São Paulo ; Assim que os debates em torno da reforma da Previdência começaram a ganhar corpo, no fim do ano passado, a empresa brasileira de consórcios Embracon estabeleceu uma nova política de recursos humanos. Como grande parte da população precisará trabalhar por mais tempo, a companhia passou a priorizar vagas de emprego para quem tem mais de 50 anos, em vez de garimpar o mercado apenas em busca de jovens talentos.
Chamado de Embracon 50%2b, o programa atinge todos os departamentos da companhia. Com isso, dos cerca de 3 mil funcionários, perto de 250 têm 50 anos ou mais ; e a meta é triplicar esse número até o fim deste ano. Do total, 25% ocupam cargos de liderança em média e alta gerência. Os 75% restantes preenchem ocupações variadas.
;Os profissionais mais experientes são menos imediatistas do que os mais jovens;, justifica Gisele Maziero, analista de bem-estar da Embracon. ;A geração com mais de 50 anos chega com experiência, além de muita paciência, especialmente em vendas.;
A boa reputação dos trabalhadores sêniores está expressa em um estudo elaborado pela consultoria de recrutamento Robert Half. O levantamento constatou que os executivos de grandes companhias avaliam positivamente o intercâmbio de experiências entre diferentes gerações. Na pesquisa, 77% disseram que as diferentes visões sobre o mesmo assunto são benéficas para a empresa. Novas ideias, qualidade do serviço e inovação também foram apontadas como resultado dessa integração.
O levantamento mostra ainda que 91% das contratantes preferem trabalhadores mais velhos, principalmente para setores administrativos, que demandam bons currículos em atividades rotineiras. Apesar da simpatia por essa faixa etária, 80% delas responderam que não adotam programas específicos para idades mais avançadas.
Essa avaliação apontada pela pesquisa já se reflete na rotina de algumas empresas. Assim como a Embracon, a Atento, uma das líderes do setor de call center, mantém uma estratégia de diversidade no quadro de funcionários que inclui vagas de emprego para maiores de 50. Já o Grupo Pão de Açúcar (GPA) mantém política interna que busca promover a inclusão social e a qualificação profissional de jovens e de pessoas com mais de 55 anos, como forma de equilibrar as qualidades e as diferentes visões de mundo dentro da companhia.
O grupo Cencosud Brasil, a quarta maior rede de varejo supermercadista do Brasil, contrata cerca de 700 pessoas com mais de 50 anos por ano, desde 2017, por meio de um processo seletivo exclusivo. A Gol Linhas Aéreas também tem incentivado a contratação por meio do programa ;Experiência na Bagagem;.
O mesmo caminho tem seguido a gigante brasileira de tecnologia Totvs. ;É comprovado que empresas que investem em diversidade, inclusive de gerações, ganha eficiência e dinamismo em um mercado de consumo cada vez mais plural;, afirma Fernando Mantovani, diretor-geral da Robert Half. ;Além disso, o mercado de trabalho não está absorvendo os mais jovens;, acrescenta o economista Laércio Menezes, especialista do Insper.
Avanços
Na avaliação de Jorgete Lemos, diretora de diversidade da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Brasil), o mercado de trabalho tem mudado sua postura em relação à contratação de pessoas acima dos 50 anos. Segundo ela, as empresas não teriam talentos suficientes para dar continuidade aos negócios sem essa mudança de visão. ;A abertura de vagas para pessoas mais velhas ainda não é uma regra estabelecida, mas algumas empresas já avançaram, criando programas específicos para a contratação desses profissionais;, afirma.A executiva destaca ainda que, atualmente, as pessoas ainda estão em plenas condições para trabalhar nessa faixa etária. ;Além da experiência e da responsabilidade características da maturidade, os mais velhos costumam ser ter maior resiliência e oferecem melhor capacidade de negociação. Por isso, podem ser peças-chave em qualquer equipe de trabalho.;
A diretora da ABRH-Brasil confirma que, aos que desejam uma vaga no mercado de trabalho, é preciso agir como qualquer outro candidato. ;Fazer um currículo atrativo, sem menosprezar suas experiências e capacidades. Usar os canais de relacionamento para cultivar uma rede e investir em uma ótima apresentação, vendendo sua imagem como profissional capacitado, sem dramatizar ou se rebaixar pela idade.;
Gradualmente, a maioria das empresas começa a descobrir que vale a pena contratar candidatos acima de 50 anos. E isso tende a ser algo natural conforme a força de trabalho segue envelhecendo com mais qualidade.
Idosos crescem entre os que procuram uma vaga
Os números comprovam que a participação dos mais experientes está avançando de forma consistente. De acordo com uma pesquisa do Datafolha, pessoas que pertencem a uma faixa etária mais avançada estão procurando emprego com mais frequência. Entre 2007 e 2017, a busca por trabalho entre brasileiros com 60 anos ou mais saltou de 20% para 26%. Com base nos dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), a presença dos profissionais com idade entre 50 e 64 anos no mercado formal também aumentou: foi de 10,5% para 16,5% do total de contratados. A situação é um pouco mais difícil para quem passou dos 65 anos. Segundo uma pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV) com a consultoria PWC, pessoas com essa faixa etária representam apenas 1% do quadro de colaboradores das empresas brasileiras. Ainda segundo esse levantamento, os empregadores acreditam que 69% dos profissionais que estão na terceira idade não se adaptam facilmente às mudanças e 63% são considerados ;acomodados;, pelo fato de a aposentadoria estar chegando.
Comunidade
Diante dessa nova realidade brasileira, algumas inovações estão ajudando. É o caso do MaturiJobs, criado pelo empresário Mórris Litvak, uma plataforma que conecta pessoas acima de 50 anos com oportunidade de trabalho. A ideia é oferecer possibilidades para pessoas que têm dificuldades nessa procura, devido à faixa etária. As empresas interessadas buscam os candidatos diretamente na plataforma.
Um dos diferenciais da plataforma é a sua intenção de formar uma comunidade, com profissionais e empresas abertas a repensar o mercado de trabalho para pessoas acima dos 50 anos. ;Esse mercado é promissor. Muitas empresas começam a pensar nisso e a testar o mix de gerações, colhendo bons frutos com essa atitude;, afirma Litvak. A plataforma tem cerca de 80 mil pessoas cadastradas; 750 empresas estão inscritas no site.
Força de trabalho
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), do IBGE, realizada no ano passado, apontou que o número de idosos com 60 anos no Brasil cresceu 18% em cinco anos, superando a marca de 30 milhões de pessoas em 2017, sendo a maioria (56%) de mulheres. Em 10 anos, a proporção de adultos entre 30 a 59 anos aumentou 4,8 pontos percentuais. Estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU) confirma que a população idosa no mundo está crescendo, podendo chegar até 2050 a 2 bilhões de pessoas, quase três vezes mais o que existe hoje.