Simone Kafruni
postado em 06/08/2019 12:08
Ao longo dos últimos anos, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) não atuou de forma incisiva no setor financeiro, por conta da possibilidade de contestação judicial. A afirmação é do presidente do órgão antitruste, Alexandre Barreto, durante o painel ;Concentração e competição, como ampliar a oferta a um custo menor;, realizado nesta terça-feira (6/8) no Correio Debate sobre juros. ;O Cade atuava com uma espada na cabeça. Só recentemente foi assinado um memorando entre as Banco Central e Cade para que atuem de forma complementar;, explicou.
Barreto contextualizou a atuação do órgão antitruste. ;As perguntas que mais ouvimos no Cade são: Por que os juros são altos? Por que a gasolina está tão cara? Por que as passagens aéreas são tão caras? Não há solução mágica para a resolução de preços no Brasil;, destacou. Segundo ele, não há que se falar em valores altos ou baixos, mas preço justo, que é dado pela dinâmica do mercado.
;Todas as tentativas do Estado de intervir na economia, por meio de tabela ou congelamento, deram com os burros n;água no médio ou no curto prazo. Precisamos de competição para que a dinâmica de mercado equalize os preços. A Constituição garante os princípios da competição, e o Cade tenta colocá-los em prática;, ressaltou.
O presidente do órgão lembrou que o Cade tem 57 anos de existência, mas sua roupagem institucional tem 25 anos de atuação mais ativa. ;Antes da reinvenção do Cade, existiam órgãos como Sunab, de tabelamento de preços, que são a antítese de um ambiente competitivo e concorrencial. O cenário é relativamente novo, onde tenta-se inserir a cultura da competição. São sete anos da nova lei antitruste, após séculos de uma economia centralizada, fechada, com tradição de oligopólios e monopólios. Ou seja, os sete anos são um suspiro na história do país;, sustentou.
Livre iniciativa e livre competição
Hoje, livre iniciativa e livre competição são princípios basilares, complementares, mas não andam juntos necessariamente, de acordo com Barreto. ;Haverá situações em que vão entrar em choque. São situações que justificam a interferência do Estado na dinâmica de mercado;, assinalou. Entre os exemplos, Barreto citou a cartelização, aquisições e fusões e quando uma companhia é grande demais e pode interferir no mercado, de forma a não haver formação natural de preços. ;Todos esses três casos exigem atuação do Cade, mas tem uma quarta forma de intervenção. Alguns mercados, e o setor financeiro é um deles, exige que o governo regule. O BC regula o sistema financeiro. É uma forma do Estado intervir para fazer modulação entre livre iniciativa e o interesse público;, ressaltou.
;É um setor muito sensível que demanda intervenção do Estado. Quando a gente traz para o assunto do painel, o papel cabe ao Cade e ao BC, e deve ser tratado de forma coordenada. Porém, ao longo do últimos anos, não estava funcionando. No ano passado, um memorando foi assinado entre os dois órgãos, e tenho convicção de que vai render frutos daqui para frente. Ato conjunto da diretoria do BC onde são disciplinadas as atuações dos dois órgãos e ações conjuntas. Isso deve ser feito, porque, nos últimos anos, atuamos com uma espada na cabeça, sem que o Cade fosse incisivo, por conta da possibilidade de contestação judicial;, revelou.
;Resolvido esse problema, acredito que haverá complementaridade dos dois órgãos. A união das duas instituições é fundamental para garantir uma injeção de competitividade no setor. Os últimos processos já indicam que Cade e BC estão mais rigorosos", explicou. As últimas grandes concentrações foram a aquisição do HSBC pelo Bradesco e aquisição da operação de varejo do Citibank pelo Itaú, segundo Barreto. "E os remédios impostos foram bem amargos;, disse.
Apesar disso, o presidente do Cade considerou que não há correlação entre concentração e o alto nível de spread bancário (a diferença entre os juros com os quais os bancos pegam dinheiro e aqueles que cobram ao emprestá-lo). ;Não temos provas disso, mas sabemos que a redução de barreiras para entrada de novos agentes vai promover a competição. O cenário em 20 anos será completamente distinto do que o de hoje;, estimou.
Barreto recordou, ainda, a ampliação dos meios de pagamento. ;Antigamente, havia duas máquinas para duas bandeiras. Hoje, há uma infinidade, uma profusão de prestadores, com custos cada vez menores para quem usa esse serviço;, ressaltou. Esse mercado, completou, mudou radicalmente por atuação do Cade e do BC. ;Houve intervenção do Estado, mas foi levada ao mercado de forma natural;, concluiu.