Economia

Interesses conflitantes

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 16/11/2019 04:28
O encontro do Brisc reforçou a ideia de que o alinhamento do Brasil com os Estados Unidos é um obstáculo para o fortalecimento político do bloco, no entendimento de Fabiano Mielniczuk, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). ;As discussões sobre Israel e Palestina e sobre a revisão do status de tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento na OMC ilustram esse problema. Nesse sentido, o Brasil passa a ser uma voz destoante frente aos objetivos do agrupamento, e sai majoritariamente enfraquecido.;

Mielniczuk também não acredita que os acenos de livre-comércio com a China possam se concretizar. ;É pouco provável. Parece mais uma cartada da equipe econômica para atenuar o receio do agronegócio brasileiro, apoiador do governo, ante os primeiros sinais de que a China poderá reduzir suas compras do Brasil, motivada por questões políticas;, avalia. Com os acordos de respeito à soberania nacional, com a Rússia pedindo respeito à Síria, a China, às Coreias, mas nenhuma palavra sobre Venezuela, mostra que ;a retórica inflamada do governo brasileiro contra os vizinhos de esquerda não tem a mínima relevância para os países do Brics;, de acordo com o professor. ;A omissão no comunicado demonstra que o Brasil teve de ceder, perdendo força no agrupamento;, acrescenta.

Sobre a atuação do NDB no Brasil, Mielniczuk alerta que, por conta de problemas relacionados ao cargo de diretor do Brasil na instituição (após o impeachment de Dilma, houve uma crise envolvendo a remoção do então vice-presidente Paulo Nogueira Batista Jr. como representante do Brasil), o país perdeu protagonismo. ;O impasse que se criou nesta cúpula, sobre a incorporação de novos sócios ao banco, algo previsto desde sua criação, e a decisão de deixar as coisas temporariamente como estão indicam que avanços significativos não ocorreram;, sustenta.

A sinalização de maior cooperação com a China é positiva, conforme André Cunha, professor de Economia e Relações Internacionais da UFRGS. ;A China é a segunda economia do mundo. Produz um quinto do que é físico no planeta. E disputa liderança em algumas áreas da tecnologia, como o 5G, em telecomunicações;, sublinha. O Brasil pode tirar uma boa lição disso, no entender do professor. ;Na média, entre 1996 e 2000, o Brasil investia 1% do PIB (Produto Interno Bruto) em P (Pesquisa e Desenvolvimento), enquanto a China destinava 0,7%. No período 2012-2016, o Brasil ficou em 1,2% e a China passou dos 2%. Por ano, os chineses aportam US$ 168 bilhões em média, e o Brasil, US$ 29 bilhões;, compara. ;O país precisa investir mais, e pode ganhar com acordos de cooperação tecnológica;, diz.

Competitividade
Cunha alerta para as peculiaridades da parceria comercial com a China. ;Os chineses são nosso principal parceiro, mas exportamos produtos básicos. De bens manufaturados, a exportação foi de US$ 1 bilhão no ano passado. Para a Argentina em crise, foram US$ 13 bilhões em bens industriais de valor. Quando o ministro Guedes, anuncia livre-comércio, coloca o setor produtivo em polvorosa. Não só pela baixa competitividade do Brasil frente à China. É que o país consegue ser competitivo só com os vizinhos do Mercosul. E, na prática, não pode reduzir as tarifas externas sozinho, somente por meio do bloco do Cone Sul. Uma medida como essa anunciada por Guedes pode desmontar uma alavanca de exportação;, considera. ;Além disso, é evidente que o Brasil vai ter dificuldades num mundo em que o comércio mundial está estagnado.;

Presidente da Câmara de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc), Maria Tereza Bustamante explica que, pontualmente, só pode haver acordo Mercosul-China, porque o Brasil não pode conduzir uma negociação bilateral. ;Ninguém é contra a abertura comercial, mas isso demanda colocar em cima da mesa produtos e tratamentos tarifários;, defende. Caso se concretize um acordo desses, passando por cima do Mercosul, a especialista ressalta que deve haver diálogo com os setores produtivos, para identificar as contrapartidas. ;Qualquer acordo contempla outras variáveis, não são só tarifas. São regras de origem regulatória, de meio ambiente, de segurança, de desenvolvimento econômico e social e de tratamento para pequenas e microempresas. Isso leva tempo;, acrescenta.

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