postado em 11/08/2019 04:05
Arranjo de ocasião
É preciso reconhecer tais transformações, incomuns em democracias complexas como a brasileira e, para complicar, sem muita ajuda do presidente, normalmente pivô dos debates no regime presidencialista.
O presidente Jair Bolsonaro não peca pela omissão, mas seu interesse passa ao largo da economia.
Ele prefere liderar uma pauta revisionista dos costumes, do meio ambiente, da mineração em terras indígenas, do porte de armas, da negação da tortura nos governos militares e inflamar a sua rede de radicais contra os que se lhe opõem, acusados de esquerdistas.
Nada original. Nos tempos de Lula e Dilma, os ditos ;neoliberais; eram as bestas-feras da narrativa ;nós versus eles; do PT.
Neste quesito, bolsonaristas e petistas têm algo em comum. Elegem o adversário e, se não houver nenhum, inventam algum e saem batendo, e sem dó sobre aliados dissidentes. Seguem a cartilha de Saul Alinsky, ideólogo socialista que fez a cabeça nos anos 1960 e 1970 dos movimentos sociais e estudantis nos EUA. Ele é autor de um clássico sobre táticas não violentas de protestos, o Regras para Radicais.
Alinsky, morto em 1972, era brilhante. Hillary Clinton escreveu a sua tese de graduação sobre ele. Mas foi a campanha de Donald Trump que usou seus métodos para derrotá-la em 2016. Alinsky os resumiu em 13 regras, aplicadas pela esquerda e depois adotadas pela ;nova direita; nos EUA. Uma delas prescreve expor o inimigo ao ridículo e mantê-lo sob pressão; outra: escolha o alvo, personalize e polarize com truculência, taxando-o de qualquer coisa que o desmoralize.
As redes sociais potencializaram as regras de Alinsky, e é a isso que estamos expostos. Temas sem apelo popular como as reformas da economia são tratados à parte, já que não se prestam para embates.
Mobiliza-se para protestar, como se fez para tentar acuar tanto a Câmara como o STF. O apoio às reformas foi pretexto tático.
As dores do parto
É isso o que está por trás de ascendência do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. As dores do parto para renovar a economia, a gestão do Estado e os programas sociais ficaram com Maia à frente do bloco de partidos da direita moderada. Já o protagonismo ideológico é só de Bolsonaro. O resto é coadjuvante: Sérgio Moro, generais etc.
Tal arranjo entre os poderes, que também passa pelo ajuste de contas entre STF e agentes da Lava-Jato, tem tudo para dar errado. Mas não atrapalhou a vasta reforma da Previdência, embora não como a queria o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Guedes e Moro se imaginaram prima-donas do governo. Bolsonaro os atraiu assim. Hoje, devem ter atentado que a democracia é muito mais complicada. Talvez tenha caído a ficha para Guedes, um liberal das antigas, de que o problema não é o Congresso, mas o setor público e os grupos econômicos aninhados entre as corporações e os partidos.
Luta travada às sombras
Menos evidente é intuir que tanto Bolsonaro como Moro representam facções da elite de servidores pouca propensa a dispensar os seus privilégios corporativos em nome do equilíbrio fiscal. E não apenas regalias à custa sobretudo dos mais vulneráveis.
A disputa real travada às sombras é pelo exercício do poder. O uso excessivo da autonomia assegurada pela Constituição, no caso do Ministério Público Federal, ou obtido na marra, como Polícia Federal, Receita, TCU, explica boa parte do colapso fiscal da União, devido à crescente perda da capacidade de gestão dos governos.
Tal desgaste da racionalidade da gestão pública começa com a Carta Constitucional de 1988 e saiu de controle depois do mensalão, quando o poder político se apequena diante da burocracia, sobretudo a dos fiscais. A Lava-Jato e seus métodos não convencionais estressaram a corda e o que está em luta, confundida com ardis para soltar Lula, é qual corporação vai sobrepor-se aos poderes eleitos. Simples assim.
Compreensão necessária
É um jogo: os operadores da Lava-Jato se escudam na opinião pública, que a defende, e cresce tal apoio quanto mais se sucedem vazamentos de delações sobre ilícitos supostos ou reais de políticos ; qualquer um, do senador filho de Bolsonaro ao deputado tido como adversário.
Sem essa compreensão fica difícil entender a política nacional e os seus desdobramentos. A sagacidade e a liderança de Maia têm ajudado a desarmar as ciladas, ao levar o Congresso a se ver pela primeira vez desde o fim da ditadura com poder real sobre as políticas públicas.
É uma ação que também se mostra conveniente a Bolsonaro, ao livrá-lo do jogo que diz abominar do dá cá toma lá para aprovar seus projetos no Congresso. As reformas ganharão pique se seus ministros ajudarem.
O que falta é a equipe econômica perceber que a economia está sem vida e não sairá do coma só com reforma estrutural. É preciso algum impulso público para o crescimento pegar no tranco.
O povo sem twitter
Se há quase 30 milhões de subocupados no país e mais de 70% nascem e morrem sem CLT, FGTS, INSS, aposentam-se por idade recebendo um salário mínimo, é asneira esticar a corda da ortodoxia econômica.
Como diz o economista Fernando Montero, a confiança da classe alta avançou seis pontos desde dezembro, enquanto a do piso (D e E) ruiu 19 pontos, na medida do IPSOS. A confiança do mercado vem se recuperando com Nova Previdência, inflação contida, Selic com recorde de baixa.
Mas para as famílias de renda baixa e média, a realidade é outra: a cesta básica subiu quase R$ 100 desde maio de 2018, acima dos R$ 44 da correção do SM; o emprego sumiu, o crédito encareceu, a aposentadoria será mais difícil. Se não o governo, que o Congresso ativista se preocupe com o povo sem twitter.