postado em 09/12/2019 04:34
Uma das energias mais limpas do país está em risco antes de deslanchar. Produção energética que mais cresce no Brasil, com expansão de 150% entre 2018 e 2019, a Geração Distribuída (GD) está no meio de uma polêmica por conta da revisão de uma norma que pode retirar os subsídios do setor. Conectada diretamente à rede de distribuição, a GD avança, sobretudo, por meio da energia solar fotovoltaica. Desde 2012, a Resolução Normativa (REN) n; 482 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) garante o sistema de compensação, quando a energia excedente gerada por um consumidor pode ser injetada na rede e abatida do consumo mensal. A regulação, no entanto, será modificada até junho de 2020 e está em consulta pública até 30 dezembro.
A mudança gerou gritaria por parte da cadeia de energia solar, que hoje é isenta de encargos e de impostos pelo uso do fio ; e passará a pagar. O governo e as concessionárias, responsáveis pela rede de distribuição, dizem que esse custo é repassado para os consumidores que não geram energia. A Aneel e o Ministério da Economia alegam que o setor não precisa mais de subsídio, cujo custo para os brasileiros pode chegar a R$ 54 bilhões em 2030. O setor argumenta que, com a taxação, os investimentos serão inviabilizados, pois o payback (retorno do investimento) ocorrerá em 26 anos, período superior à vida útil dos equipamentos fotovoltaicos.
Para Rebecca Maduro, sócia da área de energia do L.O. Baptista Advogados, a insegurança em relação à regra é o pior dos mundos. ;Tira a previsibilidade do setor;, diz. No entanto, alerta que a REN previa uma revisão até 2019. ;Não foi surpresa para o mercado. A Aneel tem que planejar o setor, respaldar o futuro. E ouviu os grupos de interesse;, ressalta. O lado ruim, argumenta, foi que o órgão regulador voltou atrás. ;Havia um prazo que foi alterado. Hoje não se sabe qual é.;
Ganhos x custos
A audiência pública se encerra no fim do ano e mais de mil contribuições são contabilizadas. A Aneel promete avaliar tudo no primeiro semestre de 2020 e decidir em meados de junho. ;O assunto foi desvirtuado. Um lado presta desserviço para a população com um discurso populista de que haverá taxação do Sol. Do outro, quando se fala na projeção do custo, também não se sabe quais as premissas levadas em conta;, avalia Rebecca.
Segundo Carlos Alberto Calixto Mattar, superintendente de Regulação dos Serviços de Distribuição da Aneel, a proposta é de que os consumidores que produzem energia solar paguem pela utilização da rede de distribuição ;na exata medida do seu uso;. ;Se nada for feito, em 2021, os que geram energia solar vão deixar para os demais uma conta a pagar de R$ 1 bilhão;, afirma. O custo é crescente (Veja quadro).
Rodrigo Sauaia, presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), sustenta que a GD proporciona mais ganhos do que custos. ;Os benefícios são elétricos, econômicos, sociais e ambientais. Todo mundo ganha com a água economizada, com a termelétrica que não é acionada, sem perdas e com alívio nas redes. Evita investimento em novas linhas de transmissão, é energia limpa e sustentável;, enumera.
Sauaia defende que há momento certo para fazer a alteração e para decidir quanto cobrar. ;São mais de 84 milhões de consumidores no país e apenas 63 mil geram ou são atendidos por sistema remoto quando não têm telhado. Estamos estudando mudar a regra com menos de 100 mil produtores no Brasil. Não é o momento;, alega. Segundo ele, a Aneel tinha um compromisso com o setor de que manteria a regra vigente por 25 anos, para os pioneiros que investiram, e, agora, a mudança deve ocorrer em 10 anos. ;Os empresários que investiram fizeram contratos de 25 anos;, explica.
