Nelson Cilo
postado em 14/10/2019 06:00
São Paulo ; Desde junho, a advogada Maria Teresa Belandria ocupa a cadeira de embaixadora da Venezuela no Brasil. A professora universitária foi nomeada representante de seu país pelo deputado opositor Juan Guaidó, autoproclamado presidente e líder da Assembleia Nacional venezuelana. Professora de direito internacional na Universidade Central da Venezuela, Maria Teresa estudou no Centro de Estudos Hemisféricos de Defesa, uma think tank (gabinete de pensamento estratégico) do Pentágono, o centro do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Ela também é coordenadora nacional do movimento Vente Venezuela, criado pela líder opositora Maria Corina Machado. No dia 21 deste mês, apresentará uma estratégia de recuperação da economia, chamada de Plano País, que servirá como uma cartilha de investimentos na Venezuela pós-Maduro.Quais são as oportunidades de investimento e quais são os detalhes do plano que está sendo elaborado para recuperar a economia da Venezuela?
O plano foi elaborado não só por economistas. Há gente de economia, mineração, petróleo, turismo, agronegócio, saúde e muitos outros. Fizemos isso porque a Venezuela está toda destruída. O país tem dois desafios principais. O primeiro é como recuperar, por exemplo, a capacidade de produção petrolífera. Atualmente, produz só entre 500 e 700 mil barris por dia. Em 2018, a produção era de mais de 1 milhão de barris. De acordo com estudos mais sérios, para recuperar a produção do ano passado, vamos precisar de cinco anos de investimento. O segundo desafio é recuperar a indústria, que está em ruínas por falta de manutenção e investimento. O Plano País contempla como pode ser a recuperação e quais são as quantidades de dinheiro que o governo vai precisar para recuperar.
E os outros setores?
O plano vale também para a mineração. O governo outorgou a exploração de minérios sem nenhum controle. Agora, o plano prevê como fazer para voltar a produzir e exportar os recursos minerais que a Venezuela possui, como ferro, bauxita, alumínio, ouro, esmeralda, diamantes, cobre e outros minerais. Outro setor que é muito importante para nós, e que representa uma grande oportunidade para o Brasil, é o da área alimentar e agropecuária. O governo de Hugo Chávez, primeiro, e o governo de Nicolás Maduro, depois, destruíram toda a capacidade produtiva do agro. Chávez confiscou as principais terras produtivas e entregou às comunidades e às cooperativas para a produção. O resultado disso: terras devastadas, que não produzem nada. Os animais foram mortos, a produção caiu a zero. Nosso principal interesse aqui no Brasil, apresentado pelo Plano País, vai ser mostrar quais são as oportunidades de investimento.
A senhora poderia dar mais detalhes sobre essas oportunidades?
Como o Brasil é o supermercado de alimentos do mundo, é um importante parceiro da Venezuela. No dia seguinte do novo governo, vamos necessitar de ajuda. Provavelmente, de ajuda de emergência. Não temos comida. Não há no país arroz, feijão, açúcar, café. Na Venezuela não tem nada. Depois, numa segunda fase, esperamos contar com os produtores brasileiros, que são os melhores do mundo. Eles terão de investir na Venezuela para ajudar a recuperar as terras produtivas, com capacidade técnica, sistemas de irrigação etc. Enfim, começar do zero.
Qual o potencial de investimento do agronegócio brasileiro na Venezuela?
Os números vão ser apresentados. Mas na Venezuela está tudo por fazer. Há oportunidade de investir em qualquer coisa que se pode imaginar, desde a recuperação do solo até investimentos em pasto e animais. Será preciso introduzir novamente rebanhos de todo tipo de gado. A Venezuela é, agora, como um país que tenha passado por guerra. Não tem capacidade para semear. Acreditem, não temos sequer gasolina para transportar os alimentos que se produz. Então, os brasileiros que desejarem investir na Venezuela podem escolher qual a área que mais interessa. Os exemplos são gritantes.
