Economia

Programa frustrado

Falta de foco, de vontade política e de uma estratégia clara sobre os modelos e o cronograma que serão adotados na venda de estatais têm deixado analistas e investidores confusos sobre o que o governo pretende nessa seara

postado em 08/12/2019 04:15

Ao completar o 12; mês no cargo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está longe de cumprir a promessa de arrecadar R$ 1 trilhão com privatizações. Analistas ouvidos pelo Correio sabiam que essa meta não tinha chances de ser cumprida e lembram que o ministro subestimou os problemas que envolvem um processo de venda de estatais federais. Apontam ainda a falta um plano claro, com cronogramas e modelos mais bem definidos, e a ausência de vontade política do presidente Jair Bolsonaro e de ministros, principalmente, da ala militar, como as pedras no caminho de Guedes para privatizar ;tudo o que é possível;, como passou a prometer sem falar em novos números.

Desde o início do mandato, Bolsonaro disse que joias da coroa, como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobras, não entrariam no programa de privatizações, jogando um balde de água fria nos planos de Guedes. A divergência de interesses e confusões na comunicação são constantes sobre o que efetivamente será privatizado. A última delas, com o Banco do Brasil, onde um processo estava em curso encabeçado pelo presidente da instituição, Rubem Novaes. Mas, depois de o presidente descartar novamente a venda do banco, o projeto foi para o fim da fila, com Caixa e Petrobras.

Guedes divide a tarefa com os ministérios de Minas e Energia, de Infraestrutura e com a Casa Civil. Isso desvia o foco em torno de um programa único, confundindo investidores que estão receosos sobre o que realmente vai ser colocado à venda e em que condições. ;A comunicação não está coordenada. Não tem um comando, nem modelo pronto, nem cronograma. A privatização está pulverizada e o ministro da Economia não tem legitimidade para anunciar o que deve ser feito;, lamenta a economista e advogada Elena Landau, responsável pelo processo de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso. Ela conta que, na época, tinha total apoio do Conselho Nacional de Desestatização e do presidente da República.

Demora

Devido ao atraso na tramitação da reforma da Previdência, a equipe econômica buscou atuar na venda de participações acionárias, resultando em um programa de privatização menos audacioso.

Levantamento feito pela secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, chefiada por Salim Mattar, a União participa direta ou indiretamente de 632 empresas. Atualmente, existem 204 estatais federais.

Nesse processo alternativo de venda de subsidiárias e de participações, que não precisa passar pelo Congresso, pelas contas da equipe de Mattar, foram arrecadados R$ 100,8 bilhões neste ano. Concessões na área de infraestrutura, que foram resultados da continuidade do Programa de Investimentos e Parcerias (PPI) do governo Michel Temer, somaram R$ 5,7 bilhões, conforme dados do Ministério da Economia. Juntos, esses projetos totalizaram R$ 106,5 bilhões.

Privatizar demanda tempo mas, depois de um ano, um cronograma já deveria estar pronto, na avaliação de Elena Landau. ;O discurso do governo é de que Bolsonaro é o presidente mais privatizante, mas não tem o que mostrar. Desestatização não é privatização;, afirma. Sérgio Lazzarini, professor de Estratégia do Insper, também tem dificuldade em mapear o programa de privatização e aponta erros no discurso do governo. ;A venda de participações de estatais foi o começo mais tranquilo, mas elas também começam a emperrar. Privatização não é um processo simples. E, o governo se equivocou ao vender a privatização como uma solução para os problemas fiscais do país. O ministro Paulo Guedes diz que quer vender tudo e usa o discurso de que todas as estatais são ruins e ineficientes. Isso travou o diálogo. É preciso uma comunicação serena nesse processo;, explica.

Herança

Os avanços apontados neste ano em concessões foram projetos herdados do governo Michel Temer. ;Se eu fosse dar uma nota para a privatização do governo Bolsonaro, ela seria baixinha: 4. Em infraestrutura, onde o esforço para as concessões foi maior, daria 8. Em óleo e gás, a nota seria 2, por conta da falta de estrangeiros nos leilões;, destaca Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B. Segundo ele, a falta de regras claras e medidas para garantir competitividade nos setores têm deixado o investidor estrangeiro com as barbas de molho. ;O leilão do pré-sal fracassou porque o modelo de partilha não era atraente para os investidores estrangeiros, não abrindo o mercado para uma verdadeira concorrência;, afirma.

O professor de Economia do Ibmec-SP Walter Franco reforça que ainda há muitas incertezas no país para que o capital externo se interesse pelas privatizações. Para melhorar esse quadro, ;o desaparelhamento de agências reguladoras visando mais independência, eficiência a fim de garantir a concorrência é fundamental;. ;De forma geral, o programa de desestatização do governo avançou apenas no que foi herança do PPI e do projeto de desinvestimentos de empresas públicas iniciados no governo Temer. Mas essa agenda, daqui para frente, terá um desafio maior, porque os projetos novos não estão maduros;, avalia Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.

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