postado em 25/12/2019 04:04
Desempregada há dois anos e morando em um barraco de madeira em Luziânia (GO), a 60km de Brasília, Luísa Soares da Silva, 38 anos, deseja neste Natal um trabalho formal para ter a chance de mudar de vida. ;Minhas dificuldades são muitas, mas a questão financeira é a maior. Eu tenho seis crianças pequenas e preciso de um emprego para poder dar uma alimentação de qualidade para eles. É ruim demais ver o seu filho pedindo um pedaço de pão e não ter como dar;, desabafa. O sonho dela ; em condições semelhantes ou não ; é partilhado por 12,4 milhões de desocupados que sonham com a inserção no mercado de trabalho. Seria a melhor forma de ter, de fato, um Natal feliz e um próspero ano-novo.
Com 2019 chegando ao fim, muitos nutrem expectativas e esperanças para o ano que se avizinha. Sobretudo em um cenário em que a economia, pouco a pouco, começa voltar aos trilhos. Brasileiros sem ocupação que começam a ouvir histórias ou a observar o familiar, amigo ou o vizinho conseguindo emprego passam a, naturalmente, vislumbrar o mesmo para si. Um cenário que, em 2020, traz uma probabilidade maior de pessoas, como Luísa, de se reinserir no mercado.
A atividade econômica ensaia um crescimento entre 2% e 2,5% para o próximo ano, com possibilidades de chegar a 3%, na opinião de analistas que contam com mais investimentos. O Produto Interno Bruto (PIB) neste patamar amplia as chances de os brasileiros conseguirem um posto formal, afirma Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e economista-chefe do UBS Brasil. ;O mercado de trabalho está dando sinal de maior formalização do emprego. E isso é um sinal positivo;, destaca.
Na ponta do lápis
As sinalizações de formalização do emprego sugerem a criação de postos com maior potencial de renda e consumo. A carteira de trabalho possibilita ao brasileiro demandar mais produtos não duráveis, semiduráveis e, também, duráveis, como móveis e eletrodomésticos. ;É mais fácil para a pessoa conseguir crédito no sistema bancário mediante a comprovação do emprego com carteira;, explica Volpon. Ou seja, para Luísa, que vive de reciclagem e de faxinas para complementar os R$ 212 que recebe do Bolsa Família, essa é uma boa notícia.
O país deve encerrar 2019 com 600 mil empregos gerados, calcula a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Para 2020, projeta um saldo positivo entre demissões e admissões de 1,1 milhão. Os brasileiros podem vislumbrar o dobro da criação de postos de trabalho, em um processo de retroalimentação com o avanço da economia. Ou seja, quanto mais cargos formais são criados, mais consumo há e maiores são as chances de crescimento do PIB, consequentemente, de ampliação da necessidade de mão de obra.
Quem também está na esperança de que as previsões para a economia se concretizem em 2020 é a artesã Mari Ferreira de Alencar, 51, moradora do P Sul, na Ceilândia. Depois que parou de vender seus produtos, por falta de demanda, sente no bolso as dificuldades. ;Estou fora do mercado formal de trabalho há 16 anos e, nesse tempo, me faltou o dinheiro do aluguel. Fiquei atrasada em três meses e cheguei a ser ameaçada de despejo. Foi muito complicado para mim;, lamenta.
O 2020 dos sonhos da vendedora Abda Sara, 25, não é muito diferente. Embora inserida no mercado de trabalho, ela explica que sofre para fechar as contas no azul e honrar os compromissos. Mensalmente, estima que mais de 60% do salário são voltados para o aluguel e contas essenciais, como água, luz e internet. Para o ano que vem, sonha em não precisar abrir mão de outros itens para ter onde morar. ;Saí de casa porque eu quis. Queria me sentir mais independente. Mas é tudo muito caro, né? Fica difícil pagar tudo sozinha e ainda fazer as coisas que realmente quero;, justifica.
A expectativa de Mari em ampliar a venda de seus produtos artesanais e a de Abda em conseguir um emprego que pague mais, também pode se concretizar em 2020. O economista-sênior da CNC, Fábio Bentes, projeta um crescimento do consumo das famílias de 2,5%. ;A economia vai continuar sendo puxada mais pelos investimentos do que pela demanda, mas, em termos de contribuição, as famílias representam por quase 2/3 do PIB. Sinceramente, não vejo nenhuma possibilidade de esse cenário ser abalado no curto prazo, a não ser que surja algum fator político para perturbar todo esse cenário. Este ano, o dólar subiu e a inflação não disparou;, justifica.
O aumento do consumo é um desejo da empresária Nívea Marques, 34. Mas não é tudo. O ano próspero que ela almeja é um ambiente com menos impostos, mais segurança pública e educação de melhor qualidade. Com mais de 5 mil seguidores nas redes sociais, sua loja de maquiagens, NK Make, vende para todo o Brasil e, também, em feiras no Distrito Federal. Ao colocar as contas na ponta do lápis, sente o peso dos tributos em envios para fora do DF. ;Vendo produtos muito baratos, mas, mesmo assim, precisa pagar imposto. E para a cliente, sempre está muito caro. Por causa daquele famoso ;quem chora não mama;, a gente sempre precisa dar um desconto, nem que seja de 5% à vista ou formas de parcelar. O comércio exige isso. Quem não tem jogo de cintura não paga as contas no final do mês;, comenta.
Para Nívea, as expectativas de um feliz ano novo podem ser mais frustrantes. A educação ; um dos pilares da produtividade ; e a segurança pública tendem a esbarrar no ajuste fiscal, prevê o economista-chefe do Banco Votorantim, Roberto Padovani. ;Vai demorar mais alguns anos para as políticas públicas se recuperarem, porque dependem da saúde financeira do Estado;, pondera. Quanto ao melhor ambiente para negócios, com menos oneração tributária, é um cenário que depende da aprovação de uma reforma. ;Acho que não tem como sair nada de muito fantástico de reforma tributária neste governo. Todos são a favor, mas não tem acordo com relação à calibragem das alíquotas;, explica.
* Estagiários sob supervisão de Cláudia Dianni