Economia

Secretário da Fazenda: 'A MP do FGTS é cidadã'

Secretário especial da Fazenda Waldery Rodrigues explica como o saque imediato, o saque aniversário, o crédito de recebíveis e a nova remuneração do fundo beneficiará trabalhadores

Rosana Hessel
postado em 28/07/2019 06:00 / atualizado em 19/10/2020 14:56

 

Um dia depois da divulgação das novas regras de saques das contas ativas e inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS-Pasep, o secretário especial da Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, recebeu a reportagem do Correio. Ele contou que essa medida foi uma determinação do ministro da Economia, Paulo Guedes, no início da transição de governo, em novembro passado.

 

Desde o fim de semana que antecedeu o anúncio, Waldery trabalhou com sua equipe de técnicos até de madrugada para concluir o texto da Medida Provisória 889, que trata do do assunto. Ele classifica a MP como uma “medida cidadã”. Durante quase 1h30 de conversa, detalhou os quatro pontos do texto: o saque imediato, o saque-salário, o crédito de recebíveis do FGTS e a nova remuneração do Fundo.

 

Apenas os saques, de até R$ 500 do FGTS, e do PIS-Pasep, deverão injetar R$ 42 bilhões na economia até 2020, incrementando o Produto Interno Bruto (PIB) em 0,35 ponto percentual em 12 meses. As demais medidas ainda têm potencial, em 10 anos, de criar 2,9 milhões de empregos e incrementar a renda per capita em R$ 840, ou 2,6% no fim de uma década.

 

Para Waldery, a medida mais benéfica ao trabalhador será o crédito de recebíveis do FGTS. “Eles podem permitir uma verdadeira disrupção com relação ao crédito para os trabalhadores de baixa renda”, garantiu.

 

O secretário, no entanto, reconheceu que essa MP do FGTS não fará com que o país volte a crescer 3% ao ano, de maneira sustentável. Ele adiantou que, assim que a reforma da Previdência for aprovada em segundo turno na Câmara, o governo atacará o gasto com pessoal e com juros. “Com a reforma da Previdência seguindo para o Senado, já se abre uma janela de oportunidade para várias medidas serem anunciadas”, disse. O economista também destacou a necessidade de reduzir o spread bancário. A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

O senhor poderia explicar melhor as medidas da nova MP? O saque imediato, de até R$ 500, ocorrerá apenas neste ano?

Essa é a primeira das quatro medidas previstas na MP. Ela acontece em 2019, mas tem algum reflexo em 2020. O saque imediato vai ter um cronograma e começa a ter impacto a partir de setembro. Existem 262 milhões de contas distribuídas entre mais de 96 milhões de cotistas. O saque de R$ 500 é por conta. Quem tem três, poderá sacar até R$ 1.500. A segunda medida é o saque aniversário, vale a partir de 2020. Ele contrapõe-se ao que a gente chama de saque rescisão. É opcional. O trabalhador ou o cotista vai poder optar por um ou outro a partir de outubro deste ano.

 

Onde ele vai ter de fazer essa opção? Na Caixa?

Sim. Operacionalmente, ele precisará fazer uma declaração na Caixa, que é responsável pela gestão do FGTS. Hoje, se o trabalhador não fizer nada, fica no sistema atual. A alíquota do saque aniversário incide sobre o saldo de todas as contas que serão obrigatoriamente migradas para o novo modelo. Portanto, essas duas medidas têm prazos e impactos diferentes. O saque imediato começa neste ano e termina no início de 2020. É uma medida que mexe na demanda. Já o saque aniversário vai de 2020 em diante. É permanente e afeta mais o lado da oferta. Cria um novo acesso anual aos recursos do Fundo para o cotista, além das modalidades existentes, que estão preservadas. Mas vamos falar da terceira medida, que é a remuneração.

 

Como é que vai ficar o rendimento do FGTS?

