postado em 14/08/2019 04:05
O agravamento da crise na Argentina prejudica o comércio exterior brasileiro, afinal, o país vizinho é o terceiro maior comprador de produtos nacionais. Mas a nação já enfrenta uma longa crise e vem reduzindo as importações das mercadorias no mundo e também do Brasil. Tanto é que a participação argentina encolheu 40% nas exportações nacionais no acumulado de janeiro a julho, em comparação com o mesmo período do ano passado. Para economistas, a piora do cenário gera incertezas e ruídos, mas a expectativa é de que o efeito na economia seja pequeno.
Pelos dados do Ministério da Economia, o Brasil exportou quase US$ 130 bilhões em produtos nos primeiros sete meses do ano, sendo que apenas US$ 5,98 bilhões foram para a Argentina. A participação do país tombou de 7,32% para 4,6% no total de mercadorias comercializadas pelas empresas brasileiras, entre janeiro e julho de 2019.
O economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), afirmou que, por hora, o que mais impacta é a volatilidade cambial, que prejudica o comércio exterior. Para ele, as políticas econômicas do presidente da Argentina, Mauricio Macri, não vinham dando sinais favoráveis. ;O mercado financeiro fica sempre tenso, porque não é a vitória do candidato preferido, mas o mais importante é ver a relação entre os países. Se houver uma postura pragmática de negociação e de manutenção de relações, a priori não teremos um agravamento da situação;, destacou.
A economista Lia Valls Pereira, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), encara esse sobe e desce recente dos mercados ;pura especulação; em relação à Argentina, porque não há fundamentos sólidos. ;As exportações brasileiras já encolheram 40% de janeiro a julho e, portanto, um agravamento da crise Argentina por conta das eleições não vai afetar um quadro que já está ruim;, destacou. ;O comércio está sendo afetado desde o ano passado, mas o cenário é de piora se as diretrizes do novo governo de esquerda repetirem o que aconteceu no passado;, completou.
Apesar disso, Cagnin ressaltou que, se os governos dos países optarem por uma política de afastamento, é possível que as duas nações sejam afetadas e disseminem problemas para o Mercosul. ;Independentemente da linha política ou ideológica, é importante ter o pé no chão e posição mercadológica para ver o que é bom economicamente;, defendeu o economista.
Preocupação
A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, está ciente disso. Com a recuperação econômica ocorrendo de maneira fraca, com o risco do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil ficar negativo novamente no segundo trimestre, a área econômica não quer criar entraves adicionais para o crescimento da atividade. Falta, porém, acertar com o presidente da República, Jair Bolsonaro, que é crítico da ex-presidente da Argentina e candidata a vice-Presidência na chapa favorita, que divide com Alberto Fernández.
O chefe do Executivo brasileiro já disse que, caso isso ocorra, será uma relação ;conflituosa;. Welber Barral, ex-secretário de comércio exterior e sócio da Barral M Jorge, explica que a Argentina será o país mais afetado com uma possível barreira comercial. ;A crise na Argentina não nasceu com o Macri, que fez algumas reformas macroeconômicas importantes, mas não foi ajudado pelo cenário internacional. Agora, a volta do governo de oposição não ajuda, porque, historicamente, são mais intervencionistas, protecionistas e populistas. Isso acaba gerando os problemas que geraram a crise no país;, afirmou.
Outra preocupação com uma possível vitória da esquerda argentina, segundo especialistas, são as negociações do acordo do Mercosul com a União Europeia, assinado no fim de julho, que ainda precisa ser ratificado pelos parlamentos e implementado gradualmente. ;Os esquerdistas são tradicionalmente mais protecionistas;, afirmou Lia Valls, do Ibre. Ela, no entanto, ameniza o prejuízo, pois a liberdade proposta no acordo é relativa. ;Sabemos que o acordo que foi firmado não é essencialmente de livre comércio, mas de comércio administrado, com preservação de vários interesses de ambos os lados;, disse.
Analistas do mercado financeiro torcem para que a ;lógica dos negócios; fale mais alto do que os atritos políticos para que, tanto a Argentina quanto o Brasil não se prejudiquem ainda mais. A nação vizinha compra produtos de alto valor agregado do país. Dos US$ 5,98 bilhões exportados pelo Brasil, 22% são automóveis para passageiro; 7%, peças para veículos e tratores; e 5%, demais produtos manufaturados.
Castello Branco explica vendas na Petrobras
Em audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, negou ontem que a venda de ativos da companhia seja um desmonte. Ele explicou que a estatal está focada nas atividades de exploração e produção de petróleo do pré-sal, que garantem retorno de 10% ao ano, enquanto nos segmentos de refinarias, gasodutos e distribuição de combustíveis, os percentuais ficam em torno de 5%. Os desinvestimentos, segundo ele, são para reduzir o endividamento de US$ 101 bilhões, o dobro do que a média das petroleiras concorrentes. ;Pagamos US$ 7 bilhões por ano de juros, 35% de tudo o que a empresa produz. Só com a geração orgânica de caixa não é possível reduzir a dívida;, justificou.