Economia

Juro baixo triplica tempo para ganho do investidor cauteloso

Quem tem perfil conservador, como aplicadores em renda fixa, terá que arriscar mais para manter o patamar de rendimentos de períodos em que a taxa Selic, hoje em 6% ao ano, estava em 14,25%. Ações de empresas e prefixados são boas opções

Hamilton Ferrari
postado em 04/08/2019 08:00
Ilustração de investidor

O investidor mais cauteloso terá que se movimentar. Com a mais recente redução da taxa básica Selic, a rentabilidade de títulos de aplicação considerados mais conservadores, como os de renda fixa, cairá ainda mais, podendo quase que triplicar o tempo de espera para que a pessoa consiga dobrar o patrimônio. De acordo com cálculos da Associação Brasileira de Planejadores Financeiros (Planejar), com os juros nos atuais 6% ao ano, as pessoas vão demorar 12 anos para conseguir o feito. Antes, quando a taxa rondava 14% ao ano, o período era bem menor, de cinco anos.

O Banco Central (BC) sinalizou que os cortes na Selic não devem parar. Especialistas do mercado acreditam que há chance de 2019 terminar com juros em 5% ao ano. Marcos Maia Rech, profissional com certificação de planejamento financeiro (CFP, na sigla em inglês) da Planejar, explica que, se isso ocorrer, o patrimônio do investidor só conseguirá ser dobrado depois de 14 anos nas aplicações mais conservadoras. Ou seja, quase o triplo do tempo que era possível entre 2015 e 2016, quando a taxa básica estava em 14,25% ao ano.

Analistas em investimentos defendem que, agora, a renda fixa vai ficar menos atrativa e os mais cautelosos terão que migrar cada vez mais para ativos de risco. É hora de reorganizar as aplicações, porque, caso continuem presos a esses títulos, haverá garantia apenas de ganhos próximos da inflação e o poder de compra pouco mudará ao longo dos anos.

O professor Michael Viriato, do Insper, explica que o perfil conservador não muda, mas haverá uma alteração na forma de investir. ;A taxa básica caiu bastante nos últimos anos. Saímos de uma Selic de 14,25% ao ano, em 2016, para de 6% anuais atualmente. Estamos migrando para os patamares internacionais de juros baixos. Por exemplo, o investidor conservador nos Estados Unidos, onde as taxas são baixíssimas, são aqueles que aplicam entre 30% e 50% da carteira em ações de empresas. Isso vai acontecer com o Brasil no futuro. Em breve, já poderemos observar alterações;, prevê.

Viriato diz que, há muitos anos, o ganho do brasileiro era garantido com a Selic alta, o que permitia que investidores conservadores se beneficiassem de títulos mais seguros. Os juros compostos em cima do dinheiro eram altos e permitiam que a pessoa juntasse a quantia desejada de forma mais rápida. ;O investidor brasileiro se acostumou a ter rendimento com essas taxas. Agora, os bancos, em um pouco mais de um ano, vão sugerir ao público com esse perfil que tenha mais de 10% da carteira na Bolsa de Valores, por exemplo. É uma tendência. Vai ser algo completamente normal. O banco que se adiantar nisso vai sair à frente;, avalia Viriato.

Para a sócia-diretora da FB Wealth Daniela Casabona, porém, a situação atual é positiva. Ela diz que, entre 2015 e 2016, quando a rentabilidade era de 14% ao ano, os ganhos eram ;ilusórios;, já que havia alto nível de inflação. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 10,67% e de 6,29%, respectivamente. De acordo com o Boletim Focus do Banco Central, relatório baseado nas previsões dos analistas de mais de 100 instituições financeiras, a projeção é de que a inflação terminará 2019 em 3,8%.