Hoje, o FGTS paga 3% ao ano mais a TR. Nos últimos dois anos, houve a distribuição de metade do resultado do Fundo. Agora, estamos aumentando para 100% do lucro. Com essa mudança, que vale a partir deste ano, o rendimento médio pode ficar entre 6% e 6,5%. Dependendo do resultado do Fundo, é possível chegar a até 7%. Historicamente, se 100% do lucro estivesse sendo distribuído, a rentabilidade do FGTS estaria ligeiramente acima da poupança de 1,5 a 2 pontos percentuais. O tamanho do lucro vai depender das variáveis da economia. O nosso objetivo é dar uma remuneração mínima e competitiva em relação à poupança. Perder para a caderneta é injusto com o trabalhador. Essa remuneração vai ser muito mais justa.

 

O aumento da rentabilidade do FGTS não é um estímulo para que o trabalhador deixe o dinheiro aplicado no Fundo em vez de sacá-lo?

Sim, mas se os recursos que estão lá no Fundo engessados estão perdendo para a inflação, é como se o governo estivesse cobrando um imposto em cima do cidadão. O FGTS, em vez de ser um benefício, está sendo tributado. Isso é injusto com o trabalhador.

 

Especialistas afirmam que o brasileiro mais pobre não consegue poupar, e o FGTS é uma forma de poupança forçada. Se ele ficar com esse dinheiro na mão, vai acabar gastando tudo e não erá uma reserva lá na frente. Como o senhor rebate essa crítica?

Esse é um ponto fundamental para a gente tratar. Nós não acreditamos na intervenção do Estado sobre as decisões do cidadão. Estamos falando do saque imediato de R$ 500. Temos dados de que existem cerca de 34 milhões de pessoas endividadas, sem acesso a crédito, por conta de empréstimos abaixo de R$ 500. Elas foram a uma financeira ou a um agiota tomar recursos para comprar remédio, alimento, pagar luz, água... Não foi um consumo compulsivo que levou esse indivíduo ao endividamento, mas a necessidade básica. O saque imediato pode trazer um alívio para cerca de 81% dos cotistas, o que corresponde a 54,7 milhões de pessoas, que têm saldo nas contas do FGTS abaixo de R$ 500.

 

E quantos têm conta acima de R$ 20 mil?

Essa fatia é de 1,57% dos 260 milhões de contas. Só voltando para essa medida de curto prazo, que é o saque imediato. Ele foi desenhado de maneira a atender dois objetivos. Primeiro, contemplar o trabalhador de mais baixa renda. Ele pode ter a situação melhorada, porque vai poder sacar o recurso do FGTS para comprar remédio, pagar contas. A MP também vai evitar que ele peça demissão só para conseguir sacar o Fundo. Segundo, o FGTS é hoje a principal fonte de recursos para o financiamento da habitação, da infraestrutura urbana e do saneamento. Hoje, a magnitude aproximada desse funding é de R$ 78 bilhões. E já antecipo que esse valor está totalmente preservado.

 

Essa liberação para os saques do Fundo vai ajudar a melhorar a demanda na economia? Que segmento vai ser mais beneficiado? O comércio?

O montante previsto para o saque imediato do FGTS é de R$ 40 bilhões, sendo R$ 28 bilhões neste ano e R$ 12 bilhões no primeiro trimestre de 2020, aproximadamente. E ainda tem R$ 2 bilhões ligados às contas do PIS-Pasep a partir de agosto. As liberações devem ajudar a melhorar a demanda. Essa medida, de largada, dá uma possibilidade de dinamizar o consumo e o pagamento de dívidas. Se você consome, multiplica recursos na economia. Se paga dívida, libera aquele trabalhador para novo acesso ao crédito. É o que chamamos de alocação eficiente de recursos, um princípio básico da economia que a gente tem de seguir. Se o recurso existe, mas fica parado, travado, é muito ruim para a economia.

 

O governo pode dar sinalização de que vai revisar a previsão de crescimento do PIB de 2019, que foi recentemente reduzida de 1,6% para 0,8%?

