Nelson Cilo
postado em 03/09/2019 06:00
São Paulo ; A roda da economia começou a girar, o avanço das reformas anima os investidores e a expectativa é que o país entre em um ciclo de crescimento substancial. A avaliação é de Mauro Correia, presidente da revendedora, importadora e fabricante de veículos Caoa. O executivo cita o forte desempenho da venda de caminhões no ano como sinal da retomada. ;A área de caminhões, normalmente, retrata o crescimento da economia. Você precisa gerar riquezas para poder transportar.;
Correia afirma que o avanço das mudanças nos sistemas previdenciário e tributário vai acelerar os investimentos e tornar o setor industrial mais competitivo. ;As reformas vão trazer uma condição melhor para o crescimento do país;, destaca. O CEO da Caoa fala também como as turbulências internacionais, como a guerra comercial entre Estados Unidos e China e a situação política na Argentina afetam os negócios.
Nesta entrevista, Mauro Correia aborda, ainda, o futuro da indústria automobilística no país e o desafio de acompanhar o crescimento da economia compartilhada. Ele conta como o setor pode se adaptar às necessidades das novas gerações, especialmente aquelas pessoas que não consideram o carro próprio um sonho de consumo. ;A mobilidade vai continuar existindo. É uma necessidade e o veículo sempre vai fazer parte dela;, completa.
A indústria automobilística serve como um termômetro da pujança econômica de um país. Considerando a importância do setor, qual é a sua avaliação sobre o momento do Brasil?
Sofremos uma crise muito forte nos últimos anos, e com a mudança de governo, o otimismo melhorou muito. Já estamos vendo ações em todas as esferas que são importantes para o país. Ainda não estamos em um crescimento substancial, mas a economia já está se movimentando, a roda está começando a girar. Isso também é visível na indústria automobilística.
Há algum indício mais concreto da retomada?
A área de caminhões, por exemplo, normalmente retrata o crescimento da economia. Você precisa gerar riquezas para poder transportar. E as vendas de caminhões tiveram um crescimento substancial. Quando olhamos a parte de veículos, automóveis e comerciais leves, o crescimento acumulado de janeiro a julho está em torno de 11%. A estimativa para este ano, para uma indústria que, em 2018, produziu 2,5 milhões de unidades, é de 2,9 milhões. Ainda está longe do que foi nosso pico, de 3,6 milhões de unidades, em 2013, mas acho que já mostra uma consistência no crescimento, que vem desde 2017. O que é positivo nisso, quando você vê o crescimento da indústria automobilística, é que a base de suprimentos no Brasil também é muito grande. O setor no país é muito robusto. A grande maioria dos fornecedores internacionais está no Brasil. Temos empresas brasileiras que são multinacionais. Isso faz com que a economia gire em uma cadeia produtiva grande.
No geral, os resultados estão dentro das expectativas ou as projeções eram melhores?
Estão dentro do estimado mesmo, de crescimento de 10% a 15%. Mas precisamos trabalhar para ter uma venda mais saudável, vender muito mais no varejo. Temos que colocar a indústria para fabricar, temos que fazer volume para reduzir custos.
A expectativa no início do ano estava muito relacionada à aprovação da reforma da Previdência. Que outros fatores influenciaram o cenário econômico?
Sobre a Previdência, os empresários e analistas estavam mais otimistas quanto ao período de aprovação, mas ela já está quase lá, o que é muito positivo. Essa é uma reforma muito importante, porque ajuda na confiança dos empresários e investidores com o Brasil. Outro ponto importante que vejo é que já está se discutindo uma reforma tributária, que é fundamental para termos um sistema racional, que deixará o país mais competitivo.
Como a reforma tributária vai melhorar a situação da indústria automobilística?
Primeiro, acredito que ela vai trazer uma condição melhor para o crescimento do país. Isso ajudará não só a indústria automobilística, mas toda a base industrial brasileira. Você vai trazer novos investidores, vai colocar mais dinheiro dentro do país, vai ter mais investimentos produtivos.
Com esse cenário, quanto tempo o setor vai precisar para retomar os níveis pré-crise?
Para você voltar a um período pré-crise, de 3,6 milhões de unidades produzidas, ainda leva uns três ou quatro anos. Mas o modelo de volume começa a se modificar um pouco. Você começa a ter um movimento maior de locação de veículos, de meios de mobilidade diferentes pelas cidades. Precisamos também começar uma reinvenção para chegar mais próximo do consumidor, que passou a ter uma visão diferente de como fazer sua mobilidade nos grandes centros. Não vai depender só da economia, mas também de como a indústria automobilística se redesenha, se recria para se encaixar nesse novo momento.
A Caoa tem uma parceria com a fabricante chinesa Chery. Como você vê a guerra comercial entre Estados Unidos e China?
