Agência Estado
postado em 13/10/2019 14:00
Em meio à maior transformação de sua história - que passa por reaprender a fazer automóveis e a transformar seu produto de um bem de alto valor que fica boa parte do tempo na garagem a um bem de prestação de serviços compartilhados -, a indústria automobilística busca uma receita para manter-se no rol das mais poderosas do mundo.
Dar o salto necessário para a passagem do carro atual, à combustão e poluente, para modelos elétricos e autônomos é a missão na mesa de todos os executivos do setor. O Brasil ainda pode estar distante de projetos locais na área, mas as empresas não querem perder o bonde, sob o risco de ficarem defasadas. No escritório de Carlos Zarlenga, presidente da General Motors América do Sul, a tarefa diária é tentar liderar o processo de metamorfose digital que tornará o automóvel uma espécie de celular gigante que carrega pessoas. Mas a mudança, afirma, não assusta. "Não temos medo do mundo digital."
Líder em vendas de automóveis e comerciais leves no País desde 2016 e fabricante do Onix, o carro mais comprado por brasileiros há 50 meses, a GM se empenha em ser a primeira a introduzir tecnologias em seus veículos e a oferecer "uma jornada digital" ao consumidor na hora da compra. A nova geração do seu líder de vendas, lançada no mês passado, chega com várias inovações tecnológicas, como sistema que estaciona o carro sem ajuda do motorista, e alto índice de digitalização, como Wi-Fi a bordo.
Para as fabricantes de veículos, a revolução digital ocorre simultaneamente no processo produtivo, no veículo, no sistema de vendas e na relação com os consumidores. Para o presidente da GM, "quem ainda não tem uma estratégia bem clara nesse sentido não vai conseguir ter liderança de mercado."
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o sr. vê a transformação digital do setor automotivo e como a GM se insere no processo?
Para mim, a GM está liderando essa transformação. No primeiro semestre do ano, tivemos R$ 2,5 bilhões de vendas geradas no espaço digital. A jornada do consumidor até a compra nasceu no ambiente digital, na interação com mídias sociais, com sites, na forma como ele nos contatou.
Qual é a estratégia do grupo nesse cenário de transformação?
Temos quatro pilares. O primeiro é a interação com o consumidor em todas as frentes. O segundo é o nosso carro. Nossos produtos estão 100% conectados, têm Wi-Fi e OnStar (sistema que dá acesso direto a uma central de serviços). O terceiro ponto é nossa cadeia de suprimentos e a manufatura digital. O processo de automação das fábricas tem evoluído de forma significativa. A quarta parte é como trazemos pessoas para trabalhar na GM, que também tem um foco digital muito importante. Por exemplo, a primeira entrevista é 100% digital.
Como tem sido para o setor automotivo em geral essa passagem da produção convencional para a digital?
É uma transformação total da operação. O importante, pelo menos no caso da GM, é que não sentimos uma transformação acontecendo e que temos de participar dela: nós estamos promovendo essa transformação. Estamos na jornada digital há pelo menos quatro anos. Quase 90% das nossas concessionárias têm showrooms digitais. Estamos indo para a segunda geração do ambiente digital das concessionárias, e muitas empresas ainda estão tentando entrar nisso.
Como a GM promove a transformação?
Para nós, o digital não é um tabu, é uma filosofia. O digital tem de ser um meio para nos ajudar a ter relevância onde o consumidor quer comprar. No passado, tínhamos a jornada predefinida de consumo e, de algum jeito, era preciso encaixar o consumidor nela. A partir do momento em que se pode fazer uma customização no relacionamento, a jornada é definida por ele.
Na prática, como isso se dá?
O consumidor pode ir à loja física comprar um carro ou começar no ambiente digital. A magia é que conseguimos ser muito mais assertivos no que ele quer e na oferta. Se ele estiver em uma cidade pequena e procurar o Onix no ambiente digital, automaticamente chegará à concessionária local e vai saber o inventário: opções de cores, configuração, preço e condições de pagamento. Esse processo nos leva a um engajamento maior. A jornada do consumidor é online e isso tem ajudado muito no nosso resultado de vendas e na liderança no mercado.
E no caso da produção?
