Economia

Para não ferir editais de concursos, Caixa recua da jornada de oito horas

Caixa decide não aumentar a jornada, conforme medida do governo. Justificou que não poderia ferir as regras dos concursos que seus funcionários prestaram. Alteração só vale para os futuros quadros

Vera Batista
postado em 15/11/2019 06:00

[FOTO1]A direção da Caixa Econômica Federal recuou da iniciativa de ampliar a jornada de trabalho de seis para oito horas (com exceção dos caixas), para se adequar às determinações da Medida Provisória (MP) 905, conforme o Correio adiantou, na edição desta quinta-feira (14/11). A justificativa foi de que não poderia ferir as regras dos editais dos concursos que seus servidores prestaram, apesar do que constava de uma circular interna ; que em certo trecho dizia que ;diante da alteração legal, a Caixa, empresa pública federal, seguindo os princípios inerentes à administração pública, em especial da legalidade e da eficiência, informa que as medidas para implementação da jornada legal já estão em curso.;

Só que a dúvida entre os servidores dos poderes Executivo e Judiciário, que só trabalham seis horas por dia, permaneceu. Segundo especialistas, as novas regras só têm condições de valer para futuros concursados. Caso o governo federal decida aplicar as imposições da MP, editada terça-feira e que flexibiliza os contratos de trabalho, ao pessoal atualmente na ativa, vai ter problemas. Afinal, a expansão dos gastos é imediata ; o que se choca com as metas de ajuste fiscal da equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro.

;Não é possível aumentar a carga horária sem aumentar o salário proporcionalmente. Caso contrário, a medida é inconstitucional e fere o princípio da irredutibilidade de vencimentos;, garante Mônica Sapucaia Machado, especialista em direito político e econômico e professora da Escola de Direito do Brasil.

A Caixa ou qualquer outra empresa estatal que tenha a intenção de alterar o expediente, teria que consultar primeiro os trabalhadores, e obter o consentimento de cada um. ;Os contratos de trabalho da CEF são originários dos editais de processo seletivo público. Se nesses editais não estiver previsto aumento de carga horária, com aumento de vencimentos, será necessária a negociação com o empregado e aceitação da nova jornada.;

Por meio de nota, o Ministério da Economia informou que não há qualquer dispositivo na MP 905 que afete o serviço público. ;De acordo com a Lei n; 8.112, a jornada de trabalho dos servidores deve respeitar a duração máxima de 40 horas semanais, com a exceção das demais jornadas estabelecidas em leis especiais, como para alguns cargos da área de saúde, por exemplo.;

O ministério lembrou ainda que a Instrução Normativa n; 2, de setembro de 2018, ;estabelece que o servidor público da administração pública federal direta, autárquica e fundacional pode requerer a redução da jornada de trabalho;. Também por meio de nota, a Caixa adiantou que ;os reflexos da MP 905/2019 estão em avaliação.;

Somente para os novos

A constitucionalista Vera Chemim, especialista em direito público administrativo, explica que, apesar dos objetivos de modernização da MP 905, alguns pontos podem ser contestados ; entre eles, o respeito ao direito adquirido.

;Assim, tal regra, se aprovada, só valerá para trabalhadores ou servidores admitidos a partir da data da vigência. Há que se respeitar, respectivamente, o contrato de trabalho e as normas que vigiam à época da admissão por concurso público;, enfatiza.

Vera alerta que, mesmo que apenas os futuros servidores sejam admitidos no novo modelo, a forma de contratação não pode ferir o direito fundamental individual. ;Regras diferenciadas para os trabalhadores correm o risco de afrontar o princípio da igualdade.;

Bancários e servidores se mobilizam

O Senado colocou à disposição consulta pública sobre a MP 905 para saber se a população apoia as modificações propostas no texto, que aprofundam a Reforma Trabalhista. Mas, até às 18h55 desta quinta-feira (14/11), o ;não; estava à frente, com 39.352 votos, contra 936 votos pelo ;sim;. Por causa do impacto junto aos bancários, o Comando Nacional dos Bancários se reuniu com a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) para avaliar o conteúdo da medida e traçar estratégias.

;O Comando Nacional conseguiu segurar a implantação da MP 905/2019 até que seja concluída a negociação com a representação da categoria. A próxima reunião será no dia 26;, informam os bancários. Juvândia Moreira, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf) crê que, pelo texto da MP, ;não resta dúvida de que alguns artigos foram incluídos a pedido dos bancos;.

;Fomos negativamente surpreendidos pela publicação desta MP, que é, na verdade, um aprofundamento da Reforma Trabalhista.;

Os servidores acompanham de perto as discussões. Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), lembra que o serviço público não está preparado para aumento de jornada. ;Algumas estatais, como é o caso do Banco do Brasil, já fizeram adequação do pessoal de oito para seis horas, com indenizações inclusive, para evitar ações judiciais.;

Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público (Condsef), concorda que a ;medida foi açodada, sem consulta aos maiores interessados e deve causar uma enxurrada de ações judiciais.;

As categorias também devem atentar para questões técnicas, tal como haver na 905 algum dispositivo que já esteja em outra MP. Isso porque a Constituição proíbe reedições na mesma sessão legislativa. Ou seja, aquilo que já foi baixado e rejeitado pelo Congresso, não pode voltar embutido em outra medida, no mesmo ano.

Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público (Condsef) concorda que a ;medida foi açodada, sem consulta aos maiores interessados e deve causar uma enxurrada de ações judiciais;.

O funcionalismo está se organizando. Na próxima segunda-feira, a Condsef se reúne em São Paulo com as centrais sindicais. Na terça, a Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público vai traçar, em Brasília, estratégias de convencimento de deputados e senadores. No dia 23, haverá plenária, no Sindicato dos Bancários, com servidores das três esferas (estadual, municipal e federal).

Bárbara Anacleto, do núcleo trabalhista do Nelson Wilians e Advogados Associados, detalha que os funcionários da Caixa estão sujeito às normas da Consolidação das Leis Trabalhistas. Como a MP 905 prevê a alteração da jornada do bancário, põe fim ao expediente de seis horas e determina o trabalho aos sábados e domingos, os futuros servidores não poderão contestar as regras, que deverão estar detalhadas nos editais dos concursos daqui para frente.

;Com a MP em vigência, que tem eficácia imediata, é possível a alteração da jornada dos bancários. E é preciso considerar os benefícios dos maiores períodos diários e aos sábados.;

Quem tiver interesse em participar da consulta aberta pelo Senado ; cuja pergunta é ;Você apóia essa proposição?; - basta acessar o site.

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