postado em 17/10/2019 04:16
Maria do Socorro Camelo, 70 anos, é lavradora e moradora de Santa Luzia, bairro ao lado da Cidade Estrutural, a 16 quilômetros da Rodoviária do Plano Piloto. Ela sobrevive, com muita dificuldade, com R$ 600 por mês. Socorro faz parte do grande contingente da população que perdeu renda nos últimos anos, enquanto a estreita fatia mais abastada da sociedade aumentou a concentração de renda, tornando o país, cada vez mais, desigual, conforme dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad).
A agricultora é responsável pelo sustento de oito pessoas. ;Às vezes nós não temos água e nem luz aqui. Ainda bem que, às vezes, recebemos doações de roupa;, conta ela, que veio do Maranhão, onde trabalhava quebrando coco na roça. ;Nunca fui beneficiária do Bolsa Família. Mal dá para sobreviver. Não consigo pagar meus remédios. Sou diabética e tenho problemas de pressão;, disse. Ela reclama da falta de cuidado dos administradores da cidade. ;Tem muita pulga e rato aqui onde a gente mora. Queria que eles olhassem mais para a gente que é pobre. Com fé em Deus, as coisas melhoram;, completou.
Anderson Mota Júnior, 20, estudante de medicina em uma universidade particular reconhece que é privilegiado economicamente. ;Seria muita inocência e falta de honestidade dizer que não;, afirmou. Para ele, o Brasil é um país evidentemente desigual em muitos fatores, como estudo, desenvolvimento social, acesso à saúde e ao lazer. O futuro médico já participou de atendimentos às comunidades carentes gratuitamente. ;Acredito que ações sociais impactam também de forma produtiva, na medida em que atende uma demanda sem cobrar nada de volta;, destacou.
De acordo com os dados do IBGE, o abismo entre Anderson e Maria do Socorro está cada vez maior. O Índice Gini, principal termômetro da desigualdade social, voltou a subir no país, alcançando 0,545, o maior patamar da série histórica do instituto, iniciada em 2012. Esse indicador vinha caindo até 2015, mas voltou a subir após a recessão que fez o Produto Interno Bruto (PIB) encolher 3,5%, naquele ano, e mais 3,3%, no seguinte.
Em 2017, o PIB brasileiro avançou 1,1%, mesma taxa de 2018, ou seja, andou de lado, e deve crescer menos neste ano (0,9% pelas novas estimativas do Fundo Monetário Internacional). Nesse período, o rendimento médio de 30% da população que ganha até R$ 951 ; menos do que um salário mínimo, de R$ 998 ;, como é o caso da moradora da Estrutural, teve queda no rendimento médio mensal (veja quadro ao lado). Já a população mais rica, com ganho médio de R$ 27,7 mil ao mês, registrou aumento de 8,4%, sinal de aumento da concentração de renda. Na média nacional, o rendimento mensal de todos os trabalhos cresceu 2,3%, em termos reais.
;O dado do IBGE tem um lado positivo, mostra que a renda média cresceu, mas tem o lado ruim, que é o aumento da desigualdade entre 2014 e 2018, confirmando as prévias anteriores;, avaliou o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, da Fundação Getulio Vargas. ;O problema é que a recessão veio acompanhada do aumento da desigualdade. Desde 2014, a renda média dos mais ricos cresceu 9,4% enquanto os 5% mais pobres perderam o poder aquisitivo em 39,3%. É um crescimento chinês negativo de pobres;, lamentou Neri.
O sociólogo Pedro Ferreira de Souza, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), demonstrou preocupação com a tendência de aumento da desigualdade, devido ao baixo crescimento da economia. ;Isso é muito preocupante. A renda está crescendo muito pouco e a economia dá sinais de estagnação. Essa piora na desigualdade não é explosiva, mas considerando que a atividade econômica está muito devagar, esses dados me chamaram a atenção;, avaliou. Para ele, a concentração de renda pode ser maior do que a apontada pelos dados do IBGE, porque a média da Pnad costuma ser 40% menor do que o rendimento real desse 1% da população mais rica.
- O que é
É um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Indica a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um, sendo o zero situação de igualdade (todos com a mesma renda) e um, o extremo oposto, em que uma única pessoa detém toda a riqueza. Na prática, o índice costuma comparar os 20% mais pobres com os 20% mais ricos.