Jorge Vasconcellos
postado em 06/08/2019 21:26
As exportações brasileiras poderão enfrentar dificuldades em razão da postura do governo brasileiro de contestar o desmatamento da Amazônia e a existência do aquecimento global, alertam especialistas ouvidos pelo Correio. Segundo eles, o cumprimento de compromissos ambientais assumidos em nível internacional têm orientado cada vez mais as relações comerciais entre os países.
Um dos últimos integrantes do governo a questionar a realidade das mudanças climáticas foi o oficial da Aeronáutica Darcton Policarpo Damião, diretor interino do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ele substituiu Ricardo Galvão, exonerado do cargo depois de o presidente Jair Bolsonaro contestar dados do órgão sobre o aumento do desmatamento na Amazônia.
Em entrevista ao jornal O Globo, divulgada nesta terça-feira (6), ele disse que o ;aquecimento global não é minha praia; e que, a partir do que já leu sobre o assunto, não foi possível chegar a uma conclusão. Antes dele, na segunda-feira (5), o general Eduardo Villas-Boas, ex-comandante do Exército e hoje assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), afirmou, durante palestra em Brasília, que o discurso pela preservação da Amazônia está a serviço de ;nações estrangeiras interessadas em atacar o Estado brasileiro; e explorar suas riquezas.
Para o professor Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), ;não há a menor dúvida de que haverá impactos nas exportações brasileiras, uma vez que a questão comercial, hoje, é pautada também pelas questões ambiental e indígena;. Ele disse que não só o Brasil, mas todos países que adotam ações predatórias ao meio ambiente, são alvo de pressões internacionais.
;Cada vez mais, cidadãos e governos da União Europeia, por exemplo, têm discutido formas de substituir importações que representem desmatamento nos países exportadores. E isso pode afetar seriamente as exportações brasileiras;, afirmou. ;É inegável, há mais de 30 anos, a ameaça representada pelo efeito estufa, pelo desmatamento da Amazônia e pela queima de combustíveis fósseis. Isso não se discute, está comprovado por centenas de relatórios internacionais. A discussão que está sendo feita hoje é sobre o que fazer diante dessa ameaça;, acrescentou o docente da USP, ressaltando que a postura do governo brasileiro atende a interesses comerciais do agronegócio, da mineração e de outros setores.
Já Günther Richter Mros, professor de Relações Internacionais da Universidade de Santa Maria (UFSM), disse que os importadores precisam dos produtos brasileiros, mas não querem ter suas marcas ligadas a países que não respeitam o meio ambiente. ;Países mais desenvolvidos, que costumam adquirir produtos agrícolas brasileiros, têm cidadãos mais conscientes e preocupados com questões ambientais. Por isso o presidente da República se irrita com notícias negativas dessa área. Não pela notícia em si, mas pelas dificuldades geradas para o comércio exterior do Brasil. É muito difícil manipular e esconder dados sobre desmatamento, por exemplo. Mesmo que o governo assim o faça, sempre haverá algum satélite captando as imagens que querem esconder;, frisou.
;Acho que, neste caso relativo ao meio ambiente, o governo tenta encampar uma agenda que interessa ao agronegócio, em especial aos pecuaristas, tanto no desmatamento, para criar áreas de pasto e estender a fronteira agrícola, quanto na questão do aquecimento global. O problema é que os gases emitidos pelo gado e as queimadas são, comprovadamente, elementos que contribuem para o efeito estufa;, destacou Mros, lembrando que o Brasil, em um passado recente, teve papéis importantes em conferências do meio ambiente e era um ator muito relevante na temática ambiental.
Para o professor Juliano da Silva Cortinhas, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (Irel/UnB), o Brasil segue cada vez mais na contramão da tendência mundial em relação à preservação do meio ambiente. ;A questão dos possíveis efeitos para as exportações brasileiras tem relação com o padrão do comércio internacional nos últimos anos. Esse comércio internacional não é regulado só pelo lucro. E não só os países, mas também os seus consumidores querem consumir produtos que tenham uma origem limpa, que respeitem os princípios do desenvolvimento sustentável, originários de países que tenham uma boa imagem internacional, países que tenham um padrão de respeito ao meio ambiente;, disse Cortinhas.
;Hoje a imagem do Brasil no sistema internacional é totalmente contrária a isso. Todos esses países e os principais veículos de comunicação do mundo têm trabalhado a imagem do Brasil como um país que não tem respeitado o meio ambiente. Os dados divulgados pelo Inpe são críveis, e a demissão do diretor do Inpe só corrobora a ideia de que o Brasil está pouquíssimo preocupado com o meio ambiente, é uma agravante atrás da outra. Está muito claro que não é prioridade do governo Bolsonaro o respeito ao meio ambiente;, concluiu o docente da UnB, acrescentando que os países da Europa, que já estão sofrendo os efeitos das mudanças climáticas, vão impor restrições crescentes aos produtos brasileiros.