Paula Pacheco
postado em 02/12/2019 06:00
[FOTO1]São Paulo ; A fintech Neon ganhou recentemente reforço de caixa importante para manter a expansão de seus serviços financeiros, como conta digital e cartão de crédito. A rodada de investimento, liderada pelo fundo General Atlantic e Banco Votorantim, vai despejar R$ 400 milhões na operação. O montante possibilitará crescimento mais rápido do número de clientes, hoje de cerca de 2 milhões. O plano da fintech para 2020 é garantir, com a contratação de profissionais especializados, a estrutura tecnológica que permita aumentar em três vezes a base de usuários. Na primeira rodada, no ano passado, o aporte foi de R$ 72 milhões e teve a participação dos fundos Monashees, Omidyar Network, Propel, Quona e Mabi. ;Nossa carteira de clientes tem triplicado de tamanho ano após ano e deve continuar neste ritmo;, diz Jean Sigrist, sócio e diretor da Neon. A seguir, trechos da entrevista.
A Neon recebeu recentemente uma das maiores rodadas de investimento do ano no Brasil. Como foi o processo de negociação com os investidores?
Esse é um processo praticamente recorrente porque as startups são de capital muito intensivo e, por isso, precisam, o tempo todo, falar com investidores e organizar sua operação para que atinjam o nível esperado de maturidade. Para nós, rodada é jornada, sempre estamos trabalhando nesse processo. Procuramos ser seletivos, com rodadas maiores e investidores que conhecem bem o negócio e que possam estar com a gente por mais tempo. Essa estratégia ajuda a consumir menos tempo. Quando falamos do relacionamento com investidores, isso passa pelo acesso a informações e pela participação na tomada de decisões. No nosso modelo, optamos por menos acionistas, porém, mais relevantes. Gastamos menos tempo nos relacionando com cinco investidores do que se tivéssemos 15 investidores. A vantagem para quem opta por rodadas menores é que, entre uma rodada e outra, a empresa fica mais madura e consegue um valuation (avaliação do seu valor na tradução para o português) melhor. Mas, acho que não vale a pena ficar arbitrando a precificação futura. Com a escala que temos hoje, isso não faz sentido.
Como os recursos deverão ser usados?
Esse montante vai chegar de uma única vez. Vamos usar para ter mais gente, para oferecer mais produtos e mais tecnologia. A tecnologia por si só não quer dizer muita coisa. Mas, os processos fazem toda a diferença na operação.
O momento econômico do país influencia de que forma o ânimo dos investidores?
O processo de se aproximar de um novo investidor e construir uma relação de confiança é constante. Tem uma geração de capital no mundo como nunca houve no passado. Ao mesmo tempo, o mundo está operando na faixa de juros mais baixa da história. Capital é um bicho arredio e está sempre procurando um lugar para ser locado. O setor de tecnologia como um todo tende a atrair muito capital. Quando trazemos essa realidade para o Brasil, vemos o setor bancário extremamente concentrado e o órgão regulador provocando o processo de desconcentração de um dos mais lucrativos mercados bancários do mundo. O capital, um ser curioso e dinâmico, está vendo, não só as oportunidades em tecnologia, isoladamente, mas em conjunto com o setor financeiro. Nessa área, o mercado brasileiro é mais concentrado que os outros, foi mais protegido que os outros, e agora as instituições estão ameaçadas pela quebra dessa realidade.
Que tipo de efeito gera essa concentração?
Durante décadas essa concentração foi importante para o Brasil. Nos últimos 20 anos, não foi preciso fazer nenhuma operação de resgate de bancos e o país passou bem pela crise de 2008. Mas, qual foi o efeito positivo para a população em um mercado onde o investidor do setor bancário não perde dinheiro? Obviamente que isso produz efeito, produz muita comodidade num mercado praticamente cativo. O desafio de encantar o cliente em um mercado cativo, como o de banco, saneamento, telecomunicações, é menor. Essa regra não vale para uma fintech como a Neon. Todos os nossos produtos são desenvolvidos pelo cliente, que dá palpite o tempo todo. Construímos a relação com o cliente de forma contínua.
