Economia

Roberto Brant

A escolha de um bom governante requer um conhecimento técnico mínimo das políticas públicas e uma compreensão das complexas decisões que um governo deve fazer

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 19/08/2019 04:27
O espelho argentino

Na semana passada, acompanhamos, com perplexidade, a disposição de nossos irmãos argentinos de repetir uma experiência política que deu errado invariavelmente nas inúmeras vezes em que foi tentada.

No começo do século 20, a Argentina era um dos cinco países mais ricos do mundo, em termos de renda por habitante. A partir de um certo momento, a política e os governos empenharam-se em desconstruir a economia e as atividades produtivas, a tal ponto que o país conseguiu se tornar pobre, numa trajetória inversa a de quase todas as outras nações. Tudo por obra obstinada e persistente de seu povo e de seus líderes.

O momento culminante da tragédia argentina ocorreu a partir de 1946, no primeiro mandato de Peron, um militar populista e carismático, reeleito em 1952, deposto por um golpe militar em 1955 e, novamente eleito em 1973, de volta de um exílio dourado na Europa. A morte interrompeu seu governo um ano depois, quando assumiu o poder a vice-presidente Izabelita Peron, uma ex-dançarina de teatro e esposa do caudilho. Depois de muitas crises, foi deposta dois anos mais tarde, para dar lugar a uma das mais crueis ditaduras de nosso continente. Ao longo de todas essas vicissitudes, formou-se no país um movimento popular, o peronismo, que assombra o tempo todo a política argentina.

O peronismo é um populismo de direita, com alguns disfarces de esquerda, fortemente demagógico, cuja única meta é o controle do poder a qualquer custo e sem qualquer consideração com as leis da economia, promovendo surtos muito curtos de crescimento e em seguida inflação alta, deficit público e estagnação. É a perfeita receita para a pobreza e a destruição do patrimônio econômico do país.

O governo Macri, que parece vai perder as eleições para os peronistas de raiz, liderados por Cristina Kirchner, ex-presidente e também viúva de outro ex-presidente, nesta curiosa República hereditária ; ou conjugal ; tentou reconstruir as ruínas da economia, pondo um pouco de lógica e de razão na ação do governo.

Os tempos da política e da economia, no entanto, não são simultâneos. Recuperar a economia argentina destroçada por políticas demagógicas, cujo principal propósito foi sempre manter a lealdade da massa de eleitores, demanda tempo e os resultados demoram a aparecer. Os argentinos, que já vêm se empobrecendo há décadas, não têm paciência para esperar, nem para encarar como adultos as durezas da realidade.

O caso argentino nos propõe duas questões. Espero ser bem compreendido mas, depois de ler muito sobre várias experiências e de refletir mais ainda sobre a nossa própria história, estou chegando à conclusão de que a democracia é o melhor dos regimes possíveis, preferível a qualquer outro em qualquer circunstância, mas eleições democráticas, por si mesmas, não produzem automaticamente governos responsáveis e capazes.

A escolha de um bom governante requer um conhecimento técnico mínimo das políticas públicas e uma compreensão das complexas decisões que um governo deve fazer. Ambos estão longe do alcance dos homens reais. As pessoas votam não com base em razões lógicas e informações relevantes, mas de acordo com reações instintivas e lealdades políticas adquiridas ainda no começo da vida. Os tempos e as necessidades mudam, mas, em geral, o juízo político das pessoas pouco se altera.

A outra questão é que o desenvolvimento econômico seguramente depende muito menos dos recursos de um país do que das crenças e comportamentos sociais determinados pela cultura. E a cultura não se fabrica sob demanda. É uma herança que se acumula lentamente ao longo da história. Há culturas para o progresso e a riqueza, e há culturas para a inércia, a pobreza e o ressentimento.

Olhando para o espelho argentino, vejo traços da nossa própria imagem e chego à conclusão: o governo e o Estado precisam de instituições que os blindem contra governantes escolhidos numa loteria tão frívola e inconsequente como são as eleições majoritárias. E ao final, eu me pergunto: qual das duas culturas é a verdadeira cultura brasileira?



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