Economia

Maria Cristina Peduzzi: 'Para serem reconhecidas, mulheres trabalham mais'

Para a recém-eleita presidente do TST, época é de transformações tecnológicas que vão mudar o dinamismo do trabalho

Vicente Nunes, Bernardo Bittar, Ana Maria Campos
postado em 20/12/2019 06:00

Primeira mulher eleita para a presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a ministra Maria Cristina Peduzzi chama a atenção para a discriminação entre homens e mulheres no serviço público e na iniciativa privada. ;A distinção de gênero é uma realidade histórica e cultural. Manifesta-se tanto no trabalho quanto na vida civil. Sempre foi difícil para a mulher. Daí a importância dos movimentos feministas, que fizeram com que a gente alcançasse a igualdade formal. Essa existe. Mas a igualdade material, ainda, não;, afirma.


Ao dizer que a Justiça do Trabalho busca corrigir a diferença de gênero, questões sexuais e raciais, a ministra traz um levantamento sobre a efetividade da Corte trabalhista, criticada pelo presidente Jair Bolsonaro e por parte do Congresso Nacional. ;Foi considerada o ramo mais célere, produtivo e informatizado do Poder Judiciário. Julgou 115% a mais do que recebeu em 2018, e conseguiu efetivar execuções em valor maior do que o do próprio orçamento;, elenca.

Questionada sobre o alto custo das ações trabalhistas para o Estado, a ministra diz que o Judiciário ;não foi feito para dar lucro;. Para ela, a Medida Provisória do Trabalho Verde e Amarelo, criticada pela oposição, que vê na iniciativa um mecanismo para retirar direitos dos trabalhadores, ;não compete com a Consolidação das Leis do Trabalho;. Nesta quinta-feira (19/12) à noite, a ministra concedeu a seguinte entrevista ao Correio:


É necessário fazer novas atualizações na CLT. Quais seriam?

Digo que o Poder Legislativo concretiza essa possibilidade de atualizar a lei. Vivemos em uma época de transformações muito concretas, muito visíveis pelo dinamismo consequente da tecnologia. Estamos na quarta revolução industrial, um mundo de mudanças céleres. Estamos vendo a inteligência artificial, a economia on demand (sob demanda), plataformas virtuais, questões e conflitos novos, que a legislação atual ainda não disciplinou. Não havia previsão desses fenômenos. A reforma trabalhista disciplinou o trabalho em domicílio, em tempo parcial, e até o trabalho em casa. A revolução tecnológica é importante. Essa disciplina precisa ser implementada.

Vamos assistir a outras atualizações da CLT? A reforma feita no governo do ex-presidente Michel Temer foi só o começo?
Há fatos no mundo do trabalho que estão ocorrendo e que, provavelmente, deverão ser normatizados. O exemplo mais visível é o trabalho por meio das plataformas virtuais. A Uber é um exemplo de serviço que abre espaço para esses conflitos. É uma relação de emprego ou a relação é autônoma? Na Inglaterra e na França, o entendimento é de que há uma relação de trabalho. No Brasil, isso ainda não foi decidido. Mas há decisões preponderantes no sentido de que não há.

A MP do Trabalho Verde e Amarelo vai nessa direção? Ali, direitos do trabalhador são retirados sob o pretexto de que é necessário criar emprego para os jovens.
Na exposição de motivos da Medida Provisória, e não sou eu que estou dizendo, explica-se que o objetivo é criar empregos e promover o estímulo para uma categoria, em um tempo determinado, de jovens. Sua validade tem previsão de três anos. Os beneficiados estariam sendo agregados aos postos existentes para incrementar. Eu diria, até, que há inclusão. Inclusão social e empregabilidade devem ser fatores relevantes.

Então a inclusão social se sobrepõe aos direitos trabalhistas reduzidos?
Não dá para dizer isso porque o foco é um ramo específico. O projeto beneficia um trabalhador bem definido: o jovem estudante ou recém-formado. E, como o contrato previsto vale dois anos, incluída a prorrogação, não está competindo com a CLT. Não substitui os postos que existem. Na CLT, o objetivo é a indeterminação, estabilidade de relações sociais, aprimoramento, capacitação. É diferente. Uma situação bem peculiar.

