Economia

Após falhas, regras de transferência de aeroportos mudam

Transferência de aeroportos à iniciativa privada mudou. Regras dos primeiros leilões foram modificadas, depois do fracasso financeiro de alguns terminais. Atuação da Anac em Viracopos, para especialistas, contribuiu para pedido de recuperação judicial da concessionária

Simone Kafruni
postado em 09/09/2019 06:00
Aeroporto de ViracoposNa última sexta-feira (6/9), o governo federal assinou o contrato de concessão de 12 aeroportos em blocos no Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, da chamada 5; rodada, com a qual arrematou R$ 2,4 bilhões. A modelagem foi bastante diferente das etapas iniciais, para não cometer erros que até hoje têm consequências perversas. As concessões do segundo processo, que rendeu 10 vezes mais, com outorgas de R$ 24,5 bilhões, resultaram na judicialização de pleitos, pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro e, em última instância, na recuperação judicial de uma concessionária, a Aeroportos Brasil Viracopos, operadora do terminal de Campinas (SP).

O novo modelo mostra uma curva de aprendizagem nas concessões aeroportuárias, explica Jorge Leal Medeiros, professor de transporte aéreo e aeroportos da Universidade de São Paulo (USP). ;A primeira concessão, em 2011, foi de São Gonçalo do Amarante (RN), um terminal pequeno, no qual o Exército brasileiro fez parte da obra. Na segunda, dos aeroportos de Viracopos, Brasília e Guarulhos, o modelo não contemplava o gatilho, de exigir obras conforme a demanda;, destaca.

Os investimentos foram muito altos e havia uma simbiose muito grande entre as empreiteiras dos consórcios e o governo da época, segundo Leal. ;Tanto que grande parte das construtoras foram parar em Curitiba;, lembra o especialista, referindo-se ao envolvimento das companhias na Operação Lava-Jato. ;As previsões foram superestimadas e, depois, o país passou por uma crise econômica. As concessionárias estão pedindo reequilíbrio econômico-financeiro, resultado, em parte, de o governo ter colocado uma exigência muito pesada;, diz.

Apesar disso, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), órgão regulador, fiscalizador e também parte dos contratos, não atendeu todos os pedidos. No entender de Alberto Sogayar, advogado do escritório L.O. Baptista Advogados, um dos grandes problemas é o fato de a Anac ser parte do contrato. ;Claro, houve ousadia dos empresários, mas era um momento econômico diferente e se acreditava que teria mais movimentação. Mas houve um problema de estruturação jurídica;, revela.

No momento em que a agência é parte dos contratos, além de fiscalizadora, passa a ter papel duplo, avalia Sogayar. ;Ela está lá para contribuir na regulação daquele ativo. Como parte do interesse, compromete os direitos dos concessionários. Deveria ser técnica e independente. Isso influenciou muito negativamente naquela etapa das concessões. Vários pediram reequilíbrio e não tiveram seus pleitos atendidos;, recorda.

Daniel Vila-Nova, sócio do escritório Souto Correa, especialista em direito administrativo e regulatório, explica que, quando se fala em agências no Brasil, é preciso ressaltar que não há uniformidade. ;São vários órgãos em inúmeros setores com tipos de competência e atribuições diferentes. Há uma assimetria que vivenciamos desde a década de 1990. Só recentemente é que começa um esforço de padronização;, explica.

O advogado ressalta que não é uma anormalidade a agência figurar nos contratos de concessão. ;O problema não é esse. Agora, todas as concessões, no início do ciclo, fizeram pleito de reequilíbrio econômico-financeiro. Isso sinaliza que a modelagem não foi adequada à sustentabilidade das operações. O modelo de concessão que foi desenhado não está parando em pé;, alerta.

Vila-Nova cita o caso mais emblemático, de Viracopos, que pediu recuperação judicial. ;Essas concessões tinham como contrapartidas, não só a área específica do terminal, mas os empreendimentos do entorno, de logística mais complexa. O concessionário tem de buscar parceiros para investir. Ao serem travadas, quebraram a expectativa de segurança do mercado em investir;, explica.

