Economia

Avanço da tecnologia em comunicação pode ameaçar privacidade de usuários

Redes sociais, serviços de streaming, GPS de celulares, inteligência artificial, assistentes de voz e internet das coisas conectam as pessoas, mas devassam suas informações pessoais

Nelson Cilo
postado em 26/09/2019 06:00

Estudos apontam que smart TVs fabricadas pela Samsung ou LG compartilham dados de usuáriosSão Paulo ; Redes sociais, streaming, GPS de celulares, inteligência artificial, assistentes de voz, internet das coisas. A nova era da tecnologia nunca expôs tanto a privacidade das pessoas como atualmente.


Em recente evento na sede da Kaspersky Lab, em Moscou, para falar sobre o futuro do setor de cibersegurança, o bilionário Eugene Kaspersky, dono da empresa de antivírus que leva seu nome, classificou como alarmante a situação e afirmou que a segurança de dados está se tornando o maior desafio das empresas no mundo.

;O próximo passo para a cibersegurança mundial é a criação de sistemas que não só ajam na recuperação e prevenção de ataques, mas que também reduzam a atratividade das ações criminosas;, disse o empresário. ;As pessoas precisam ter garantias de que estão com seus dados preservados quando utilizam novas tecnologias;, acrescentou.

Evidentemente, Kaspersky fatura mais à medida que o medo cresce, mas os recentes acontecimentos endossam o cenário traçado por ele. No ano passado, chamaram a atenção os vazamentos de dados de grandes companhias, como Facebook e a rede de hotéis Marriott, o que gerou a aprovação de legislações de dados mais restritivas na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil, além de um constrangido pedido de desculpas de Mark Zuckerberg, fundador da rede social.

O problema é que, em vez de melhorar, a situação parece piorar. Nesta semana, um estudo de pesquisadores da Northeastern University, nos Estados Unidos, e do Imperial College London, no Reino Unido, revelou que as smart T-s fabricadas pela Samsung ou LG, além de dispositivos de streaming, como Roku e Amazon Fire TV, estão enviando dados privados de usuários, como localização ou endereço IP, para a Netflix, Google, Facebook e outras empresas de tecnologia.

Isso ocorre mesmo quando os dispositivos estão desligados em modo espera (stand-by). ;Como a maioria das smart TVs executam alguma configuração baseada no Android, isso implica criação de um ambiente no qual é mais fácil para os criminosos gerarem códigos maliciosos capazes de afetar computadores de vários fabricantes, facilitando a transição de um malware;, diz Denise Giusto Bilic, especialista em segurança de TI da ESET América Latina e autora do estudo Smart TV: a porta dos fundos em nossa casa?.

De fato, a privacidade nunca esteve tão ameaçada. De acordo com a Kaspersky, a taxa de identificação de ataques virtuais passou de 50 por dia, em 1998, para mais de 380 mil arquivos maliciosos diariamente. Desse total, 99,3% são processados automaticamente por robôs e o restante, repassado para os engenheiros ; muitos deles formados nas melhores universidades do mundo. ;Infelizmente, os criminosos profissionais são muito inteligentes. Eles também se graduaram em boas universidades;, afirma Denise Bilic.

Polêmica

Outra recente tecnologia que tem preocupado os defensores da privacidade das pessoas é a instalação maciça de câmeras de identificação facial em vias públicas. O Brasil já tem 37 em cidades em processo de instalação de tecnologias de reconhecimento facial. Mais da metade (19) foi lançada no período de 2018 a 2019, segundo levantamento feito pelo Instituto Igarapé.

Essas soluções, em geral, são empregadas nas áreas de segurança pública, transporte e controle de fronteiras. O tema é polêmico. Enquanto autoridades vêm o reconhecimento facial como um instrumento sofisticado para políticas públicas de segurança, essas ferramentas também têm sido questionadas em várias partes do mundo. Em cidades dos Estados Unidos, como São Francisco e Oakland, foram proibidas. Para além de governos e organizações da sociedade civil, até mesmo empresas de tecnologia, como a Microsoft, já defenderam a regulação dessa prática.

Louise Marie Hurel, pesquisadora do Instituto Igarapé e especialista no assunto, ressaltou que a opção por essas formas de identificação não é nova. Em 2004, um projeto de lei do então deputado Eduardo Paes, ex-prefeito do Rio de Janeiro, já buscava regulamentar a utilização de biometria facial para autenticar acesso a dados tributários.

No início desta década, cidades começaram a recorrer à tecnologia. Os primeiros projetos foram na área de transporte, de empresas intermunicipais que colocavam o reconhecimento como condição para o acesso a serviços. Esse setor foi responsável por 21 projetos mapeados pelo estudo. Nos últimos anos, ganhou força em aplicações na segurança pública, como o acesso a locais e monitoramento por meio de câmeras. Outras 13 iniciativas identificadas no documento do Instituto Igarapé têm essas finalidades.

Empresas privadas também implementaram a tecnologia. A concessionária de uma das linhas do metrô de São Paulo instalou câmeras para analisar os sentimentos dos passageiros por meio de suas expressões faciais e subsidiar os anúncios nos vagões. A Hering, indústria especializada em vestuário, colocou sistemas semelhantes em uma loja da capital paulista com o intuito de examinar as atitudes dos consumidores, interesses e práticas como elementos a serem considerados em estratégias de marketing.

Identificação facial

O uso dessas tecnologias para estratégias de marketing, porém, esbarra em limites legais. De acordo com a advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Bárbara Simão, pesquisas realizadas por diferentes institutos, em países como Estados Unidos e Reino Unido, mostraram baixo nível de confiança das pessoas nesse tipo de tecnologia.

Em uma dessas sondagens, apenas 7% concordaram com tecnologias voltadas ao rastreamento de seus comportamentos e direcionamento de publicidade. Ela afirma que a decisão de uma empresa por essa solução deve levar em conta o respeito à transparência e os direitos individuais da pessoa monitorada.

O reconhecimento facial começa com a coleta da imagem de um indivíduo. Um filtro verifica se o elemento em questão é uma face ou não. Em seguida, é realizada uma ;normalização;, na qual as pessoas são classificadas em padrões. No próximo passo, os traços e características do rosto são transformados em ;pontos de referência;, que são analisados.

Esse conjunto de informações é trabalhado como um identificador associado àquela pessoa. Em um serviço de autenticação, por exemplo, a câmera filma ou registra uma imagem e o sistema busca no banco de dados se há alguma face com determinado nível de semelhança. ;O reconhecimento facial é tão perigoso quando mal usado que não vale o risco de ser popularizado;, diz Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). ;Seria a tecnologia dos sonhos de governos autoritários.;

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