O que leva o seu grupo a supor que o governo Maduro vai cair?
O governo Maduro está isolado do mundo internacional e deve cair em breve. As sanções que foram impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia atingem diretamente o coração do regime. Essas sanções buscam quebrar a capacidade do governo de seguir roubando dinheiro público. A indústria petrolífera venezuelana produzia 3,2 milhões de barris por dia em 1999, quando Chávez ganhou a eleição. O barril de petróleo na época custava US$ 9. Em 2013, o barril de petróleo custava US$ 110. Com isso, Chávez recebeu mais de um trilhão de dólares em ingresso petroleiro. Todo esse dinheiro foi roubado. Nem um dólar desse dinheiro foi investido no país. Agora, Maduro não tem capacidade financeira para conseguir um empréstimo no exterior. Ninguém vai emprestar um dólar para Maduro recuperar a economia. A indústria petroleira não está produzindo suficiente petróleo, e tem um embargo real que impede o país de vender petróleo a outros países. Não tem dinheiro, não tem capacidade de manobra internacional, como para sobreviver à crise.
Mas a Venezuela ainda conta com aliados importantes.
Os únicos aliados que Maduro tem agora são Rússia, Turquia e Síria. Mesmo a China, que é um país que tinha muito investimento na Venezuela, não compra petróleo do Maduro há três semanas. Os chineses querem evitar mais conflitos com os Estados Unidos. Maduro tem capacidade de manobra porque possui dinheiro ilícito, dinheiro sujo, dinheiro que vendeu do ouro, mas não tem capacidade política. Ele pode resistir um pouco mais porque tem apoio das Forças Armadas, principalmente dos generais que estão a cargo da exploração da mineração de ouro, do contrabando de armas e do narcotráfico.
Depois que Maduro estiver fora do governo da Venezuela, como convencer empresas e investidores internacionais de que a Venezuela é um lugar seguro?
Uma das coisas importantes no Plano País é essa. Daremos para os homens de negócios, para as empresas que querem fazer investimentos na Venezuela, todas as garantias jurídicas necessárias para isso. Em primeiro lugar, o presidente Guaidó, como presidente interino, sabe que todo o investimento vai ser respeitado. Que os contratos vão ser respeitados e que todas as dívidas que o governo tem vão ser honradas. Esse é o primeiro ponto. Todas as dívidas que os governos Chávez e Maduro fizeram serão honradas. Apenas as dívidas que foram contraídas ilegalmente vão passar por revisão. As companhias que querem ter investimento na Venezuela vão ter todas as garantias jurídicas. Queremos, por exemplo, que a Petrobras reabra seu escritório em Caracas.
Existe alguma estimativa de quanto dinheiro será preciso?
Alguns estudos apontam que só a indústria petroleira vai precisar de uns US$ 35 bilhões. Como comparação, a dívida da República popular da China é de US$ 30 bilhões. Em toda a economia, provavelmente vai ser mais de US$ 1 trilhão, seguramente. Então, a reconstrução da Venezuela vai demandar mais de US$ 1 trilhão em negócios e investimentos.
O presidente Jair Bolsonaro sempre cita a Venezuela para demonstrar como o socialismo pode ser destrutivo para uma economia. A senhora concorda com essa visão?
O governo Bolsonaro tem se mostrado muito sensível ao drama venezuelano e reconheceu o presidente Juan Guaidó, que é um presidente legítimo que foi eleito por assembleia nacional de com acordo a nossa Constituição. O governo brasileiro tem dado todo o apoio, político e diplomático, além de adotar medidas concretas, como o reconhecimento da embaixada legítima que eu lidero. Mas a realidade é que não foi o socialismo que destruiu a Venezuela. Foi uma mescla de nacionalismo com a corrupção e com o narcotráfico, além das medidas autoritárias, que deram controle absoluto ao governo. Na Venezuela, não existe separação de poderes. Chávez acabou com a separação de poderes. Todos os poderes respondiam a ele. O único poder legítimo e independente agora é a Assembleia Nacional.