Economia

Renato Meirelles defende a liberdade para definir futuro econômico

Presidente do Instituto Locomotiva: ''Cada vez mais as pessoas estão empreendendo para driblar o desemprego ou complementar renda''

Nelson Cilo
postado em 18/10/2019 06:00

[FOTO1]São Paulo ; O executivo Renato Meirelles, presidente do Instituto de Pesquisa Locomotiva, se tornou um dos mais relevantes especialistas em mercado de consumo no país. Ele foi fundador e presidente do Data Favela e do Data Popular, em que conduziu diversos estudos sobre o comportamento do consumidor emergente brasileiro, atendendo às maiores empresas do Brasil. Em 2012, Meirelles fez parte da comissão que estudou a nova classe média brasileira, na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Considerado um dos maiores nomes em consumo e opinião pública do país, foi colaborador do livro Varejo para baixa renda, publicado pela Fundação Getulio Vargas, e autor dos livros Guia para enfrentar situações novas sem medo e Um país chamado favela. Em entrevista aos Diários Associados, ele analisa o panorama econômico do Brasil e critica a polarização política. Confira:


Qual a sua avaliação do atual ambiente econômico do Brasil?

Acho que 2019 vai terminar com o mesmo nível de expectativa que começou. A gente tem muitas promessas de melhora na economia, mas ainda faltam resultados concretos. A maioria da população ainda não está plenamente otimista com relação ao futuro. Isso acaba impactando no potencial de consumo das pessoas. As pessoas só tomam crédito, só arriscam mais, como investir no próprio negócio, em um ambiente de otimismo.

O que falta para o otimismo ganhar força?
O ambiente político tenso, que só atrapalha. Não temos hoje um Brasil unido. E essa manutenção de um clima de guerra na discussão dos grandes temas no Brasil tem impacto direto no ambiente econômico.

Esse ambiente deve mudar em 2020? Alguns indicadores econômicos, como o índice de desemprego, apontam para uma melhora...
Há um processo de maior geração de vagas, uma reação natural para um período de início de retomada da economia. O indicador de desemprego naturalmente cai, o que é um bom sinal, mas não resolve sozinho o ambiente.

Existe um delay entre o início dessa geração de vagas e o efeito prático na economia como um todo?
Não tenho dúvida nenhuma. O efeito da queda do desemprego é prático no humor das pessoas. O lado bom é que, depois de mais uma frustração da população brasileira, as pessoas começam a chamar cada vez mais para si a responsabilidade sobre o seu futuro econômico. Querem ter liberdade para definir seu futuro econômico. A gente tem um número cada vez maior de pessoas que estão empreendendo. Seja porque não têm emprego, seja para complementar renda, as pessoas não estão esperando qualquer solução externa, uma solução do governo.

Esse sentimento de menor dependência das pessoas em relação ao governo, diante de um governo menor, mais enxuto, tende a ser positivo no médio e longo prazo?
A maioria das pessoas não sabe o que significa um governo enxuto. Uma grande parcela da população, em especial as classes C, D e E, não entende isso. A maioria dos brasileiros não segue a lógica da macroeconomia.

Mas não foi essa maioria que elegeu o presidente Bolsonaro com o discurso de redução do Estado?
Bolsonaro foi eleito porque ele era o candidato contra o sistema. O discurso de Estado mínimo foi para os eleitores da Faria Lima (Avenida de São Paulo onde se concentram empresas do setor financeiro). Não foi para o grosso dos eleitores brasileiros das classes C, D e E.

A maioria da população tem apoiado alguns temas até então pouco aceitos, como a reforma da Previdência e a privatização de estatais. Por que houve essa mudança?
Acho que esses temas estão longe de ser uma bandeira da população, não é o vemos nas nossas pesquisas. Inclusive, acredito que, mesmo no processo eleitoral, a promessa do Bolsonaro de dar 13; na Bolsa Família foi mais eficiente para conseguir votos do que a promessa de ter um Estado mais enxuto.