Os dois países precisam achar uma solução, entrar em acordo para minimizar o ambiente de aversão ao risco dos investidores.
Há ainda um preconceito do consumidor brasileiro em relação aos veículos chineses?
Acho que tinha. Se você olhar o desempenho da Caoa Chery do ano passado para cá, estamos crescendo mais de 250%. Já estamos superando marcas que estão há 18 anos no mercado brasileiro. Isso mostra que essa aversão ao carro chinês vem desaparecendo.
Como?
Por um trabalho muito árduo e consistente que estamos fazendo, como a prestação de serviços ao consumidor. Dedicamos uma atenção muito forte ao relacionamento com o consumidor e temos um acompanhamento do pós-venda muito rígido. Quando o consumidor faz uma reclamação, ele não fica sem resposta, sem solução. E era isso que prejudicava as marcas chinesas. Porque não tinha pós-venda, não tinha peça de reposição.
Qual o impacto da guerra comercial para os negócios da Caoa?
É ruim, porque boa parte de toda a matéria-prima que se utiliza é cotada em dólar. Mesmo com componentes produzidos no Brasil, ainda tem uma porcentagem disso que é em dólar, que você precisa acertar, tem que reajustar. E isso faz com que os produtos aumentem de custo.
A situação política na Argentina, que é uma grande parceira do setor automobilístico brasileiro, preocupa?
Impacta na retomada da produção. A Caoa, especificamente, não exporta para a Argentina, mas a crise no país impacta na produção nacional. Acredito que a Argentina vai achar seu caminho, sempre foi um parceiro muito forte do Brasil. Mas, ao mesmo tempo, o Brasil vem buscando outros parceiros e já vem fazendo outros acordos bilaterais, como com México e Colômbia, e tem a discussão com a União Europeia indo para frente. O que precisamos, além desses acordos, é fazer as reformas necessárias para tornar o país mais competitivo.
Você falou em necessidade de renovação do setor. A economia compartilhada é uma ameaça para a indústria automobilística?
Existem sempre os ciclos de renovação tecnológica. Hoje, o próprio veículo está sofrendo mudanças, seja na forma de conduzir, na disponibilidade de conforto que você dá para o consumidor, seja no seu sistema de propulsão. Também fala-se muito de carro autônomo, da eletrificação do veículo, a forma de conectividade para trazer a informação adequada para o usuário. Isso é importante, porque você insere no setor outros participantes que não existiam antes, que são as empresas de tecnologia. Dito isso, acredito que o compartilhamento vai se tornar uma realidade. O sistema de aluguel de veículos está cada vez mais forte. Você vê os jovens tirando carteira de motorista cada vez mais tarde. E o jovem pensando mais na mobilidade do que no produto em si, na posse dele.
Como conversar com esse consumidor que não tem mais o sonho do carro próprio?
Pelo meio mais adequado que eles se comunicam, que é o eletrônico. Você tem que oferecer a esse consumidor aquilo que atende à necessidade dele de movimentação. Você já vê consumidores que querem um tipo de veículo durante a semana e outro, no fim de semana. Mas o que se discute muito é que isso é válido até o momento em que esse jovem se casa e tem o primeiro filho. Porque aí o veículo passa a ser uma necessidade para ele. Então, você começa a criar necessidades diferentes, em momentos da vida diferentes. Mas uma coisa é fato: a mobilidade vai continuar existindo. É uma necessidade e o veículo sempre vai fazer parte dela. Você vai ter, talvez, uma forma diferente de comercialização, mas esse carro vai continuar tendo a necessidade de acompanhamento de serviço, de reserva, entre outros.
Sobre carros elétricos, quais os planos da empresa para o mercado brasileiro?
Já estamos preparando o nosso primeiro lançamento no país, que deve entrar em comercialização agora em setembro. E estamos trabalhando no desenvolvimento de outros produtos eletrificados. Não necessariamente puro elétrico.
Quando esses veículos vão ter um preço mais acessível?
Quando aumentar o volume de produção, com o desenvolvimento da tecnologia, que tem como principal foco a redução do custo da bateria. Isso já vem ocorrendo. A tendência é que os eletrificados fiquem com preços cada vez mais competitivos.
Existe alguma estimativa de tempo?
É difícil, porque a tecnologia hoje gira muito rápido. Mas podemos apontar que, nos próximos três ou quatro anos, isso estará muito mais competitivo. Hoje, o desenvolvimento tecnológico tem uma velocidade muito maior do que no século passado. Mas o que vejo para o Brasil é que ainda vamos passar por uma fase que é a eletrificação por meio de veículos híbridos e flex. O país tem um combustível limpo, que é o álcool, e acho que temos uma oportunidade muito grande de associar a eletrificação de veículos com motor a combustão.