;Apesar da queda da taxa de juros, a inflação também caiu e o juro real hoje está na casa de 2% anuais. Então, o rendimento real acaba sendo bem próximo;, analisa. ;Ainda sim, com a taxa de juros menor, o investidor tende a ganhar menos financeiramente. Nesse caso, é importante estar aberto para um novo portfólio e procurar uma diversificação que, mesmo com a oscilação, rentabilize a carteira de forma segura;, completa.

Daniela sugere, por exemplo, destinar o dinheiro para fundos de renda fixa com ;mix de crédito privado;. ;Podem dar até 120% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI) e são bem interessantes para o investidor. Ainda seguindo uma linha conservadora, procurar CDBs (Certificado de Depósito Bancário) de bancos menores, que têm Fundo Garantidor de Crédito, também pode ajudar o investidor a rentabilizar um pouco mais, mesmo com taxas de juros mais baixas;, destaca.

O investidor que tem interesse em aumentar o poder de compra no futuro precisa, portanto, se movimentar. Economistas acreditam que a Selic ficará baixa por um bom tempo. Com a recuperação lenta da economia, a taxa pode continuar em patamar estimulante por, pelo menos, até o fim de 2020.

O economista-chefe da Daycoval Asset, Rafael Cardoso, diz que o BC sustenta a possibilidade de os juros caírem para 5% ao ano em 2019 e continuarem no mesmo patamar até o próximo ano. ;O maior destaque do Comitê de Política Monetária (Copom) foi a sinalização de que o ajuste do estímulo monetário ainda não terminou ao explicitar que a consolidação do cenário benigno para a inflação prospectiva deverá permitir ajuste adicional no grau de estímulo à economia;, ressalta.

A análise é parecida com a da economista-chefe da Claritas Investimentos, Marcela Rocha. ;Em nossa avaliação, apesar de o Banco Central indicar que suas próximas decisões serão dependentes da evolução do seu cenário base, as projeções de inflação para 2020 estão abaixo da meta de 4%. O balanço de riscos favorável para o IPCA e, principalmente, a sinalização do comitê de que haverá um ajuste adicional no grau de estímulo, sinalizam que o ritmo de corte de juros deve ser novamente de 0,5 ponto percentual na reunião de setembro do Copom, e o ciclo total de corte de juros deve ser superior a 1 ponto percentual;, declara.

Novos mercados

O CFP da Planejar Marcos Maia Rech avisa que o momento é de começar a estudar outros mercados. ;O investimento em ações e em empresas é como a pessoa conseguirá dinheiro para a sua aposentadoria. Será preciso migrar e conhecer aos poucos outros ativos que remuneram a produção, que são as aplicações de renda variável;, diz.
Analistas explicam que investimentos em ações na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), por exemplo, são de longo prazo e precisam de cuidados. Para se aventurar, são necessários conhecimento e estudo. Quem não tem interesse de se informar pode recorrer a um fundo para fazer a administração de recursos ou uma gestora. Nesse caso, há pagamento de taxas que afetam a rentabilidade, mas pode ser uma boa opção para diversificar a carteira de investimentos.

O professor Marcelo Viriato, do Insper, destaca que há um receio de perda de dinheiro nessas aplicações, mas é uma decisão que valerá a pena. ;Na situação atual, o investidor conservador está ganhando pouco. É mais conveniente, mas é preciso mudar essa mentalidade;, diz.

Aos que resistem em arriscar, o economista e operador de renda fixa André Alírio, da Nova Futura Investimentos, comenta que os ativos de renda prefixada, como CDB e Letra de Crédito Imobiliário (LCI), são mais vantajosos. ;Se a expectativa de juros é menor que a atual, vale mais a pena começar um investimento em ativos pré-fixados com a taxa atual, que é mais alta que a futura;.

Alírio explica que os ativos indexados à inflação seguem a mesma linha. ;Os ativos indexados à inflação têm uma configuração parecida com a dos prefixados, se a expectativa futura é menor significa que o ativo terá um rendimento melhor que o pós-fixado, já que é travado na taxa atual;, afirma. André detalha que os ativos pós-fixados, como os papéis do Tesouro Direto, têm um caráter de segurança. ;Porém, não é o investimento ideal para quem busca rentabilidade maior, no momento;, sustenta.

