáveis para o consumidor. Por exemplo, com a inclusão de grãos, de sementes, de frutas verdadeiras nos recheios e misturas, investindo forte na fermentação natural, em uma volta às origens, com algo que gera uma digestão muito mais saudável.

O preço pode ser um empecilho para que o consumo de produtos saudáveis se popularize?
Esses alimentos ainda são mais caros por causa da escala. Mas isso vai mudar, é uma questão de tempo até que esses produtos sejam considerados como o consumo normal, não os outros. O consumidor está cada vez mais interessado por esses produtos, cada vez tem mais educação sobre o que deve ingerir, por isso está disposto a pagar por produtos que tragam benefícios como a redução de açúcar e de sal. Com os refrigerantes, aconteceu uma virada violenta no hábito de consumo e hoje temos bebidas como Coca zero e outras opções sem açúcar como líderes de mercado. Acredito no aumento das opções mais saudáveis à medida que o conhecimento do consumidor crescer.

Os consumidores também estão com um comportamento cada vez mais direcionado para a aparência dos alimentos, principalmente por conta das redes sociais e da possibilidade de compartilhar a imagem do que comem. Como isso é tratado pela indústria?
Sim, tudo é ;instagramável;. Quanto mais bonito, mais instagramável. Mas não é simplesmente a estética, existe uma relação forte com o frescor dos alimentos, como e onde ele é preparado e se existe a percepção de qualidade. Esse novo comportamento vale tanto para o consumidor quanto para os chefs e cozinheiros, que contam com grande popularidade nas redes sociais. Também funciona assim em outras áreas. Lembro-me de que, quando trabalhei em uma indústria de bebidas, os bartenders recebiam treinamento para que seus movimentos resultassem em fotos melhores.

O Brasil pode ter um papel relevante nessa fase de mudança de comportamento pelo fato de ser um grande produtor mundial de alimentos? Faltam indústrias com tecnologia de ponta no país?

Há muitas indústrias locais ou subsidiárias de multinacionais no Brasil, voltadas a produzir alimentos cada vez melhores. Mas também existe um mercado interno que tem massa crítica para posicionar o Brasil como um marcador de tendência. O Brasil é uma das economias que o mundo inteiro observa, além de ser uma influência indiscutível para toda a região.

Mas o Brasil, grande exportador de commodities com origem no agronegócio, pode se destacar com exportações de mercadorias com maior valor agregado também no setor alimentício?
Sim, vejo isso como uma possibilidade, mas desde que haja uma série de melhorias em áreas que já conhecemos, como na parte de legislação e infraestrutura, por exemplo. Estou otimista quanto aos acordos comerciais que poderão vir a partir desse interesse por uma maior abertura do Brasil. Isso poderá acelerar o interesse por mais investimentos. Tecnologia não vai faltar para melhorar o perfil do que o país exporta. O Brasil abriga um ambiente de startups, com investimento bem saudáveis em inovação.

Há no Brasil um número elevado de pessoas que trocaram suas carreiras pelo empreendedorismo por necessidade, principalmente com a falta de opções no mercado de trabalho. Como levar as novas tendências do setor de alimentos a essas pessoas?
Uma das áreas estratégicas que temos é essa, tanto no Brasil quanto na América Latina. São os artesãos domésticos, como as boleiras que trabalham em casa. Existe um mercado enorme no Brasil, principalmente de mulheres, que por vários motivos acabam entrando no empreendedorismo. Temos procurado nos adequar com mais produtos para esse perfil de cliente e nos aproximado cada vez mais dos canais de distribuição para chegar a esse mercado. Isso é feito, por exemplo, por meio de lojas especializadas e dos produtos desenhados para se adaptarem a volumes menores de produção, com embalagens com redução de gramatura, que não esbarram na falta de espaço para o armazenamento nem na falta de dinheiro para compras maiores. Também adaptamos formulações para que funcionem com equipamentos domésticos, por exemplo, nos chocolates, cremes vegetais e itens para confeitaria. Além disso, monitoramos as redes sociais para conhecer melhor o comportamento desses empreendedores, oferecemos receitas, treinamentos e cursos de capacitação. Adoro ver como essas pessoas se viram com uma criatividade incrível e com uma superqualidade no que fazem. Algumas pessoas crescem, viram donas de uma loja, de cadeias de lojas. É uma área de forte crescimento para nós e na qual pessoalmente acredito muito.

Qual é a relevância hoje do Brasil para a companhia?

O Brasil está entre os10 maiores mercados para a Puratos e é o maior na América do Sul e na América Central. Nossa operação continua crescendo aqui. Não posso dizer que a crise não está pegando, no geral, é cada vez mais difícil crescer. Mas operamos em um mercado onde há muito para expandir, porque é muito pulverizado, com uma participação baixa de todos e que está bem longe da consolidação.

Como melhorar resultados com as pessoas revendo suas escolhas alimentares por conta da crise econômica?
Eu imaginava que o momento econômico poderia atrasar essa evolução nos hábitos de consumo, mas a pesquisa que fizemos com a Ipsos mostra que não. Dos quase 20 mil consumidores ouvidos, 1.200 são do Brasil, o que representa uma fatia bem representativa. Não estamos falando de uma elite, mas do brasileiro médio, que vive nos centros urbanos. Chegamos a um raio x bem interessante. Nele, 80% dos entrevistados no Brasil acreditam que diminuir o açúcar melhora a saúde, 83% dizem que consumir fibras melhora a digestão, 75% concordam que adicionar ingredientes, como proteínas e fibras, na panificação é algo bom para a saúde, e 76% acreditam que remover gordura dos alimentos contribui para uma saúde melhor. No Brasil, a população está ficando mais responsável com a alimentação. Esses números são maiores entre os brasileiros do que nos demais países da América Latina. O brasileiro entende, por exemplo, que o cacau usado para fazer o chocolate tem um valor nutricional quando ingerido nas quantidades certas, que não é uma guloseima. Encontramos um consumidor mais pronto para inovações saudáveis e predisposto a dar uma virada no jeito que está se alimentando em diferentes classes sociais. Foi uma surpresa positiva para mim.

Mas questões econômicas não podem atrasar esse movimento?
Não necessariamente. Os consumidores vão fazer escolhas mais claras. Podem consumir menos, mas vão mostrar uma lealdade à marca muito maior. Na parte da população com menor poder aquisitivo, vemos que há uma fidelidade muito maior. Para essas pessoas, o erro é mais custoso, por isso podem errar menos nas escolhas. E à medida que têm confiança, permanecem comprando essas marcas que trazem mais qualidade, mais frescor, mais sabor. Isso vai se espelhar nas novas escolhas. Olha o que aconteceu no Brasil com as cervejas artesanais. Elas mudaram completamente a forma de o brasileiro beber cerveja, apesar de custarem mais. Cada vez mais os consumidores estão interessados em histórias reais, não apenas em uma marca enorme.




;Com os refrigerantes, aconteceu uma virada violenta no hábito de consumo e hoje temos bebidas como Coca zero e outras opções sem açúcar como líderes de mercado;



;Quanto mais bonito, mais instagramável. Mas não é simplesmente a estética, existe uma relação forte com o frescor dos alimentos, como e onde ele é preparado e a percepção de qualidade;





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