Economia

Só governo ganha com alta da gasolina

Redução na produção da Arábia Saudita após ataques em refinaria faz com que leilões de campos brasileiros ganhem maior importância no mercado global. Ao mesmo tempo, consumidores se preocupam com aumento no preço dos combustíveis

Simone Kafruni, Catarina Loiola*
postado em 23/09/2019 06:00

''A gasolina tem que baixar, o povo não aguenta mais isso, está muito difícil'', Rosângela Monteiro, 59, aposentadaO ataque terrorista à maior refinaria de petróleo do mundo, na Arábia Saudita, provocou a disparada do preço do barril do produto no mercado internacional, que bateu nos US$ 70. Apesar de o valor ter recuado um pouco, a volatilidade da commodity acende o alerta sobre quem ganha e quem perde com a valorização do óleo negro. Para o Brasil, produtor e exportador de petróleo, a alta traz preocupação aos consumidores por conta do reflexo nos preços dos combustíveis, que podem pressionar a inflação, mas também representa mais valor às reservas do pré-sal e maior atratividade aos três leilões marcados para este ano.


Não à toa, o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Oddone, chegou a afirmar, em evento na semana passada, que o aumento do preço do barril do petróleo é bom para o país, com impacto na arrecadação de impostos, nos royalties e no fundo social do pré-sal. Para ele, há efeitos positivos para a economia no longo prazo. A ANP vai realizar a 16; rodada de licitações de blocos em 10 de outubro, o leilão do excedente da cessão onerosa em 6 de novembro e a 6; rodada de partilha de produção do pré-sal em 7 de novembro.

Para o sócio e especialista em Direito do Petróleo do Vinhas e Redenschi Advogados, Guilherme Vinhas, Oddone deve estar apostando em ofertas maiores nos certames. ;Isso faz sentido. O Brasil é uma democracia, tem uma situação política estável e não se imagina que haverá guerra aqui, ao contrário do Oriente Médio. Essa estabilidade torna o país uma região do mundo segura para investir em petróleo;, avalia. A Petrobras também sai ganhando, ressalta. ;A companhia lucra mais e aumenta seu valor de mercado. Por outro lado, sem dúvida o consumidor sai perdendo. O efeito colateral da alta dos combustíveis é a pressão inflacionária;, diz.

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Nações produtoras

Marta Mitico, advogada e mestre em direito econômico internacional, destaca que a alta do petróleo beneficia os países produtores, entre eles, o Brasil. ;Fortalece o pré-sal, que ainda é pouco explorado e tem uma grande capacidade. Com certeza, os leilões vão atrair investidores em função da retomada da segurança jurídica e também pela situação geográfica das reservas do pré-sal;, assinala. No entanto, Marta alerta: ;Quem perde somos todos nós;. ;Aumento dos combustíveis, sobretudo o diesel, por conta dos fretes, faz todos os produtos subirem de preço;, afirma.

O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Adriano Pires, discorda que o país sai ganhando com o aumento do preço do barril. ;É muito ruim. Não se pode confundir. Só quem sai beneficiada é a indústria do petróleo. Quem acha que é bom tem um olhar muito setorial, de uma miopia extraordinária. Alguns estados, como o Rio de Janeiro, até podem sair ganhando por conta dos royalties. Mas aumenta a gasolina e o diesel, isso gera inflação e segura a retomada do crescimento. Petróleo caro é ruim para o mundo todo;, opina. Segundo ele, a maior atratividade dos leilões é apenas uma tese. ;Vamos ver se a disputa vai mesmo aumentar;, pontua.

Apesar de o Brasil ser produtor de petróleo, a alta internacional do barril provoca aumento nos combustíveis no mercado doméstico, porque o país atua tanto como importador quanto exportador. O petróleo predominante no Brasil é do tipo pesado, mais denso, difícil de refinar e transformar em combustíveis. Segundo dados da ANP, o país exportou 431,6 milhões de barris em 2018 e importou 67,4 milhões, um balanço comercial positivo de US$ 20 bilhões. No entanto, em relação aos derivados de petróleo, teve deficit de US$ 7,9 bilhões no mesmo períodos: exportou 86,5 milhões de barris e importou 188,2 milhões.

Ruim para o bolso

Como a Petrobras adotou uma política de preços que, desde 2017, repassa, aos valores da gasolina e do diesel nas refinarias, a variação da cotação internacional do petróleo, a alta do barril vai parar nas bombas dos postos de combustíveis e, de lá, direto no bolso dos brasileiros. A aposentada Rosângela Monteiro, 59 anos, considera o preço atual da gasolina ;absurdo;. Além disso, diz ela, o valor alto do combustível prejudica muitas pessoas, principalmente as que trabalham no fim de semana e moram nas regiões mais afastadas. ;A gasolina tem que baixar, o povo não aguenta mais isso, está muito difícil;, reclama. Por mês, Rosângela gasta entre R$ 400 e R$ 500, mas nem sempre consegue encher o tanque. ;Ultimamente, faço pesquisa de preço, tento ver o posto mais barato, nem que seja R$ 0,05 ou R$ 0,10.;

Para os consumidores, a culpa sempre recai nos postos de combustíveis. No entanto, o presidente do Sindicombustíveis, Paulo Tavares, destaca que, para o setor, o aumento no preço do petróleo também não é bom. ;Não conseguimos repassar. Quem ganha são os governos, porque o que se paga em tributos é muito mais do que a margem de lucro dos postos;, diz.

Tavares destaca que os estabelecimentos já estão comprando gasolina com o aumento de 3,5% anunciado pela Petrobras na semana passada. ;Isso significa R$ 0,06 a mais. O setor precisa repassar, mas isso piora a situação da distribuição, cuja margem de lucro é de 10%, o equivalente a R$ 0,20 por litro;, revela. O presidente do Sindicombustíveis ressalta que o Distrito Federal pratica alíquota de 28% e sai ganhando com a alta dos preços. ;O consumidor culpa o posto, mas o governo do DF ganha R$ 1,20 por litro e o governo federal, R$ 0,70. Nós ganhamos só R$ 0,20. Por isso, muitos postos estão fechando e 3,5 mil frentistas já foram demitidos;, declara.

* Estagiária sob supervisão de Leonardo Cavalcanti

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