postado em 13/10/2019 04:14
Para sacudir a poeira
O mais importante evento geopolítico do ano para o Brasil será dias 13 e 14 de novembro em Brasília, reunindo os chefes de governo dos países do Brics, e quase nada se falou sobre ele até agora. Isso diz mais sobre o governo de Jair Bolsonaro que suas tiradas no Twitter.
O acrônimo de Brasil, Rússia, Índia, China e, pouco depois, África do Sul foi cunhado em 2001 pelo inglês Jim O;Neill, então economista-chefe do Goldman Sachs, num ensaio sobre os países que se tornariam, em sua visão, novas potências globais. A ideia tomou forma em 2009, com cúpulas anuais, reuniões ministeriais e até um banco do quinteto, mas o Brasil, em particular, frustrou a visão grandiosa de O;Neill.
Dos cinco, a economia da China do presidente Xi Jinping passou os EUA, a da Índia do primeiro-ministro Narendra Modi vem logo atrás, tendendo a fechar a próxima década como terceira maior do mundo, e o resto é figurante, exceto a Rússia de Vladimir Putin, mas devido ao arsenal militar do país e à sua agressiva política internacional. Já África do Sul só entrou para que houvesse um país africano no bloco.
Os três são a pedra no sapato de Donald Trump, com diferenciais que envenenam as relações: são potências nucleares, desenvolvem programas de conquista espacial, estão na vanguarda tecnológica, em especial a China em inteligência artificial e no que lhe é correlato, e praticam políticas ostensivamente nacionalistas.
O Brasil comia galinha e arrotava faisão nas cúpulas do Brics nos tempos de Lula e Dilma. Temer foi um ator acanhado. E Bolsonaro? Suas falas e atitudes serão dissecadas pelos demais e os olheiros dos EUA.
O aparente descaso com o evento sugere alguma coisa. Mas, depois da decepção com Trump, que preteriu o Brasil ao indicar apoio à entrada de Argentina e Romênia na OCDE, o clube de boa governança dos países ricos ou promissores, os profissionais do Itamaraty talvez possam ter voz, além do ministro Ernesto Araújo e do jovem assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro, Filipe Martins, ambos da linha de Olavo Carvalho, guru da família presidencial, e pró-Trump sem reservas.
O que está em risco é mais que ;guerra cultural;, mas o interesse do país. China é o maior comprador de grãos e minérios do Brasil, grande investidor no natimorto programa de infraestrutura, passando à frente dos EUA, e cobiça a compra de extensas áreas agricultáveis. E então?
Quimera do Estado mínimo
Então, o Brasil se perdeu em algum ponto no fim dos anos 1980 e não se ergueu nunca mais. Pareceu aprumar-se depois da reforma monetária de 1994, mas, em vez de reformar as causas do gasto público ocioso, o governo FHC e os que lhe sucederam atacaram as consequências, falando em gastança, assustando-se com os deficits fiscais e o endividamento.
As políticas econômicas desde 1994 agem como os agentes da Lava-Jato ; criminalizam as sequelas, como a corrupção sistêmica na política, e não oferecem nenhum plano para conter os desvios no começo. Só agora, na economia, por exemplo, se fala em ir às origens constitucionais do desmando fiscal, reformando a política de RH do governo federal. Isso depois de se mudar a previdência, tema politicamente mais sensível.
Se este governo não se inebriar com a ideologia do Estado mínimo que encanta os liberais reacionários no Congresso, em alguns ministérios e nas redes sociais, as reformas deixarão a gestão pública muito mais eficiente, menos onerosa e focada no que lhe é essencial. Se fizer o que nem os EUA fazem, castrando o poder do Estado e pondo em xeque a política parlamentar, o desenvolvimento necessário será uma quimera.
Brasil encolhe no mundo
É preciso tratar sem sofisma o que acontece ao país, com a economia estagnada e governança eleita (presidente e parlamentares) desafiada pelo ;partido; dos tecnocratas. Não somos, e há tudo para sermos, uma nação próspera, justa e desenvolvida.
O PIB da ordem de US$ 1,8 trilhão este ano e provavelmente abaixo de US$ 2 trilhões em 2020 não deixa folga para ambições, mesmo as mais modestas. Poderia ser de US$ 5 trilhões, se tivéssemos, desde 1990, mantido o ritmo de países então mais atrasados, como a Índia e até a China. Sem tais comparativos, não saberemos o que perdemos.
Fatos: de 2001 a 2019, segundo dados do FMI compilados pela GZero, braço de mídia da consultoria de geopolítica Eurasia, a participação do PIB do Brasil em relação ao PIB mundial encolheu 0,67 ponto de percentagem (de 3,13% para 2,46%). Rússia perdeu 0,28 ponto e África do Sul, -0,12. Já a China avançou 11,41 pontos percentuais (de 7,84% em 2001 para 19,24% em 2019). E Índia, +3,80 (de 4,27% para 8,07%).
Volta do cavalo encilhado
Outra vez estamos diante do cavalo encilhado, contrariando todos os prognósticos dos ;cenaristas; brasileiros. Inflação vai ao terceiro ano abaixo da meta do Banco Central e tende a ficar por aí em 2020. O IPCA em 12 meses até outubro, projeta o Itaú, estará perto de 2,5%.
A taxa básica de juro Selic, por isso, também cai, devendo fechar 2019 em torno de 4,50% ao ano, sem voltar a subir. Duas questões se impõem. A primeira é que isso se deve à demanda fraca, o que é mau. A segunda é que há a oportunidade de nunca mais termos inflação de governante irresponsável e juros de agiota. O que será depende do Congresso e do empresariado mais que do governo.
Diagnósticos imprecisos
Ajudaria bastante o crescimento se os governantes e as lideranças do Congresso tivessem diagnósticos mais precisos sobre as causas do PIB frouxo. A falta de indústria competitiva é uma delas. Mas menos pelos altos impostos que pela enorme vantagem comparativa da agropecuária.
Isso explica mais a gravosidade dos manufaturados que a concorrência da China. A agricultura, diz o economista Fernando Montero, faz tudo no Brasil ; produz divisas, alimentos, cria emprego, investe, só não paga imposto (é isenta ao exportar o que produz). Também é prudente não esperar muito do gasto em infraestrutura. O que está previsto até 2022, segundo estudo do Itaú, deve ter impacto no PIB de apenas 0,1%, em 2020, e 0,3%, em 2021 e 2022. Temos de ser muito mais criativos.