No entender de Tássio Barboza Oliveira, da Associação Baiana de Energia Solar, a Aneel mudou o discurso. ;Estudo feito pela agência, em junho de 2011, aponta que a GD não seria onerosa para ninguém. De repente, surgiu um custo bilionário. Em agosto de 2019, a Aneel dizia que a tarifa baixaria com GD. Em outubro, o discurso foi outro. O que mudou?;, questiona. O especialista destaca que foi lobby das concessionárias. ;A distribuidora está com medo do efeito Uber. Querem tapar o Sol com uma canetada;, critica.
O presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, rechaça a ideia. ;Lobby faz quem está ganhando dinheiro com subsídio, que custou R$ 850 milhões em 2019;, sustenta. Madureira admite que, a longo prazo, a GD pode reduzir a receita da distribuidora, mas, agora, o custo recai para os consumidores, porque vai parar na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE, que inclui a maior parte dos encargos do setor elétrico), rateada entre todos. ;O subsídio era necessário no início, para incentivar uma tecnologia, que, naquela época, tinha equipamentos caros. O custo caiu 75% de lá para cá, com potencial para diminuir mais 30%;, afirma. A Abradee não é contra a GD, acrescenta. ;Mas o sistema não funciona sem a rede. Se precisasse investir nisso, o custo seria sete a 10 vezes maior. Aí, sim, inviabilizaria completamente.;
Potencial
A GD veio para ficar, de uma forma crescente, na participação na matriz elétrica, aponta Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. ;A primeira evidência é a forma acelerada com que se desenvolveu no Brasil, apoiada sobretudo pela geração solar fotovoltaica;, avalia. A perspectiva de longo prazo mostra que, até 2040 ou 2050, a GD possa ter participação maior do que a hídrica no país.
;O foco da polêmica é a revisão da norma, feita para que o setor saísse do zero, com compensação energética, um subsídio dado por todos os consumidores. Foi mérito da Aneel, como também é levar adiante a consulta pública, para analisar se, daqui para frente, o subsídio deve ser mantido;, opina Sales. Ele alerta para o que considera ;uma guerrilha de comunicação com argumentos falaciosos;. ;Dizer que vai taxar o sol é errado. Não é taxa, é subsídio, com custo que pode chegar a R$ 54 bilhões na conta de luz. Está evidente que não faz mais sentido mantê-lo;, destaca.
Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia Elétrica (Abrace), lamenta o fenômeno brasileiro de ;ter energia barata, com conta cara;. Segundo ele, o acontece é que a riqueza é capturada por alguns segmentos. ;Se perde nas reservas de mercado, nos subsídios, nos tributos;, alerta.
O professor da Universidade da Califórnia Rodrigo Ribeiro Antunes Pinto compara o sistema no Brasil com o estado norte-americano. ;Na Califórnia, são 40 milhões de habitantes e geração de 80,3 gigawatts (GW), dos quais 13%, ou 10,7GW, são provenientes da fonte solar. No Brasil, são 210 milhões de habitantes, geração de 157 GW e apenas 0,6% solar;, diz. ;O que a Aneel propõe é usar uma taxação que só ocorre em locais com contribuição muito maior da energia solar. A Califórnia produz 10 vezes mais do que todo o Brasil, tem 60 vezes mais painéis por habitante. Deveria estar desesperada para acabar com isso. Mas o estado subsidia 30% o setor, o direito de troca de energia é de 1 para 1 (da produzida pela consumida) e esses termos são garantidos por 20 anos;, afirma. ;Tem alguma coisa muito errada ocorrendo no Brasil;, conclui.
Debate de
alta voltagem
Em entrevista recente à plataforma colaborativa de inteligência em energia da Comerc, o diretor-geral da Aneel, André Pepitone, sinaliza a possibilidade de flexibilizar a proposta atual da agência sobre a REN 482. Uma possível alteração seria ampliar, de 10 para 25 anos, o tempo de vigência da regra atual para aqueles que já possuírem sistemas de geração distribuída. Outra ideia seria implementar uma transação gradual das mudanças, e não de uma só vez. ;As novas regras podem valer apenas em janeiro de 2021;, afirma.