Paula Pacheco
postado em 25/09/2019 06:00
São Paulo ; A produção de cimento está diretamente ligada à produção de calor nos fornos que fazem a transformação. Por natureza, esse é um setor que ainda é responsável por uma grande quantidade de CO2 na atmosfera. Com a preocupação crescente nas últimas décadas por parte de empresas, investidores e consumidores com a origem do que se consome, essa atividade também tem buscado alternativas para reduzir seu impacto no planeta.
Líder global em materiais e soluções construção, a franco-suíça LafargeHolcim atua em quatro segmentos de negócios: cimento, agregados, concreto e produtos especiais. No Brasil, opera em 24 cidades e conta com cerca de 1 mil funcionários. Uma de suas unidades de produção, a de Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, acaba de completar seis meses abastecendo seus fornos com combustíveis alternativos, sem utilizar fontes fósseis de energia.
Alcançar uma taxa de substituição térmica de 100% não é simples, explica Bruno Hallak, gerente de Meio Ambiente da LafargeHolcim Brasil. O principal desafio é encontrar fornecedores de materiais para a queima e colocar, nessa equação, a distância até a unidade de produção para que o custo da substituição seja viável.
A fábrica mineira vem substituindo os combustíveis fósseis, como coque de petróleo e carvão mineral, por biomassa (materiais de origem vegetal, como madeira de árvores que, durante o seu crescimento, já resgataram carbono), além de resíduos do processo de produção da indústria siderúrgica, como a moinha de carvão vegetal, o bagaço de cana-de-açúcar e a palha de arroz. A decisão sobre qual produto usar no lugar das fontes fósseis depende principalmente da logística para torná-lo viável economicamente.
Agora, Pedro Leopoldo está utilizando a moinha de carvão e resíduos industriais. ;A prioridade é que eles sejam reciclados ou reutilizados. Quando isso não é possível, o coprocessamento para a substituição do material fóssil é uma das alternativas;, explica Hallak.
Esse tipo de reaproveitamento de descartes funciona, por exemplo, com materiais descartados que não servem para reciclagem, como no caso das borras oleosas, borras ácidas e sólidos contaminados com óleo. O que seria problema para a indústria passa por um tratamento e vai para os fornos de empresas como a LafargeHolcim, por causa do seu poder calorífico.
Redução de custos
Ações como a da multinacional fazem parte do que se conhece como conceito de economia circular. Nele, estão incluídas as etapas da produção, do consumo e do descarte, mas também o compartilhamento, a manutenção, a reutilização, a remanufatura e reciclagem de materiais e produtos.
Pesquisa divulgada nesta terça-feira (24/9) pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que 76,4% das indústrias brasileiras têm, de alguma maneira, a economia circular em seus negócios, aumentando a vida útil de produtos e materiais a partir do uso mais eficiente de recursos naturais.
Segundo o resultado, 75,9% dos entrevistados adotam a economia circular motivados pela redução de custos. A maior eficiência operacional incentiva 47,3% das empresas que responderam o questionário. A oportunidade de novos negócios é a motivação de 22,6%. Entre as práticas apontadas estão o reúso de água, a reciclagem de materiais e a logística reversa. ;De uma forma geral, o que não serve para uma indústria serve para outra. É o que se busca, de uma forma geral, com a economia circular;, comenta o gerente da LafargeHolcim.
Apesar de os números da pesquisa da CNI mostrarem que muitas indústrias já aderiram à economia circular, na prática ainda é muito difícil encontrar alternativas para utilizar nos fornos, explica Hallak. Por isso, a LafargeHolcim tem um braço de negócios voltado para gerar um mercado de resíduos de forma estrutural.
A Geocicle trabalha no mercado de coprocessamento de resíduos e presta consultoria para as empresas. Isso é feito, por exemplo, a partir de visitas técnicas, que ajudam a identificar quais são os resíduos produzidos e como eles podem ser segregados e transformados em produtos de maior valor agregado, ganhando uma sobrevida para outras empresas.
Em empresas como a LafargeHolcim, o material que vem do coprocessamento passa por análises químicas antes de ser usado em misturas, para não aumentar as emissões atmosféricas e também não interferir na qualidade do produto final. No caso de Pedro Leopoldo, a meta é continuar a usar 100% de fontes não fósseis. Mas tudo vai depender principalmente da disponibilidade da moinha gerada pelas siderúrgicas. Como muitas delas passam por uma fase de baixa atividade, o volume de moinha nem sempre atende à demanda.
TRIAGEM Outro projeto que vem chamando a atenção dentro da multinacional é o de Caaporã (PB), que prevê a utilização de lixo urbano nos fornos. Os primeiros trabalhos começaram em julho e até o fim do ano a expectativa é que essa fonte de energia responda por até 30% do material usado na unidade do município paraibano, segundo o gerente da Geocycle, Nelson Vianna.
;É uma planta pioneira. Tínhamos experiências semelhantes em Pedro Leopoldo. Pela proximidade com Belo Horizonte e o volume de lixo gerado, vimos que valia a pena nos aproximarmos das empresas que fazem a coleta para comprar o lixo que passou pela triagem e não serviu para a reciclagem;, explica.
Para ele, esse tipo de parceria serve como um complemento à atividade dos recicladores de material descartado, não como concorrência. "Não há competição com reciclável. Usamos no coprocessamento o que não tem função e isso evita a queima desnecessária;, diz Vianna.