Pode sim. A nossa estimativa é de que, para o próximo relatório de avaliação de receitas e despesas, a ser divulgado em 22 de setembro, as estimativas para o crescimento do PIB talvez tenham uma sensibilização, uma influência dessa MP. Esses R$ 42 bilhões serão referentes apenas aos saques imediatos do FGTS e do PIS-Pasep. É um valor considerável e deve estimular o PIB em 0,35 ponto percentual em 12 meses. Mas não é a única fonte de resultados positivos para a economia. O saque aniversário tem um efeito até maior.

 

E qual será esse impacto?

O efeito do saque aniversário será apenas no ano que vem. Nós entendemos que, daqui a 10 anos, há uma possibilidade de o mercado de trabalho responder favoravelmente, com a criação de 2,9 milhões de postos de emprego. Um dos maiores custos do empregador é o da contratação de mão de obra. O empregado, para ter acesso aos recursos do FGTS em um determinado momento, pede para ser demitido. Faz um acordo com o patrão para sacar a multa de 40% que o empregador paga. Ele fica recebendo o seguro-desemprego por uns cinco meses e depois vai para a informalidade. Nosso objetivo é desestimular essa prática.

 

A multa de 40% vai ser alterada? O presidente Jair Bolsonaro disse que poderia haver mudança mais à frente…

Ela não está sendo alterada. Estamos discutindo FGTS há mais de oito meses. Nós entendemos que é o principal fundo público federal. Temos algumas diretrizes: preservar o trabalhador de mais baixa renda, preservar o financiamento da habitação, do saneamento, da infraestrutura urbana. Mexer nessa multa reduziria o custo da empregabilidade. Ficaria menos custoso para o empregador, mas, ao mesmo tempo, poderia ter impactos no Fundo, que não são desejáveis. Portanto, com relação à multa de 40%, não há nenhuma alteração. Ela está preservada e não tem à mesa nenhuma proposta a ser colocada a curto ou médio prazo relativa às alterações sobre ela.

 

No caso da migração para o saque aniversário, o trabalhador demitido sem justa causa só tem direito aos 40% da multa e não poderá sacar todo o fundo, apenas a parcela anual no aniversário?

Isso mesmo. A opção pelo saque aniversário poderá ser feita a partir de outubro deste ano. E se você quiser receber o saque aniversário a partir do ano que vem, essa opção precisa ser feita até o mês do seu aniversário. Nesse caso, o primeiro pagamento deve ocorrer até dois meses depois. Haverá um escalonamento do pagamento de quando cada um vai receber, que está sendo preparado pela Caixa.

 

Qual é a principal vantagem do saque aniversário?

É a previsibilidade. O trabalhador vai saber que vai ter um salário extra a cada ano no mês do seu aniversário, ou até dois meses subsequentes. Com isso, ele pode programar melhor a sua vida. Pode pegar um empréstimo no mercado, que é exatamente a quarta medida: o crédito de recebíveis associados aos recursos do FGTS. Ele será similar ao que é feito com o crédito consignado, que tem juros menores e que pode movimentar um novo mercado. Pelas nossas projeções conservadoras, algo em torno de R$ 100 bilhões. Portanto, o impacto na economia será muito forte. Esses recursos vão beneficiar as pessoas de baixa renda, que hoje não têm acesso à maioria dos créditos fornecidos e mais baratos.

 

Isso pode ser um mercado para as fintechs? Os grandes bancos estão interessados?

Pode ser um mercado para várias instituições financeiras. Os grandes bancos estão bastante interessados também. Vamos apresentar os impactos desses recebíveis a partir da próxima semana (esta semana). Temos estudos internos para a divulgação em conjunto com o Banco Central e com os agentes financeiros para apontar a potencialidade desse mercado. O novo crédito virá em maior volume e em menor custo, porque ele é previsível. O crédito do saque salário do FGTS será a garantia desse empréstimo. Esse vai ser um dos maiores benefícios para o trabalhador. O saque aniversário é muito bom. Ele é estrutural. Mas os créditos recebíveis associados ao FGTS podem permitir uma verdadeira disrupção com relação ao crédito para os trabalhadores de baixa renda. Não ter crédito é como não ter uma identidade no sistema econômico. Nesse sentido, a medida é muito cidadã.