Mudança de costumes


Os juros ficaram menores nos últimos anos já que a inflação está baixa. Para o investidor, principalmente, aquele com perfil conservador, a rentabilidade ficou menor

Mexer nos papéis


Com a queda da Selic, o investidor terá que buscar investimentos menos conservadores para ter rentabilidade acima do esperado. Caso contrário, o dinheiro só deve render perto da inflação

Evolução da Selic (em % ao ano)

Ago/16 14,25

Set/16 14,00

Nov/16 13,75

Jan/17 13,00

Fev/17 12,25

Abr/17 11,25

Mai/17 10,25

Jul/17 9,25

Set/17 8,25

Out/17 7,50

Dez/17 7,00

Fev/18 6,75

Mar/18 6,50

Jul/19 6,00

Dez/19* 5,50

Dez/20* 5,55


*Projeções do Boletim Focus

Tipos de investimentos

Renda fixa: investimentos em que o rendimento ou o formato de cálculo dos valores são definidos na contratação. O dinheiro aplicado retorna para a pessoa acrescido dos juros acordados e em data específica. Conheça as opções:

Pré-Fixados: a rentabilidade é definida no momento da aplicação em taxa de retorno anual ou pelo valor do capital no vencimento.

Pós-Fixados: a rentabilidade é de acordo com a variação de um índice. O valor do ganho é conhecido somente ao final do prazo estabelecido.

Renda variável: opção de investimento que a remuneração não são pré-definidos. A Bolsa de Valores de São Paulo (B3), por exemplo, é um tipo dessa aplicação. Os preços dos ativos mudam constantemente e refletem inúmeras variáveis financeiras.

Investimentos conservadores


Tesouro Selic: são papéis emitidos pelo governo federal para financiar o setor público. A rentabilidade é 100% da Selic. O investimento, porém, tem desconto do Imposto de Renda, com tabela regressiva, partindo de 22,5% e chegando a 15%. A pessoa pode sacar o dinheiro a qualquer momento.

CDB: o Certificado de Depósito Bancário (CDB) é um empréstimo feito pelo investidor aos bancos. As instituições financeiras, por sua vez, utilizam o dinheiro para oferecer aos clientes. Ele tem rendimentos diários, mas não pode ser sacado antes de determinado período de tempo, estabelecido em contrato. A rentabilidade varia perto da taxa Selic, mas também cobra Imposto de Renda com tabela regressiva de 22,5% a chegando a 15%.

Fundos DI: com baixas taxas de operação: são fundos que investem pelo menos 95% de seu patrimônio em títulos públicos atrelados à taxa Selic. A rentabilidade também é próxima da Selic e tem cobrança de Imposto de Renda com tabela regressiva de 22,5% e chegando a 15%. A pessoa pode sacar o dinheiro em qualquer momento. Esses fundos também cobram taxas de operação, o que reduz o rendimento.

CDI: o Certificado de Depósito Interbancário (CDI) são empréstimos que os bancos fazem entre si. A rentabilidade também é próxima de 100% da taxa Selic. Também cobram Imposto de Renda com tabela regressiva, partindo de 22,5% e chegando a 15%.

LCI: a Letra de Crédito Imobiliário (LCI) não permite sacar rapidamente, mas oferece uma rentabilidade maior. Também não é isenta de Imposto de Renda. A rentabilidade pode ser pós-fixada ou pré-fixada, além de ter a opção de ser atrelada à inflação. A pessoa não pode desejar sacar quando quiser.

LCA: a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) é parecida com a LCI, mas não é isenta de Imposto de Renda. Os bancos costumam exigir investimentos mais altos na LCI e LCA. Também pode ser pós-fixada, pré-fixada ou atrelada à inflação. A pessoa não pode desejar sacar quando quiser.

Fontes: Banco Central e especialistas

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