Economia

Burocracia é obstáculo ao crescimento do Brasil, afirma CEO italiano

Marco Donzelli, CEO global da HLB, com sede em Londres, fala dos desafios de se investir no Brasil

Paula Pacheco
postado em 21/10/2019 06:00
[FOTO1]São Paulo ; A possibilidade de o país seguir com a discussão de novas reformas tem animado investidores brasileiros e estrangeiros. Se os debates avançarem e as mudanças forem aprovadas, o Brasil tem chances reais de voltar a ter relevância nos planos de negócios. Para as consultorias, a reforma da Previdência e a reforma tributária, especialmente, poderão aumentar a demanda e estimular a assinatura de novos contratos. Uma das companhias que segue de olho nas oportunidades que poderão surgir no mercado brasileiro é a HLB, que atua como uma rede global da qual fazem parte organizações independentes, empresas de consultoria e de contabilidade. Com sede em Londres, seu quadro conta com 27.485 profissionais, espalhados por 153 países, entre eles o Brasil.

Na última semana, o italiano Marco Donzelli, CEO global da empresa, esteve no Brasil para acompanhar de perto os negócios. Ele diz estar otimista em relação a decisões que venham a ser tomadas para melhorar o ambiente interno.

Para o executivo, o principal problema do país para quem quer fazer negócios é a burocracia, que acaba por comprometer a eficiência de qualquer tipo de empreendimento. Gera desperdício de recursos, tanto de tempo quanto de dinheiro, além de provocar incertezas.

Com a perspectiva de encurtamento da distância entre as demandas do dia a dia empresarial e o poder público, Donzelli acredita que essa realidade poderá passar por mudanças. Por isso, a companhia vem aumentando as apostas por aqui. Em março, a HLB Global anunciou a adesão de uma firma nacional do segmento de assessoria de transações. O negócio, fundado em 2015, por Paulo Crepaldi, Luiz Felipe Fleury e Eduardo Vaz, tem em seu histórico cerca de 50 processos de fusão e aquisição, por meio da assessoria a fundos de investimentos e clientes de diferentes setores. Confira a entrevista a seguir:

A HLB trabalha com escritórios associados, espalhados pelo mundo. Esse modelo não torna o negócio ainda mais desafiador?
Apesar de nosso modelo de negócios ser por meio de alianças entre firmas independentes, não quer dizer que não haja integração entre os associados e a companhia. Trabalhamos em rede e com áreas de apoio. Recentemente, passamos a adotar uma ferramenta que permite integração ainda maior dos nossos associados. O objetivo tem de ser o mesmo. Por isso, mantemos uma rede de firmas integradas. Claro que há situações locais que devem ser consideradas, por isso há espaço para adaptações ao mercado local. Mas o que propomos aos clientes têm como ponto de partida a capacitação e a gestão de qualidade.

Mas não existem riscos quanto a normas de compliance, já que são consultorias associadas?
Todas as associadas têm de ser alinhadas com o programa de controle de qualidade mundial, que inclui muitas áreas e aspectos de compliance. Nossas operações sabem que devem seguir normas de qualidade, além de cumprirem as regulações no nível local para evitar qualquer tipo de conflito. Agora, com a ferramenta que lançamos recentemente, o objetivo é que as empresas associadas diminuam ainda mais o risco de cada cliente em qualquer país, levando consideração às regras dos países onde operam.

O atual momento econômico tem trazido que tipo de desafio para as empresas?
Onde há desafios, há oportunidade. O Brasil é uma das maiores economias do mundo e só tende a crescer. Há problemas conjunturais e econômicos, é fato. O país passou por períodos que não foram fáceis, mas há muito o que ser feito aqui e essa é a principal vantagem na comparação com outras economias já desenvolvidas. Existem necessidades nos setores de serviços, industrial, além da própria capacitação.

As oportunidades estão apenas no mercado interno ou o país deve buscar outras possibilidades?
Não, também há muitas possibilidades para Brasil na American Latina. Esse é um mercado que faz sentido para as empresas brasileiras pela sua proximidade, semelhança de cultura e até de idioma. Além disso, é uma região onde há muito menos concorrência do que as companhias podem encontrar em outros países, como os Estados Unidos. Nesse processo de retomada e de busca de oportunidades, imagino que o Brasil possa ter como inspiração o que foi feito no Vietnã e na sua relação com a Ásia. O país cresceu muito nos últimos anos e acredito que aquele seja um modelo que pode ser replicado aqui.

O que atrapalha a atração de investimentos?
A burocracia é o que há de pior, é um obstáculo ao crescimento do Brasil. Ela atrapalha o ambiente de negócios e dificulta a vida das empresas. Ainda assim, as companhias seguem investindo no Brasil, apesar de terem de lidar com essa inconstância.
O atual governo vem apostando em um grande pacote de privatizações de ativos federais.

Essas privatizações têm potencial para chamar a atenção de investidores?
No geral, os processos de privatização costumam ser controversos em alguns aspectos, como o político e o social. Mas é inegável que há muitas oportunidades. O importante é que se leve em consideração sempre que esses processos exigem transparências para que se afaste o risco de corrupção.

A polarização política pode influenciar o humor dos investidores?
A polarização na política não é um problema apenas no Brasil, é geral. Vemos isso ocorrendo nos Estados Unidos, na Itália, no Reino Unido. Acredito que é algo que faz parte da democracia, porque demonstra que há opções. No meio desse processo, é fundamental que se compreenda e se respeite a força do sistema democrático. Essa força não está em não deixar ninguém governar.

Qual é a opinião dos investidores estrangeiros sobre o Brasil?
A percepção, além da burocracia exagerada no ambiente de negócios, é que há outros pontos que poderiam ser resolvidos. Os investidores dizem que há corrupção, que não há profissionalismo. Mas não é o que vejo pessoalmente. Por outro lado, eles acreditam que há, no Brasil, uma oportunidade única, pela posição do país como motor da América Latina.

A redução da taxa básica de juros, a Selic, pode diminuir o interesse dos investidores?
Esse não é um inibidor de investimentos. O Japão, por exemplo, passou por muitos anos com uma política de taxa zero, mas isso não afetou os investimentos. O que pode ocorrer é justamente o inverso. Com taxa de juros mais baixa, se toma mais recursos e se investe mais. Juros menores podem até ser um obstáculo em alguns casos, mas não é o principal. Há outros fatores que podem inibir os investimentos, como a falta de qualificação de pessoal e o regime fiscal.

Que tipo de mudança na economia é necessário fazer hoje para que seja gerado algum impacto significativo no ambiente de negócios?
No geral, as reformas fiscais simplificam o processo e trazem benefícios financeiros e de tempo para as empresas. Para mim, as cidades devem ter mais importância nessas discussões, porque elas precisam ter liberdade fiscal para atrair investimentos específicos. O Brasil é um país muito grande, não deve adotar uma política fiscal centralizada.

O senhor tem uma série de experiências como voluntário em atividades sociais. Que tipo de impacto isso tem na sua vida
como executivo?
É algo realmente muito importante. É o tipo de ação que a HLB procura ter junto às comunidades onde atua. Por meio do voluntariado, é possível aumentar o envolvimento dos funcionários da empresa com a sua comunidade. Também é uma forma de semear boas ações pelo mundo.

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