Terreno

A concessão de Viracopos, cujo leilão foi em 2012, previa um terreno de 26km;, que influenciou no lance de outorga. No entanto, até hoje, sete anos depois, o empreendimento só conta com 12km;. Os outros 14 km; ainda estão em processo de desapropriação. A projeção de exploração imobiliária, com construção de hotéis, estacionamentos, galpões logístico, não se concretizou. O pedido de reequilíbrio econômico-financeiro, no entanto, por conta da não utilização do terreno na integralidade, foi negado pela Anac.

À época, as projeções davam conta de que o potencial de ocupação poderia gerar R$ 2 bilhões de receita no período da concessão, de 30 anos. Ou seja, R$ 200 milhões no período de sete anos, praticamente uma parcela da outorga devida pela concessionária. Conforme Vila-Nova, ao avaliar os pedidos, a postura da Anac foi muito restrita. ;Os pleitos mais substanciais, negou. A atuação foi muito limitada;, avalia. No caso de Viracopos, a operadora entrou em recuperação judicial, porque a lei de devolução, embora assinada em 2017, só foi regulamentada este ano.

Vários outros pedidos também não foram aceitos, como uma tabela a respeito de cargas abandonadas. Como Viracopos é um aeroporto que opera muita carga, algumas mercadorias não são resgatadas. A Receita Federal as declara para perdimento, porém, entre a declaração e a destinação, ficam no aeroporto ocupando espaço. Como a Receita não pagava a Infraero, órgão estatal que administrava os aeroportos antes das concessões, não paga as concessionárias. Em Viracopos, a conta chega a R$ 200 milhões.

A redução da tarifa teca-teca (terminal de carga-terminal de carga) também poderia render mais R$ 200 milhões para a empresa em recuperação judicial. O mecanismo foi criado para remunerar o terminal onde a mercadoria desembarcou, sem ser nacionalizada ali, mas em outro aeroporto. No contrato, a tarifa era de R$ 0,50 por quilo, mas a Anac reduziu em 80%, para R$ 0,08, com a concessão em andamento.

Para o especialista Vila-Nova, as várias questões que foram parar nas varas judiciais de São Paulo apontam que a simples transferência para o setor privado pode gerar efeitos mais perversos. ;Privatiza a atividade, mas a torna insustentável. A modelagem ficou mais preocupada com a obra de infraestrutura do que com a qualidade do serviço e a sustentabilidade da operação;, sustenta.

Outro lado

A Anac explica que suas competências decorrem da lei de sua criação, n; 11.182/2005. ;Não se vislumbra, em razão disso, qualquer risco de parcialidade das decisões decorrentes da gestão contratual. Pelo contrário. Por contar com um corpo técnico altamente especializado em questões afetas à infraestrutura aeroportuária, entende-se plenamente oportuno que a agência concentre as atividades relacionadas à modelagem das concessões e à respectiva gestão e fiscalização;, informa.

Sobre o caso de Viracopos e o terreno entregue pela metade, a Anac afirma que: ;De acordo com informações prestadas pela própria concessionária em 2012, não existia previsão de exploração das áreas não entregues até o presente momento.; No início da concessão, segundo a Anac, a empresa exploraria as áreas centrais do aeroporto, mais próximas ao pátio e ao terminal, que foram devidamente entregues.

A Anac acrescenta ainda que, caso Viracopos comprove o impacto negativo, será possível reavaliar o cálculo. ;O pleito da concessionária pode ser dividido em duas partes: frustração de receitas não tarifárias devido à impossibilidade de exploração imobiliária e custos não previstos incorridos para o cumprimento de obrigações contratuais. Enquanto a primeira parte foi negada, a segunda foi acatada e estimada em R$ 4.143.286,84 (valores de setembro/2018).;

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