O que tem mudado com o crescimento das fintechs?
A posição dos bancos é menos confortável com o crescimento de fintechs. Ele se sentem incomodados. Vejo, por exemplo, pela quantidade de TEDs que a Neon recebe. O volume é bem maior do que mandamos para as grandes instituições financeiras. Os bancos têm recursos, executivos e construíram modelos de negócios robustos, mas agora estão tentando reagir. Até que essa mudança chegue a uma melhoria para o cliente, será preciso tempo. A vida toda os bancos colocaram o gerente da agência como o centro de tudo. Agora, estão tentando reinventar o papel da agência.
Você acredita que sempre existirá o papel da agência bancária?
Depende para quê. Em uma operação de conta-corrente, não acredito que as agências continuarão a existir. Mas, em alguns segmentos, ainda podem ter um papel na operação. O fato é que do jeito que vemos hoje não vai ficar. Até porque, as agências eram viáveis em um ambiente de taxa de juros alta, o que ajudava a pagar a operação.
Hoje em dia, o que poderia melhorar no ambiente de negócios para as fintechs em operação no Brasil?
O Banco Central vem conduzindo um processo nas últimas gestões por meio de soluções inteligentes, bem desenhadas e bem-implementadas. É por essa razão que empresas como a nossa existem. Mas, são esperados agora os próximos passos que deverão acontecer naturalmente. Hoje em dia, as instituições financeiras no Brasil precisam ter um controlador pessoa física. Esse modelo não é interessante para empresas como a nossa, que trazem dinheiro de investidores de fora. Neste ano, contratamos 400 pessoas. Qual indústria madura contrata 400 pessoas atualmente? Muitos estão se automatizando e demitindo. Além de tecnologia, trazemos um capital que é importante para o país.
A decisão do governo de colocar um teto para os juros do cheque especial pode ter que tipo de impacto para as fintechs?
É um anúncio recente, por isso ainda estamos debruçados sobre o assunto para entender qual deve ser o efeito. A princípio, não acho que seja negativo, mesmo que haja uma concorrência maior entre os grandes bancos e as fintechs, que já operam, na maioria dos casos, com taxas melhores. Quanto maior a concorrência, melhor para todo mundo. Esperamos que prevaleça nossa proposta de valor, nossa experiência. Queremos ter uma relação de igual para igual, trazer o cliente para dentro de casa. Não estamos nos aproveitando de um momento de assimetria de preço para trazer cliente. Nosso aplicativo tem três anos e meio e os bancos, que oferecem seus aplicativos há pelo menos 10 anos, infelizmente não conseguiram fazer essa aproximação do que os clientes de fato precisam, mas agora eles têm feito um esforço enorme. Para o mercado, é melhor que a concorrência seja pela especialização, não pelo valor das tarifas.
O que explica o crescimento das fintechs?
A concorrência neste momento é maior por uma fadiga entre cliente e banco tradicional. Não conheço ninguém que esteja andando na Avenida Brigadeiro Faria Lima ou no Centro de São Paulo e resolva ser cliente de um banco porque achou a agência bonita. São poucas as pessoas que se atraem pelo modelo tradicional. Hoje, esses bancos se sustentam principalmente pela compra de folha de pagamento. Compram a folha, trazem o cliente e colocam estacas de retenção, como a venda de seguro e outros produtos. O cliente fica amarrado e vai parar em um banco que ele não escolheu. Nas fintechs isso vem funcionando de outra forma. O cliente vai até ela porque algo falou ao coração dele. Quem está aqui é nosso fã, não fica por obrigação. O fato é que o cliente sabe que, por anos e anos, pagou mais caro porque não tinha outra alternativa.
Com o tamanho atual da Neon, quais são os desafios?
Temos um conjunto de desafios. Por isso, o time é treinado para estar cada vez mais preparado para resolvê-los e entender o que o cliente quer e como é possível interagir de forma a tornar essa relação cada vez mais colaborativa. Nesse aspecto, as mudanças são muito dinâmicas e exigem atenção. Precisamos estar sempre atentos à oferta que o cliente quer.