Agência Estado
postado em 26/11/2019 12:01
O Banco Central aposta na tecnologia para fazer com que o custo de crédito caia para o cliente. Em 2020, a instituição quer tirar do papel uma série de propostas, como o novo pagamento instantâneo. Apelidado de "zap de pagamentos", vai permitir transferência online para quitação de contas, sem usar dinheiro e cartão. O avanço das fintechs (startups que oferecem inovações de serviços financeiros) e o open banking (troca de informações de dados dos clientes entre as instituições, inclusive fintechs) também vão contribuir para baixar o chamado spread bancário (diferença entre o custo de captação dos bancos e a taxa cobrada dos clientes), segundo o diretor do BC João Manoel Pinho de Mello.
Ele diz que não é possível estipular um prazo para que o custo fique menor para o consumidor, mas que vê pressão competitiva por "todos os lados". Os juros, porém, ainda seguem em nível elevado mesmo com a taxa básica (que baliza as outras operações) no menor nível da história. "Estamos enxergando e vamos enxergar cada vez mais os efeitos sobre as taxas no tomador na ponta e no spread", diz ao jornal O Estado de S. Paulo.
A guerra pelo cliente está mais intensa por qual razão?
Quando se vai resolvendo alguns problemas, outros vão ficando mais evidentes, mesmo que eles já existissem antes. Como estamos com a taxa de juros em níveis históricos, inflação baixa e sistema financeiro sólido, isso traz à tona o objetivo de eficiência. Estamos agindo para aumentar a concorrência para que a população tenha acesso a produtos a um preço melhor. É um conjunto. Vamos atacá-los todos. Não tem um grande vilão.
Mas a população vê os bancos como o maior vilão.
Os bancos prestam um serviço num ambiente historicamente de alto risco, que condicionou um tipo de estrutura no setor bancário. Tentar encontrar um vilão é uma maneira simplista de resolver problemas complicados. Temos, sim, de atacar as causas do problema, a inadimplência, fomentar a entrada de novos participantes, dar chance para todo mundo competir. A fórmula é meio conhecida: competição e segurança. Estamos empurrando essa fórmula já há alguns anos e agora, certamente, é uma agenda central.
Há resistências?
Pode haver resistências? Sempre pode. Nosso papel é fazer com que a tecnologia atinja seu potencial máximo de entregar produtos melhores. Credores terão mais informações sobre os devedores para diminuir o risco de fazer crédito e equalizar a informação dos clientes para fomentar a competição.
A pressão sobre os grandes bancos funciona?
Quem perde cliente tem de reagir melhorando seu produto ou baixando o preço. É fato que os bancos já estão sentindo. Esperamos que ocorra cada vez mais. Acreditamos que a entrada das fintechs, que hoje representam uma fração pequena, vai ampliar a gama de produtos disponíveis a preços bons, de modo que todo mundo sinta a pressão competitiva.
Quando vai resultar em juros mais baixos para o consumidor?
Vai acontecer ao longo do tempo. É difícil dar um prazo. Mas já estamos vendo pressão competitiva de todos os lados. Não é à toa que alguns (bancos) tradicionais estão sentindo incômodo. Vai aumentar o tamanho do bolo, vai dar mais negócio para todo mundo.
Como avançar na redução do custo do crédito?
Dá para melhorar em várias dimensões. Boa parte do spread é inadimplência. É arriscado emprestar porque em muitas linhas há muita chance de haver inadimplência. É difícil e custoso executar a garantia. Isso é custo de prover o serviço de crédito. É claro que ele acaba indo para preços. Boa parte da agenda do BC é voltada para dar segurança às garantias. A água não chega à nossa casa limpa. Tem todo um encanamento por trás e estamos trabalhando para desentupi-lo e criar mais tubos para que chegue mais rápido.
Como explicar que o spread não caiu na mesma velocidade da queda da taxa básica?
Se olharmos desde o começo do ciclo de queda da Selic, do segundo semestre de 2016 para cá, produto a produto, veremos, sim, uma queda relevante dos spreads em quase todas as modalidades.
Mas e os produtos mais problemáticos como cheque especial?
Essa impressão que o spread não cai é porque tem alguns produtos, especialmente os emergenciais, como o cheque especial, com spread muito alto. Precisamos entender um pouco esses produtos e ver o que dá para fazer para melhorar o preço. Como o contato da maioria das pessoas é com eles, se tem essa impressão. Mas está acontecendo a queda do spread. Ela está no ritmo que a gente gostaria? Eu diria que dá para melhorar.
De que forma?
Melhorando as garantias, fazendo intervenções como o open banking, que melhora a informação sobre o devedor e equaliza a informação do devedor entre os credores. Temos dois efeitos benéficos: cai o risco de prover o crédito e ajuda o banco, a fintech, que não é o seu banco, a saber sobre você de modo que consegue competir pelo negócio com o seu banco.
Que podemos esperar das mudanças no cheque especial?
Algo na linha do redesenho do cartão de crédito. Estamos estudando o produto. Precisamos tomar decisões com base em evidências e analisando o impacto regulatório. Estamos nesse processo agora. O cheque especial tem uma ineficiência grande. Muitas pessoas têm limite muito alto e não usam e esse limite consome capital do banco. É um custo do banco. Dá para redesenhar. Estamos olhando as opções.
Além das mudanças no cheque especial, o que tem mais na agenda?
Temos o open banking: uma fintech que entrar vai saber sobre mim tanto quanto o meu banco sabe. Precisamos aumentar a quantidade de informação disponível porque faz cair o risco de conceder o crédito e aumenta a competição. A Lei Geral de Proteção de Dados estabeleceu que o dado é de propriedade do indivíduo, e não do seu banco. Haverá vários aplicativos e entrantes oferecendo produtos com base em consentimento. O outro projeto estruturante que é o "pagamento instantâneo" vai permitir fazer transferências (TEDs) 24 horas por dia, sete dias da semana. A primeira fase do novo produto entra em novembro de 2020.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.