Jornal Correio Braziliense

Economia

Brasil tem a menor participação nos projetos aprovados no banco dos Brics

Dos US$ 10,2 bilhões da carteira de empréstimos aprovados, a participação do Brasil é de apenas 6%, a menor entre os países membros, que inclui também China, Rússia, África do Sul e Índia. Razão pode estar associada a problemas fiscais. No total, o desembolso do banco tem sido lento. Entre 2016 e julho de 2019, foi de apenas 7,7%

O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), ou Banco dos BRICS, desembolsou apenas 7,7% da carteira de US$ 10,2 bilhões de empréstimos aprovados para 38 projetos, entre 2016 e julho de 2019. O valor equivale a US$ 621 milhões. O ritmo é considerado lento, e as razões para o fraco desempenho variam da clássica falta de projetos, a dificuldades no cumprimento de condicionantes, à sensibilidade dos países em assumir riscos soberanos, ou seja, de sobrar para o Estados nacionais possíveis calotes dos tomadores dos empréstimos. Além do Brasil, integram o arranjo econômico também a Rússia, a China, a Índia e África do Sul.

;O valor é muito baixo, comparado à projeção feita em 2016, de desembolso de 31%, considerando o cenário mais conservador;, disse Luciana Acioly, economista do Ipea. A participação do Brasil na carteira dos empréstimos aprovados é de apenas 6%, a menor entre os demais países membros dos Brics. A China teve a maior participação relativa, no período, de 38%; a Índia, 28% e a Rússia e a Índia, 14%. Os projetos, para os quais já houve desembolso, se referem, principalmente, a energia e transporte.

Segundo Luciana, o desempenho pode estar associado à fragilidade fiscal. De acordo com a especialista, Pernambuco e Ceará tiveram projetos aprovados, mas o Maranhão, por exemplo, teve o projeto aprovado, mas teve a classificação de risco, feita pelo Tesouro Nacional, reduzida de B para C. O Tesouro dá aval para empréstimos apenas para estados classificados como A ou B. ;A questão fiscal atrapalha a tomada de empréstimos. Outra razão, pode esta estar associada ao ritmo das avaliações. Sobre a capacidade dos países de apresentar projetos, esse não é um problema só dos BRICS. De forma geral, projetos precisam estar calcados em boas técnicas. E esse é um desafio de todo banco de fomento;, afirmou Luciana.

Os dados foram apresentados no Fórum Acadêmico dos Brics, que ocorre hoje e amanhã no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília. O encontro antecede a reunião de cúpula do grupo, que, este ano, será em Brasília, em 13 e 14 de novembro.

;Os países em desenvolvimento vão precisar de US$ 2 trilhões para financiar apenas infraestrutura. Por isso, o NDB precisa encontrar uma forma de cooperar de forma multilateral. Se tivermos uma estrutura internacional de cooperação, isso vai fomentar grandes projetos e o setor privado também precisa abrir as portas;, disse o professor Kanyane, do Conselho de Pesquisa em Ciências Humanas da África do Sul, para quem o banco deveria desenvolver um modelo de securitização.

Apesar da carteira de US$ 10,2 bilhões, em empréstimos aprovados, até agora o volume captado entre os integrantes soma US$ 5,6 bilhões, programados para atingir US$ 10 bilhões, até 2021, com aportes anuais, feitos de forma paritária, de 20% do valor total para cada país integrante.

Fundo de Reserva

Além da carteira de empréstimos, para projetos de infraestrutura, o banco possui um fundo de reserva virtual, com teto de US$ 100 bilhões, para serem acessados pelos sócios em caso de emergência, ou seja, problemas no balanço de pagamentos. O fundo foi criado depois da crise dos subprimes, em 2008. Virtual, diferente da carteira de empréstimos, cujos os aportes são feitos anualmente ao banco, de acordo com um calendário pré-estabelecido, no caso do fundo de reserva a contribuição é feita apenas em caso de necessidade, com recursos diretos dos países membro.

Os cálculos são feitos a partir de uma cesta que considera as moedas locais dos cinco países. O uso das moedas locais para as transações do NDB é uma prática adotada desde a criação do banco, inclusive para as operações de empréstimos, embora o dólar seja a base para os cálculos. O objetivo é aumentar a participação de outras moedas nas transações econômicas mundiais, de forma a reduzir os impactos econômicos provocados pela oscilação do valor da moeda americana.

;Atualmente, 70% das transações comerciais mundiais são feitas em dólar e 90% dos pagamentos passam pelo sistema SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) dos Estados Unidos (principal padrão para pagamentos internacionais);, disse. Cyrill Prinsloo, do Instituto de Relações Internacionais Sul Africano. Ele defende que o banco dos BRICS seja usado não apenas para financiar infraestrutura, razão para a criação da entidade, mas também para industrialização e para financiar moradias populares. ;Isso ajudaria na redução da desigualdade e na sustentabilidade financeira do banco, que precisa emprestar para lucrar e pagar seus custos de operação;, disse.

O acesso ao fundo de reserva é proporcional ao tamanho das economias e aos aportes, portanto, variam de 50% do valor da contribuição (caso da China, maior economia do grupo) até o duas vezes o valor do aporte, caso da África do Sul. Além dos depósitos das economias participantes, o banco começou a fazer captações externas, ou seja, de outros países de fora do arranjo. A primeira foi feita em 2016, quando foram captados US$ 500 milhões por meio da emissão de títulos chamados green bonds, por terem critérios de sustentabilidade para aprovação. A captação foi feita em Renminbi (moeda chinesa).

De acordo com Luciana, atualmente o banco faz testes individuais, para cada um dos cinco países, com o objetivo de verificar o impacto do uso do fundo de reserva. O primeiro teste foi feito com a África do Sul. Segundo a especialista, o Brasil mostrou bom desempenho. Entre outros aspectos macroeconômicos, o teste verifica, principalmente, o impacto na taxa de câmbio.

Presidência

A partir do segundo semestre do ano vem, o Brasil assume a presidência do banco dos Brics por um período de cinco anos, em substituição à Índia, no posto desde a criação do banco, cujo acordo foi assinado no encontro de cúpula de Fortaleza, em 2014.

O banco é aberto a todos os países membros da Organização das Nações Unidas (ONU), mas para investimentos. Apenas os cinco países membros podem tomar empréstimos. O objetivo é abrir a possibilidade para outros países, no futuro, o que, segundo Luciana, poderá melhorar a classificação de risco do banco.

O termo BRIC foi criado em 2001 pelo economista inglês Jim O;Neill para fazer referência a Brasil, Rússia, Índia e China. Em abril de 2011, foi adiciona a letra "s" devido à entrada da África do Sul (em inglês South Africa). O agrupamento foi criado em 2006, quando passou a ser um acordo internacional, portanto, não se trata de bloco econômico, mas de um fórum de cooperação.

Os cinco países do BRICS representam 33% no produto global, 42% da população mundial e 43% de contribuição no crescimento do produto global, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 2018.