postado em 03/12/2019 11:01
[FOTO1]Embora positiva para a economia, nem todos ganham com a queda da taxa básica de juros (Selic). Um dos perdedores é o mercado de câmbio. ;Vamos ter que passar por um ajuste, parte financiado pelo Banco Central, que está entregando reservas e, como disse o ministro Paulo Guedes (Economia), conviver com o dólar mais caro para fazer o ajuste a que estamos assistindo nos estoques da moeda norte-americana;, afirma Tony Volpon, economista-chefe do banco suíço UBS.Para ele, a menor taxa de juros da história, de 5% ao ano, já está surtindo efeitos na atividade econômica, tanto em termos de impacto na taxa de crescimento quanto no comportamento dos investidores. Por outro lado, em 12 meses, a fuga de capitais somou cerca de US$ 40 bilhões, jogando as cotações da moeda para cima. Nos últimos cinco meses, com a saída mais intensa da moeda americana, as reservas internacionais diminuíram US$ 22,7 bilhões.
Segundo relatório do UBS, se anualizada, a saída de dólares dos últimos três meses somaria US$ 75 bilhões em 12 meses. De acordo com os últimos dados disponíveis do Banco Central, o volume das reservas internacionais somava US$ 370 bilhões antes das intervenções para conter a alta do dólar. No mercado, já se diz que o dólar deve se acomodar entre R$ 4,20 e R$ 430, mesmo com a atuação mais forte da autoridade monetária.
;Mudança de juros gera mudança de comportamento e um aumento temporário na demanda por dólares e, para fazer o ajuste, tem que fazer um estoque;, diz Volpon. ;Se solidificarmos esse patamar de juros, os recursos vão para fins produtivos, e isso é uma enorme mudança;, afirma o economista, que espera por uma reação na taxa de produtividade e de emprego. A Selic deve cair para 4,5% ao ano em dezembro, conforme já avisou o Comitê de Política Econômica (Copom) do BC. Nesse nível, o Brasil deixa de ser atraente aos olhos dos investidores que querem rentabilidade alta sem grandes riscos.
Consumo
Apesar do preço a ser pago, em saída de divisas do país, o economista destacou que o crescimento econômico será estimulado pela queda da taxa de juros. Parte da razão de o real estar fraco, segundo explica, é porque o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) tem ficado aquém do desejado. ;Se o patamar de crescimento de 1% dos últimos dois anos saltar para 2,5%, haverá um impacto positivo sobre o real;, afirmou. ;Se há alguma coisa hoje que pode mudar radicalmente a cara da economia brasileira, é a queda dos juros, e é só o início. Ainda pode haver uma dança circular muito grande;, destaca.
Volpon vai além: ;Estamos convivendo com taxas de juros, que nunca tínhamos visto. A queda da Selic é transformacional e vai mudar tudo porque toda decisão econômica, é intertemporal. A taxa de juros é o que relaciona o presente com o futuro. Se você muda os juros, muda a economia como um todo;, frisa. O atual nível da Selic, contudo, só está sendo possível por causa das baixas taxas de inflação, que têm ficado insistentemente abaixo das metas fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Para o economista, embora ainda baixo, o crescimento de 1% do PIB dos últimos dois anos e a previsão de expansão semelhante em 2019, pode-se garantir que está havendo uma recuperação da atividade. ;O consumo está melhorando, mas o consumidor está carregando a economia nas costas, pois ainda não se vê a retomada dos investimentos produtivos;, frisa. ;A queda de juros também vai ajudar na questão fiscal e na criação de empregos;, acrescenta.
Exterior
Na visão de Volpon, o investidor brasileiro está começando a tirar dinheiro do Brasil para aplicar fora e diversificar seu patrimônio. ;Muito dos investimentos feitos no Brasil decorriam dos juros elevados. Se não tem mais juros altos, o dinheiro sai. O empresário, se podia, emitia dívida lá fora e fazia hedge cambial (espécie de seguro). Hoje, é mais barato emitir debêntures no Brasil. Antes, as empresas brasileiras que emitiram dívida lá fora compravam dólar no Brasil, mas, agora, estão fazendo o contrário. Isso é excelente do ponto de vista de risco do país, mas do ponto de vista da produção de estoque, gera um fluxo negativo no mercado de câmbio;, explica.
De acordo com Volpon, os investidores brasileiros costumavam investir, principalmente, em renda fixa no país, com pouca diversificação. ;Isso tem mudado nos últimos dois anos, e essa é a gasolina que vai movimentar o motor da atividade produtiva;. Para ele, pela primeira vez, a quantidade de dinheiro aplicado em fundos tem superado a quantidade de dinheiro em Certificados de Depósito Bancário (CDBs) no sistema financeiro.
Volpon pondera, porém, que não há uma causa única para a saída dólares do país. ;É um conjunto de causas direcionadas, além de uma questão estrutural. Há coisas pontuais que não têm a ver com o Brasil e outras que têm a ver com o país. Ele cita como acontecimento que afetou o Brasil o rompimento da barragem Córrego do Feijão, em Brumadinho, em fevereiro, a moratória da Argentina e a disputa comercial entre a China e os Estados Unidos. Há ainda um movimento global de saída de capitais de mercados emergentes.