Nelson Cilo
postado em 20/08/2019 06:00
São Paulo ; Considerado um dos maiores especialistas do setor siderúrgico brasileiro, o executivo Marco Polo de Mello, presidente do Instituto Aço Brasil, atravessa um dos mais desafiadores momentos de sua trajetória, especialmente pelas dificuldades impostas ao setor com a desaceleração global. Para ele, o grande problema está no excesso de capacidade instalada em um mercado que está abaixo dos patamares de 2007. Mas há, em sua avaliação, um horizonte positivo no Brasil, com um novo governo, com a aprovação da reforma da Previdência e com o avanço das negociações em torno da reforma tributária. Acompanhe a entrevista completa a seguir.Qual é o impacto da desaceleração da economia global no setor do aço?
A desaceleração complica um pouco no mercado internacional. Nosso setor tem excesso de capacidade de 395 milhões de toneladas de material. Para a atividade siderúrgica, isso tem preocupado muito. O mundo hoje vive uma nociva escalada protecionista, e uma recessão global mundial só prejudica ainda mais.
A guerra comercial entre China e Estados Unidos é o que mais preocupa hoje em dia?
Estamos falando aí das duas grandes economias do mundo. Evidentemente, o ponto de partida dessa grande guerra, dessa escalada, é o excesso de capacidade, fundamentalmente da China. Num segundo movimento, Trump, com a taxação de 25% para todas as importações que são feitas para o Brasil, Coreia do Sul e Argentina. O terceiro passo, a União Europeia, que reage a Trump e coloca uma salvaguarda. Então, sobre a ótica siderúrgica, o mundo já está convulsionado.
Dá para assimilar isso no caso do Brasil?
Para resolver, precisamos definir planos de redução da capacidade instalada. Mas isso significa demissão de pessoal e fechamento de plantas. Outra alternativa para reduzir o excesso de capacidade é se as principais economias do mundo tivessem crescimentos fortes, sustentados, com consumo aumentando.
O baixo ritmo da atividade industrial brasileira está afetando o setor de que forma?
Com baixa utilização da capacidade. Nossos mercados estão deprimidos, e a perspectiva é de que a retomada passe a ocorrer de forma mais vigorosa a partir de 2020. Então, nossa saída, teoricamente, seria exportação. Mas a exportação é comprometida pelo ambiente desfavorável e pelo famoso custo Brasil, com assimetrias competitivas. Há um trabalho recente da World Steel Association que mostra que nenhum país desenvolvido conseguiu retornar ao nível de consumo de 2007. Ou seja, Estados Unidos, Japão e Europa estão consumindo menos aço do que em 2007.
Ou seja, a última crise global ainda não foi superada...
Exato. Pior ainda no Brasil. Isso porque estamos em um processo de queda, em um processo recessivo que já dura mais de quatro anos. A retomada que estávamos imaginando para o primeiro semestre não ocorreu.
Existem alternativas para o setor, caso a recessão ou estagnação da economia brasileira dure muito tempo?
O que a gente tem que fazer, e estamos trabalhando para isso junto com demais setores que compõem a coalizão industrial, é colocar a roda da economia para rodar. Para voltar a crescer, o Brasil deve priorizar exportações, infraestrutura e construção civil.
De todos os setores industriais brasileiros, quais são os com melhores e piores perspectivas?
Qualquer representante da indústria de transformação sabe que a salvação da indústria está na retomada do crescimento econômico. Só que, para se ter a retomada do crescimento econômico, é preciso arrumar a cozinha e fazer a lição de casa na questão fiscal. E sabemos que a retomada é pela reforma da Previdência e reforma tributária. Ambas as reformas são as bases para que se tenha a volta do crescimento. Fora das reformas, o governo precisa olhar para a questão da competitividade. Hoje, o ambiente de negócios está em condição muito ruim, em meio a um manicômio tributário. Então, temos que limpar essas assimetrias competitivas para poder dar condições ao parque siderúrgico de ter competitividade na exportação.
