postado em 19/11/2019 04:34
Não culpem o médico pela doença
Alvo de algum tratamento no pacote de emendas enviadas recentemente ao Congresso, a inédita crise financeira estadual é um dos mais complicados problemas econômicos que enfrentamos neste momento e se deveu fundamentalmente ao forte crescimento do gasto previdenciário dos regimes próprios desde 2014. Isso vem produzindo altos e fortemente crescentes ;custos anuais da Previdência; (CAP), definidos pela soma das contribuições patronais com os deficits financeiros, por sua vez medidos pela diferença entre o valor dos benefícios e o das contribuições patronal e dos servidores e outras receitas próprias da Previdência.
Assim, mesmo espremendo os gastos com investimentos em infraestrutura ao limite, velha prática de todo o setor público, o salto para ;deficits orçamentários; e atrasados de monta foi um passo. Só que nem o diagnóstico, nem o remédio para curar a doença estão suficientemente claros por aí afora. Existem, por exemplo, itens de alta participação no gasto total dos orçamentos públicos, comandados pelos segmentos politicamente mais fortes do país, que chamo de ;donos do Orçamento;, que, por vários motivos, são extremamente rígidos, e, junto à situação de terra arrasada na infraestrutura, dificultam sobremaneira a convivência com altos custos previdenciários (o espaço limitado me impede de explicar tudo isso em maior detalhe).
Dada a média de 19,6% da Receita Corrente Líquida (RCL) registrada pelos custos previdenciários em 2017, para valores anuais oscilando entre 10,4% no Maranhão e 37,5% no Rio Grande do Sul, sem os ex-territórios, vê-se, de um lado, que o sufoco impresso pelos CAP nos orçamentos estaduais é efetivamente brutal e está à nossa frente, para ninguém duvidar.
A outra face do mesmo drama é que os passivos atuariais (ou dívidas previdenciárias), que resultam da soma dos CAP futuros, descontada a 6% ao ano em 75 anos, se afiguram também, mantidas as regras atuais, significativamente elevados. Com efeito, em média, para resgatar a dívida previdenciária dos estados brasileiros, e em comparação com os mesmos 75 anos utilizados como hipótese de cálculo, seria preciso arcar, em média, com o alto e inviável CAP de 19,6% da RCL em todos e por não menos que 18 anos. E, no caso dos três estados em pior situação do ponto de vista de Previdência, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio Grande do Norte, com os altos CAPs de 37,5%, 31,5% e 29,3% da RCL, por 11, 13 e 18 anos. O que é obviamente muito pesado.
Dessa forma, para não dar calote nos servidores aposentados, a solução do problema previdenciário estadual (e da consequente abertura de espaço nos respectivos orçamentos) é combinar os efeitos de uma dura reforma de regras, tarefa que, após a frustrada PEC Paralela, ficou hoje bem mais difícil de aprovar nas assembleias estaduais, com o aumento de contribuições de servidores e aporte de ativos/recebíveis, de forma a zerar os respectivos passivos, o que ocorrerá tanto mais cedo quanto mais rápido for possível antecipar a entrada dos saldos positivos dos anos em que eles ocorrem para os em que há CAPs relevantes.
Nesses termos, alegar, como se costuma fazer, que os tribunais de contas estaduais (TCE) falharam em não evitar que essa grande confusão acontecesse é, no mínimo, injusto. Não apenas porque não é sua a obrigação formular diagnósticos e indicar soluções corretivas, como porque não há consenso sobre tudo isso. E segundo, porque mesmo que houvesse, não estão ao alcance dos tribunais os instrumentos corretivos adequados.
Uns alegam, por exemplo, que os tribunais não têm sido capazes de assegurar que as razões entre o gasto de pessoal e a RCL respeitem o limite de 60% previsto na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Como deveriam eles se apoiar em medidas de ajuste emergenciais do pessoal ativo como as previstas, quando é o peso da Previdência no gasto de pessoal que é cada vez maior? Ou seja, essa questão tem de ser encarada prioritariamente como um problema de ajuste previdenciário e não da máquina pública. (Sem falar que o segmento politicamente mais poderoso do país é exatamente quem se quer atingir sob foco corretivo errado).
Como não levar em conta que tivemos (e ainda estamos sofrendo os efeitos) a pior recessão que desabou sobre o país desde que existem estatísticas de crescimento do PIB, com efeitos devastadores sobre o denominador do indicador previsto na lei? Fico pasmo de assistir a analistas conhecidos jogando as baterias prioritariamente sobre a parcela ativa da folha, que requer obviamente consertos, mas que ultimamente tem até caído em termos reais. Compare-se isso com a explosão da parte relativa a inativos e pensionistas sob esse mesmo item.
Os TCE têm um programa que produz diversos indicadores de velocidade de julgamento, de governança e dos efeitos da sua atuação. Os números são eloquentes: R$ 16 bilhões em débitos e multas aplicados só em 2018, além de milhares de auditorias e inspeções que, se não geram débitos e multas, geram ações preventivas e impedem licitações que restringem a competitividade ou que envolvem fraudes.