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Brasil dos desvairados expressa o caos que antecede as grandes transformações que já tardam

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 29/09/2019 04:14
Insanidade no poder
Se dúvidas favoreciam setores do Ministério Público Federal em sua pinimba com o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto aos excessos do grupo de procuradores da operação Lava-Jato, elas ruíram com a fantástica revelação do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de que, certa vez, foi ao STF armado de uma pistola com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes e depois se suicidar. História de maluco.

Mas não um maluco qualquer. Janot comandou a PGR entre 2013 e 2017, o período em que a Lava-Jato iluminou a corrupção sistêmica entre um grupo de empresários e partidos, sobretudo o PT, e foi o responsável, também, pela paralisia do governo de Michel Temer, ao denunciá-lo ao STF no curso do escândalo devido a uma conversa imprópria do então presidente gravada pelo seu interlocutor, Joesley Baptista, da JBS.

Ao revelar uma trama sórdida depois de estar aposentado e na véspera de lançar um livro em que relata seu período na PGR, Janot expôs não só o seu desatino, pouco importando as circunstâncias do tresloucado ato revelado e das razões para divulgá-lo só agora, mas a demência no alto escalão dos procuradores envolvidos no combate à corrupção.

Conscientemente ou não, ele expôs o risco cravado pela Constituição de se dar poderes absolutos, sem nenhuma instância de controle, a um grupo de burocratas do sistema de Justiça. Uma figura desequilibrada, vaidosa e arrogante, sim. Mas não única nem excepcional, como hoje é sabido. Fato incontroverso é que o Estado brasileiro está gravemente enfermo. Não está tudo bem. Nada do que vem ocorrendo é normal.

Como respondeu o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ao ser indagado sobre a escabrosa revelação, ;o Brasil é um país estranho, cada dia é uma novidade. Hoje descobrimos que o procurador-geral queria matar um ministro do Supremo. Quem é que vai querer investir num país desse?;

Outra forma de encarar este Brasil empacado, a rigor, pela gestão de um setor público descaradamente alheia ao seu papel civilizatório no ordenamento da nação é que estamos em meio ao caos geral que antecede grandes mudanças, como nos ensina a História. Falta o evento narrado no conto de fadas do dinamarquês Hans Christian Andersen ; o menino que grita, ao assistir a um cortejo real: ;O rei está nu!” Na alegoria adaptada ao Brasil estagnado, nossas instituições estão nuas em pelo.

A sociedade como vassala
Ou se discute a relação entre a sociedade e o Estado, representado pelos representantes eleitos, parlamentares e governantes, ou vamos entrar na terceira década perdida, depois da primeira nos anos 1980 e a segunda a atual ; essa, muito mais deprimente que a anterior por se dar no curso de tremendas mutações tecnológicas em todo o mundo não acompanhadas nem de longe pelo Brasil. Regredimos em vez de avançar.

Entre 1981 e 1990, a renda real encolheu 0,5% em média. Entre 2011 e 2018, recuou 0,3%, segundo estudo do banco Goldman Sachs. De 1981 a 2020, o crescimento real do PIB per capita ficará, na média, perto de 0,8%. Sem um salto tecnológico expressivo, a regressão irá em frente.

Essa discussão, para ser objetiva e produzir resultados, não tem que passar pelas representações da tecnocracia, mas pelo Congresso, pelo presidente da República e seus ministros e pelas lideranças sociais, aglutinadas em entidades empresariais, sindicais, acadêmicas etc.

A burocracia, em especial sua elite, é o problema, sobretudo quando tem autonomia legal ou implícita e trata a sociedade como vassala.

Exemplo dos bem-sucedidos
Como se faz a travessia sem traumas nem condescender com a corrupção e ao mesmo não permitir que setores da tecnocracia de controles e de investigação intimidem a política por meio de processos infindáveis e vazamentos visando criar indignação popular e podar o poder do voto?

Faz-se do mesmo modo com que os países mais bem-sucedidos no mundo, o que inclui na liderança o pelotão de emergentes como China, Índia, Coreia do Sul, Malásia, Singapura, e vindo atrás em marcha acelerada até parte da África, como Quênia, Tanzânia, Etiópia, todos investindo na produção de conhecimento e no estado da arte da tecnologia.

Exemplo: em vez de gastar em cabeamento, partir direto para wireless de última geração. Mais: alçar o smartphone ao epicentro das relações financeiras, educativas, legais entre as instituições e a população.

Na Tanzânia, opera-se extensão rural por aplicativo no celular. Em Gana, crédito popular é operado no celular por organismos privados, sem subsídio, e com análise de risco mediante varredura da interação em redes sociais. A confiabilidade, constatada por testes nos EUA, excede a de sistemas como o do cadastro positivo de bancos.

Entre o certo e a loucura
Eventos como a Lava-Jato só serão desnecessários dificultando-se na origem os desvios e transgressões no setor público e não com maiores investimentos em repressão policial e punições exemplares. Se só isso bastasse, a China, onde corrupto é condenado à morte com bala na nuca e a vigilância é extrema, seria o país mais honesto do mundo. Não é.

A mudança virá com inteligência digital no setor público, liberando forças da transformação que ajudem a restaurar a ordem institucional. Esse é o caminho. A alternativa é o pandemônio que nos enlouquece.

Só falta fazer. Faremos?
Duas razões se impõem: a do Estado eficaz, tenha o tamanho que tiver de ter, e a construção econômica que beneficie do piso para o vértice da pirâmide social e não como tem sido historicamente no Brasil. Isso requer a volta imediata do crescimento, não só depois de reformas.

O crescimento econômico é fator de coesão nacional. Com a adoção de meios como a inteligência digital e de cadeias de blocos de dados ou ;blockchain;, despontam oportunidades para a gestão pública em tempo real e cruzamentos de dados que melhorem a focalização do gasto, aumentem a transparência, diminuam a evasão e cerceiem a corrupção. A boa-nova é que tudo isso está disponível. Só falta fazer. Faremos?

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