Existe alguma negociação do setor do aço em andamento com o governo federal no que diz respeito à tributação?
Temos conversado com o governo, porque existe um mecanismo que se chama Reintegra, que ressarce as empresas dos tributos cumulativos que foram cobrados indevidamente. Esse mecanismo, que às vezes o governo costuma chamar de subsídio, não é subsídio, é apenas um mecanismo de ressarcimento, que já foi aprovado lá atrás. Havia um limite de 5%, e o governo Temer, por causa da greve dos caminhoneiros, resolveu utilizar recursos do Reintegra para fazer frente a outras despesas. O que a gente tem defendido com o governo federal é que a indústria de transformação, que opera com um grau elevado de ociosidade, precisa ter competitividade e ter a correção dos chamados desvios tributários.
Quais são as suas expectativas para a economia brasileira e mundial neste ano e para 2020?
Em nível nacional, somos otimistas. Acredito que o governo Bolsonaro tem trabalhado de forma objetiva em questões que são cruciais. O governo divulga muito mal aquilo que vem fazendo de bom. Quem olha para o todo enxerga aí uma reforma previdenciária aprovada e uma tributária encaminhada. Além disso, foi aprovado o novo mercado de gás, que vai permitir que haja uma redução efetiva no preço da energia, e isso é muito importante. O governo tem também um programa ambicioso de privatizações, que atinge quase R$ 1 trilhão, além de PPIs, os Programas de Parcerias de Investimentos, que estão extremamente avançados. Diria que os pilares da retomada do crescimento econômico de forma sustentada estão lançados.
O acordo do Mercosul com a União Europeia anima?
Sobre o acordo, todo mundo saiu soltando foguete, mas saímos na contramão, dizendo que para o setor não era bom. Olhando para o Brasil, é evidente que a gente entende que foi um grande avanço. Mas se você olhar para a indústria siderúrgica, não teremos absolutamente nenhum ganho. As alíquotas de exportação para a União Europeia estão zeradas desde 2006. Ou seja, estou entrando num acordo no qual não vou ganhar nada. Ninguém vai reduzir nada para mim. O segundo ponto é que deixo de ter, gradativamente, a minha proteção. A minha preocupação é que a redução do nosso imposto de importação ocorra concomitantemente à correção das assimetrias competitivas. Não posso correr o risco de reduzir meus impostos de importação sem antes corrigir as minhas mazelas.
Como a volatilidade do dólar está afetando o setor? Dólar acima de R$ 4 é bom?
Em uma das reuniões com o governo, quando a gente estava discutindo a questão da competitividade, um dos secretários, quase de nível de ministro, disse: ;Mas e o dólar, não ajuda?;. Ele teve aí uma apreciação de 19%. Digo que, primeiro ponto, o dólar no passado sempre mascarou a falta de competitividade, ou as chamadas assimetrias competitivas. Só que o dólar não é para mascarar nada. A política cambial não serve para ganhar competitividade. Ganha-se competitividade quando se corrige as assimetrias. O dólar apreciou 19% no Brasil num determinado período, mas isso ocorreu com outras moedas no mundo. Na Turquia, a apreciação do dólar foi de 50,6%, mesma faixa de Ucrânia e Rússia.
O que será debatido no Congresso Aço Brasil, que será realizado entre esta terça-feira (20/8) e quarta-feira (21/8), em Brasília?
O Congresso ocorre em um momento extremamente oportuno, depois de sete meses de governo novo. Diferentemente dos governos passados, esse governo está reformulando todas essas estruturas. Teremos a presença do presidente da República, do ministro-chefe da Casa Civil, do ministro das Minas e Energia, além de palestrantes internacionais. O congresso vai ser um divisor de águas e uma grande oportunidade de fazer um balanço do que ocorreu nesse primeiro momento de governo e de olhar para frente.