Um dos pontos mais polêmicos dessa MP é a taxação do desempregado para poder bancar os subsídios dados às contratações. É justo?
Prefiro não me manifestar nesse aspecto, porque a legislação ainda não foi aprovada. Melhor deixar para o Poder Legislativo, que é soberano para dizer o que vamos aplicar no Judiciário.

É papel da Justiça do Trabalho evitar precarização de benefícios ou depende do que o Congresso vai prever? A Justiça pode impedir que trabalhadores percam seus direitos?
O juiz tem de aplicar a lei vigente. Exceto se declarar inconstitucional. No nosso ordenamento jurídico, é possível. O Supremo Tribunal Federal (STF) exerce o controle abstrato das leis, mas o juiz pode fazer no caso concreto. Juiz aprova a lei, menos se for inconstitucional. Mas o que o Poder Judiciário substancialmente faz é, quando houver descumprimento, afirmar o direito declarando que aquele direito subjetivo foi violado e será aplicado. Exemplo: há desigualdade entre homem e mulher. As estatísticas dizem que as mulheres ganham menos. No caso concreto, se a mulher exerce o mesmo trabalho do homem e cumpre os requisitos exigidos pela lei, o Poder Judiciário vai corrigir impondo condenação na equiparação salarial.

Há um movimento no Congresso para acabar com a Justiça do Trabalho, sob o rgumento de que ela custa caro. É realmente necessária?
Claro. A Justiça do Trabalho existe na Alemanha, num sistema muito similar ao nosso, com tribunal superior; na Bélgica, na Escandinávia, na França. A Justiça do Trabalho não é uma novidade brasileira. Existe em quase todo o mundo civilizado. Assim como temos Justiça Eleitoral, Justiça Militar; Mas a Justiça do Trabalho é muito maior do que a Justiça Federal. Quem não trabalha? Todos trabalham. Ela tem essa missão importante e está interiorizada no Brasil inteiro, encarregada de resolver situações das nossa relações diárias. O Judiciário não foi feito para dar lucro, mas para prestar jurisdição. É poder do Estado. A Justiça do Trabalho cumpre a missão de resolver os conflitos individuais e coletivos nas relações trabalhistas. Segundo o Justiça em Números do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em 2018, foi considerado o ramo mais célere, produtivo e informatizado do Poder Judiciário. Julgou 115% a mais do que recebeu em 2018, e conseguiu efetivar execuções em valor maior que o do próprio orçamento.

Qual o tempo médio de resolução de um problema?

Considerando primeiro grau, segundo grau e tribunal superior, empiricamente, pelo que eu tenho percebido, lhe diria que entre um e três anos. Há processos que estão há muitos anos, mas não é a regra. A implementação do processo judicial eletrônico trouxe a aceleração. Alguns casos se resolvem em seis meses. Uma prova com mais complexidade, pode demorar mais. Mas a Justiça do Trabalho funciona com dinamismo.

Diferenças salariais entre homens e mulheres não são o único desafio ou há outras questões?

A distinção de gênero é uma realidade histórica e cultural. Manifesta-se tanto no trabalho quanto na vida civil. Sempre foi difícil para a mulher. Daí a importância dos movimentos feministas, que fizeram com que a gente alcançasse a igualdade formal. Essa existe. Mas a igualdade material, ainda, não. Algumas mulheres não sofrem com isso, porque batalham demais, trabalham mais do que os homens. No ingresso do serviço público, isso não existe. Mas, para a promoção, está atestado que existem. As mulheres são mais expressivas numericamente no ingresso do serviço público, mas nos cargos de direção, nos acessos, é mais difícil para elas. E na iniciativa privada tem a questão da maternidade. Por isso, deveria dividir a licença-maternidade com o pai. A mulher, para igual reconhecimento no trabalho, precisa trabalhar mais que o homem.

Sobre trabalho intermitente e aos domingos, será uma realidade?

O trabalho intermitente é sazonal, não é necessário no dia a dia. O trabalho aos domingos é diferente. O Ministério do Trabalho especificava atividades que tinham essa necessidade. Agora, ele foi liberado, temos uma norma constitucional que assegura a todo trabalhador o repouso semanal remunerado, preferencialmente, aos domingos. Temos de observar esse ;preferencialmente;, porque a lei estabelece a frequência que isso deve ocorrer. Em algumas atividades, o trabalho aos domingos, faz sentido. No turismo, comércio, alimentação. Praticado porque a sociedade estabeleceu essas conveniências.

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