Economia

Aperto no bolso: dólar alto preocupa o setor do turismo

Permanência da moeda americana em patamares elevados incentiva promoções e força brasileiros a refazer o plano de férias. Preços de passagens aéreas devem subir em breve

Nelson Cilo
postado em 12/12/2019 06:00
[FOTO1]São Paulo ; O ranking das empresas que mais se desvalorizaram na bolsa no último mês foi um prenúncio de que o dólar caro começaria a afetar a indústria brasileira do turismo. A agência de viagens CVC (-21,86%), a companhia aérea Gol (-11,94%) e o programa de fidelidade Smiles (-7,23%) estiveram entre as top 8 das que mais caíram em novembro, sendo que CVC e Gol foram líder e vice-líder, respectivamente.

Os investidores estavam certos. A permanência do dólar em patamares recordes, hoje na casa de R$ 4,11 depois de se aproximar de R$ 4,30 há duas semanas, acendeu o sinal de alerta em hotéis, agências de viagens e companhias aéreas. ;Alguns clientes decidiram reduzir o período da estadia. Em vez de ficar 15 dias na Flórida, estão ficando 10. Aqueles que costumavam ficar 10, estão ficando sete;, afirma o diretor de vendas da agência de viagens CVC, Rogério Mendes. ;Muitos que pretendiam fazer três destinos na Europa estão fazendo só um destino. Com o dólar caro, os brasileiros estão calibrando a viagem de férias, mas sem deixar de viajar.; A CVC decidiu estender a promoção da Black Friday para até o fim do mês, com ofertas para viajar já em janeiro e fevereiro, como forma de alavancar as vendas.

Um levantamento feito pela agência Austin Rating mostrou que, no mês de novembro, o real foi a quarta moeda que mais perdeu valor em relação ao dólar. O estudo analisou 121 moedas no mundo. Com uma desvalorização de 5,2%, o real só perdeu para o dinheiro que circula na Venezuela, na Zâmbia e no Chile ; que teve sua moeda afetada pela onda de protestos contra as políticas econômicas do governo.

Por isso, de acordo com Eduardo Fleury, diretor-geral do buscador de viagens Kayak no Brasil, as turbulências são causadas pela insegurança do turista diante de um cenário instável, especialmente em relação aos rumos da cotação da moeda americana. Sem saber se o dólar chegou a um teto, o turista costuma mudar seus planos de viagem, não apenas porque o valor está alto, mas pelo clima de incerteza. ;Nesse ambiente, o que muda é o perfil da viagem. Os destinos mais próximos e de tempo mais curto, com padrões diferentes de hospedagem e passeios, acabaram sendo priorizados;, afirma o executivo.

Segundo Roberto Nedelciu, presidente da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), o dólar mais alto tem ajudado a impulsionar alguns destinos no Nordeste, que representou 50% das vendas (cerca de 2,8 milhões de pessoas) das viagens nacionais no ano passado. Para ele, em 2019 a região foi prejudicada pelas notícias sobre o óleo nas praias, mas houve aumento para outros destinos nacionais, como Amazônia, Chapadas dos Veadeiros, dos Guimarães e das Mesas e Foz do Iguaçu. De acordo com dados do buscador Kayak, Belém (PA) foi o destino que apresentou o maior aumento de procura para o verão, com 103% de variação. Logo depois aparece São Paulo, que registrou aumento de 62%, e Manaus, com alta de 55%.

Já o presidente da Associação Brasileira de Resorts (Resorts Brasil), Sérgio Souza, a tendência é a alta exponencial no turismo interno, com destaque para o Nordeste. ;Houve uma paralisação na decisão de compra naquele momento do surgimento das manchas. Ficamos muito preocupados que afetaria a alta temporada, mas foi um susto que passou;, afirma.

Bilhetes

No caso das passagens áreas, as promoções estão garantindo uma certa estabilidade nos preços, mas os custos, inevitavelmente, acabarão sendo repassados nos próximos meses. ;A partir de janeiro, estará completamente reposta a oferta que perdemos com a Avianca. Portanto, retornaríamos ao patamar do início do ano. Mas nos deparamos no fim do ano com esta variação do dólar. A alta do dólar não vai passar impune, pois 52% do custo da aviação brasileira é dolarizado;, afirmou Eduardo Sanovicz, presidente da Associação Brasileira da Empresas Aéreas (Abear), durante o painel ;Cenário Brasil: Investimentos e Infraestrutura para crescimento da conectividade;.

Embora as perspectivas ainda sejam positivas, as incertezas que atingiram o turismo esfriam as projeções de crescimento. De acordo com a Secretaria do Turismo do Estado do Ceará (Setur), a alta temporada deve render R$ 3,1 bilhões à cadeia turística no estado, uma alta de 10% em comparação com o mesmo período de 2018. No começo do ano, as estimativas apontavam para alta de 18%. Com relação ao número de turistas, haverá um acréscimo de 6%, totalizando 1,2 milhão de visitantes.

Do total de turistas que desembarcam no Ceará, cerca de 100 mil são estrangeiros, número 6% maior que o de 2018. A pesquisa também apontou que a taxa de ocupação hoteleira deve ficar em 82% no período. Já a projeção estimada de passageiros no Aeroporto de Fortaleza ficará em 2,2 milhões de passageiros, índice 8% maior que o do ano passado. Serão 564 voos extras nesse período vindos de Belém, Natal, São Paulo, Goiânia, Manaus, São Luiz, Rio de Janeiro, Juazeiro do Norte, Salvador, Brasília, Belo Horizonte e Campinas.

O dólar acima de R$ 4 é algo que não deve mudar no curto prazo, segundo especialistas. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou que dólar alto será o novo patamar da política econômica brasileira e que não deve cair tão cedo. ;Já entendemos que o dólar não vai ficar em R$ 3,50 tão cedo;, afirma.

Para Felipe Pellegrini, economista do Travelex Bank. para amenizar os impactos do preço da moeda nas viagens, a recomendação é de que o viajante não deixe para comprar todo o dinheiro de última hora. ;Os compradores não devem tentar acertar a mínima do dólar;, diz Pellegrini. ;A melhor estratégia é comprar aos poucos, em períodos de queda no câmbio, para atingir uma taxa média mais atrativa.;

Importação

A permanência do dólar na cotação atual tende a prejudicar também as importações. Na avaliação do vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), Nelson Azevedo, a alta do dólar reduz a competitividade, principalmente em produtos e insumo que abastecem a Zona Franca de Manaus nos segmentos de motocicletas e eletroeletrônicos.;Infelizmente, somos muito dependentes de importação de produtos para suprir as linhas de produção. E o dólar caro impacta negativamente a nossa produção, já que 98% de tudo que é produzido é vendido em reais para abastecer o mercado interno;, disse.

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