A existência de um mercado de crédito bem estruturado é fundamental para o crescimento econômico do país. Essa é a constatação da economista Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman, ao citar agendas que alavancaram esse segmento no passado, durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Ela destaca que foram criadas, naquela época, medidas positivas que existem atualmente, como o crédito consignado e a alienação fiduciária do bem imóvel.
“Existe uma correlação muito clara entre crescimento e crédito”, afirma ela, lembrando que um mercado profundo, denso, ativo e eficiente” gera expansão econômica. “Se queremos aumentar a taxa de crescimento e a taxa de produtividade de um país, precisamos ter um mercado de crédito profundo e eficiente”, resume.
Ao explicar o que seria um mercado de crédito denso, profundo e eficiente, ela ressalta que o mais importante é que o recurso seja bem alocado. E, nesse sentido, o bom funcionamento da cadeia que envolve o mercado de crédito é fundamental. Ana Carla defende uma nova agenda para o país que considere toda a jornada de crédito, desde a origem, passando pela destinação, até a recuperação do crédito.
Recuperação
Ana Carla ressalta que, no Brasil, em comparação com outros países, a taxa de recuperação do crédito ainda é muito baixa e o prazo, muito longo. Ela lembra que esse componente é um dos que pesam na composição do spread bancário, que é a diferença entre o custo da captação do dinheiro e a taxa cobrada pelos bancos nos empréstimos para empresas e consumidores, em que estão incluídos os custos operacionais, com tributos e a margem de lucro dos bancos.
“A recuperação de crédito no Brasil é bem pior do que em outros países. A cada R$ 1 que se empresta e que não é pago, o banco só consegue recuperar 15 centavos depois de quatro anos. Nos países da OCDE (Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico) e em outras nações, essa relação chega até a R$ 0,80 em 1,6 ano. No Chile, a taxa de recuperação é R$ 0,60 em um ano e meio”, aponta ela, com base em dados do Banco Mundial. “Isso se reflete, claro, no spread, dado que, para quem não paga, o banco não consegue recuperar, e isso sobe os juros de todo mundo que paga”, completou.
De acordo com a consultora, é preciso deixar a emoção de lado para que o debate sobre como reduzir o spread bancário leve a soluções ou a uma agenda com o resultado esperado, de forma a evitar erros cometidos no passado. Ela cita como exemplo o fato de, na última década, quando houve a intervenção do governo para a redução à força dos juros, a medida não ter se sustentado. “Houve uma migração da inadimplência dos bancos privados para o público. Essa foi a consequência da intervenção na taxa de juros via bancos públicos. Do ponto de vista de alocação de recurso, de geração de emprego e de alavancagem da economia, não houve resultado”, explica.
Potencial
Ana Carla considera positivo o atual potencial do mercado. O crédito, que, segundo ela, está “na faixa de 50% do Produto Interno Bruto (PIB)”, uma taxa parecida com os países de renda média. “Para o ano, o crescimento do PIB será pequeno, porque, com a economia tão fraca e o desemprego tão alto, não pode se esperar um avanço tão alto. Mas, sem essa agenda, dificilmente a gente vai ter uma evolução mais balanceada da nossa relação entre crédito e PIB”, pontua.
A economista não poupa elogios em relação à agenda do Banco Central, a BC#, capitaneada pelo presidente da instituição, Roberto Campos Neto, para a democratização do crédito. Ela destaca o cadastro positivo, iniciativa que vem sendo implementada há 10 anos, e o open banking como medidas que devem ajudar na redução dos juros.
“O open banking tira a assimetria e permite que outros participantes tenham acesso a informações que apenas os bancos com estrutura grande possuem”, destaca a economista. Para Ana Carla, o cadastro positivo ajuda no acesso das informações sobre os bons clientes, hoje disponíveis apenas para os grandes bancos e, com isso, essa medida ajudará na redução do custo da precificação do risco de cada tomador.