O Brasil vive uma forte polarização política. Isso atrapalha o ambiente econômico?
A polarização política beneficia a esquerda e a direita, mas não é boa para o Brasil. Ou seja, esse cenário de polarização atende bem o PT e atende bem o Bolsonaro. Os dois consideram que o outro é o inimigo ideal a ser combatido. Nãoà toa que ambos fazem ataque aos políticos, aos partidos que estão num aspecto mais ao centro desse processo. Acho isso ruim para o Brasil. Isso mantém o Brasil fragmentado, mantém a população com uma crise de perspectivas, que, de forma alguma, afeta a retomada do crescimento nacional.

Como especialista em mercado de consumo, como você está vendo a possível retomada do consumo das famílias a partir de 2020, com a melhora do cenário econômico e a redução dos juros?
O primeiro indicador que tem que ser acompanhado é a disposição da população ao crédito. Hoje, a maior questão do Brasil não é oferta de crédito, mas é a demanda por créditos. A população ainda está receosa em fazer investimentos a longo prazo. A outra questão, essa é uma notícia positiva, é que a demanda reprimida é muito grande, uma demanda reprimida acumulada em quatro ou cinco anos de crise. Teremos, na população de menor renda, o 13; do Bolsa Família, que vai colocar um pouco mais de R$ 2 bilhões na economia direta da periferia. Temos o resgate do FGTS, que pode chegar a um pouco mais de R$ 20 bilhões, e isso vai para pagar contas e também alimentar o giro econômico. São aspectos que apontam para um cenário mais positivo no início do ano. Agora, com relação ao humor efetivo das pessoas, elas querem que os líderes comecem, de fato, a discutir um plano futuro para a retomada, seja da economia, seja de um país minimamente pacificado. O que a gente tem visto em todas as nossas pesquisas é o esgarçamento do humor da população brasileira com essa briga constante, que não acabou após o processo eleitoral.

A retomada tem sido lenta, mas algumas empresas estão batendo recordes de crescimento. O que justifica isso?
As estratégias próprias das empresas que desenvolveram um plano de ação independente do cenário político. Tem muito mais a ver com a competência das empresas em repactuar sua relação com seus clientes do que de uma melhora expressiva do ambiente. Se fosse a melhora geral do ambiente, todos estariam crescendo, e não é isso que a gente tem visto nos balanços.

Qual a sua projeção de crescimento para 2019 e 2020?

É mais ou menos o que as consultorias já estão falando, na faixa de consumo das famílias em torno de 1,5% e 2%. Mas isso muda toda hora, muda com o ambiente econômico, muda com o externo, que impacta no Brasil. Isso muda de acordo com o ambiente político dentro do Brasil. O que a gente continua vendo é o movimento que ocorreu também no início deste ano, que são os empresários, na média, mais otimistas do que o consumidor.

Qual vai ser o principal fator de destrave da economia?
Acho que a gente tem que ficar muito atento a alguns públicos, que formam o que nós chamamos no Instituto Locomotiva, do clube do trilhão, que são os mercados que devem faturar mais do que R$ 1 trilhão de consumo no próximo ano. Os destaques são o mercado do interior do país, o mercado feminino, que deve faturar R$ 1,9 trilhão, o mercado dos negros, que vai faturar R$ 1,9 trilhão, os gray powers, que são os brasileiros com mais de 50 anos, que hoje são maiores do que a classe C, que devem ser uns 59 milhões de consumidores. Eles devem movimentar R$ 2,1 trilhões em 2020. E eu estaria mais atento a um outro movimento que vai impactar fortemente o consumo e o varejo, que é o crescimento das fintechs, que são os aplicativos de serviços financeiros, mas em especial o crescimento das fintechs ligadas ao varejo de um lado e aos adquirentes de cartão de outro. Isso vai fazer com que o custo do dinheiro caia consideravelmente, o que dá um impacto nos revendedores, e que novas soluções de crédito muito mais amigáveis que as atuais passem a ficar disponível para o consumidor de baixa renda.

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