O processo de produção hoje e o nível de automação, de robotização e de interação das pessoas não têm absolutamente nada a ver com o passado. Cada fábrica aqui está basicamente na fronteira da tecnologia e vai evoluir mais. Por um lado, essa mudança resulta em um produto de maior qualidade, mais barato e mais eficiente. Por outro, traz às vezes crescimento de volume de produção sem crescimento de ocupação de mão de obra. Produtividade é chave.
E na rede de concessionários?
Hoje, 90% da decisão de compra de um carro ocorre no espaço virtual. O número de concessionárias que o cliente visita antes da compra tem caído violentamente. Estudo da consultoria McKinsey mostrou que, em 2010, o consumidor visitava até sete concessionárias antes de decidir a compra. Hoje vai a menos de duas. Vários clientes vão à concessionária já com o veículo comprado. Só vai lá para assinar papéis e pegar o carro, ou seja, para consolidar a última parte da compra, pois toda a negociação foi feita 100% no meio virtual.
Nesse modelo, o papel do concessionário será apenas de entregar o carro e prestar manutenção?
Ao contrário, é ele que vende. Nós não partimos para a digitalização e o concessionário continuou nas trevas. Tomamos o cuidado para que ele seja tão digitalizado quanto nós. Os showrooms digitais da nossa rede utilizam infraestrutura e tecnologia nossa, ou seja, interagem com nossas ferramentas. O concessionário não fez uma estratégia digital e a gente integrou. Ela nasceu aqui e ele adotou.
Como o consumidor identifica o novo carro digital?
A revolução que está por vir é a maior que a indústria já teve. Nosso grande investimento global está em carros autônomos e elétricos. O carro autônomo é quase realidade e vai revolucionar a humanidade em relação aos grandes problemas do nosso século como emissões, acidentes e congestionamentos. É a integração total da conectividade. Outra coisa: dentro de um carro autônomo, o que a pessoa faz? Basicamente consome conteúdo. O carro vai estar cheio de telas, de interações. A mobilidade autônoma vai mudar o mundo de um jeito nunca visto. É o grande desafio da nossa época.
Como se dá esse processo?
Por exemplo, o Onix é um carro de entrada (o mais barato da marca), e já tem nível 1 de autonomia. Ele estaciona sozinho, tem Wi-Fi e, se ocorrer um acidente, o sistema identifica e liga para uma central. O atendente, via sistema OnStar, liga para o motorista, pergunta se ele se machucou e se precisa de um serviço de emergência. Se ele responder que está tudo bem, perfeito. Se não responder o chamado, o atendente pede para enviar ambulância, polícia, bombeiro. O Onix tem nível 4 de conectividade, o mais avançado no setor. É a conectividade que viabiliza toda essa transformação. A atualização do software é feita da mesma forma que um celular: a pessoa recebe uma mensagem e a atualização é feita online. Na concorrência tem de agendar horário e ir à concessionária. Imagina ter de ir à loja de celular para fazer o update.
Há custo extra por esses serviços?
O custo é uma pequena fração do que se paga pelo 4G do telefone. Mas se comparar o Wi-Fi do telefone, o do carro é melhor, porque a antena é maior. Parte de R$ 29,90 por mês por um pacote de 2 gigabits. Temos pacotes de 2 a 10 gigas.
O que vem pela frente em inovação nos automóveis?
No produto haverá mais e mais evolução autônoma. Nos EUA está à venda o Cadillac CT6 com sistema chamado Super Cruise, que é basicamente autônomo em autopista, sem mãos no volante. O carro ainda precisa saber que tem um motorista lá e, por meio de uma câmara, percebe, por exemplo, se ele dormiu - e o acorda. É um sistema nível 3 de autonomia. O nível 5 será 100% autônomo, sem volante e sem pedais e seu lançamento ocorrerá proximamente.
Isso demora a chegar no Brasil?
Carros com o sistema Super Cruise são possíveis aqui, mas precisa de pintura nas faixas, de infraestrutura para interagir com as câmeras do veículo. Mas os níveis 5 podem chegar mais rápido porque são tecnologias mais simples, chamadas de machine learning (aprendizado automático), que se adaptam rapidamente ao ambiente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.