 

É possível estimar o  impacto na economia do saque aniversário e dos recebíveis em 2020?

Não fizemos cálculo para um ano apenas, mas para uma década. Além de criar 2,9 milhões de novos postos de trabalho nos próximos 10 anos, essas medidas devem ter um aumento do PIB per capita de R$ 840 no mesmo período. Entendemos que a aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno da Câmara mostrou que o Congresso entendeu a importância de termos um controle das contas públicas e da busca pelo equilíbrio fiscal. A reforma da Previdência foi a prioridade desde o início, o controle da maior despesa primária. Hoje, temos um gasto de R$ 630 bilhões por ano com Previdência. É disparado o nosso principal gasto.

 

Mas tem outra despesa elevada, que são os juros…

Essa despesa é R$ 380 bilhões. Não é primária, mas financeira. É a nossa segunda maior despesa. A terceira também é primária, de R$ 324 bilhões, é pessoal e encargos. Esse é o mapa que a gente tem. Precisamos atacar as despesas primárias e financeiras. É a regra do jogo. O diagnóstico é de que nosso maior problema é fiscal. A nossa segunda maior despesa primária é a folha (de pagamentos).

 

Quando e como esse gasto com pessoal será atacado?

Está sendo decidido, mas entendemos que, aprovada a reforma da Previdência em segundo turno na Câmara e ela seguindo para o Senado, já se abre uma janela de oportunidade para várias medidas serem anunciadas. Entendemos que é preciso fazer o dever de casa do ponto de vista do controle das despesas. Não é o saque do FGTS e do PIS-Pasep que vai fazer com que o PIB cresça 3% ao ano de forma sustentável. O que leva a isso é cuidar da oferta e do equilíbrio fiscal. Para isso, temos de aprovar a reforma da Previdência, ter uma capacidade de resposta a esse alto nível de despesa com pessoal e encargos e reduzir o custo da dívida. O governo está atuando nessas três pontas.

 

E como atacar essa despesa de R$ 380 bilhões com juros?

Hoje, o governo não consegue reduzir essa despesa, porque opera com deficit primário. A nossa dívida bruta é de pouco mais de R$ 5,4 trilhões. Como o governo não consegue amortizar essa dívida, ela crescerá R$ 380 bilhões no ano que vem. Para reduzi-la, vamos atacá-la com diversas medidas. A principal delas é trazer confiança ao mercado de que a gente tem um rol, um leque de políticas econômicas. Não à toa, o risco país, medido pelo CDS (Credit Default Swap), voltou ao patamar de investment grade, que foi perdido em 2015. Isso é um outro sinal de robustez da economia, que está sendo construído. Outra medida envolve os bancos públicos, que estão reduzindo a participação na oferta de crédito e está havendo um movimento de crowding in, com setor privado voltando a emprestar mais no mercado.

 

Que tipo de medida podemos esperar do governo para contribuir na redução dos juros do mercado? Eles são muito altos e ajudam a travar a retomada do crescimento da economia…

Essa é uma das agendas prioritárias para o segundo semestre. Vamos trabalhar para reduzir o spread bancário com várias medidas. Ao reduzir o spread sobre os juros, haverá uma democratização do acesso ao crédito. Nesse sentido, a medida de crédito de recebíveis do FGTS também ajuda a melhorar o acesso ao crédito. Quem ganha abaixo de um salário mínimo, hoje, não tem crédito. Vamos deixar o mercado reagir. Essa é uma regra de ouro do nosso governo. A descentralização é muito virtuosa. Quando ela se dá no mercado, eu tenho eficiência econômica e crescimento forte, emprego e renda. Quando se dá no lado político, se traduz em democracia robusta.

 

 

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