postado em 28/12/2019 04:05
O efeito mais cruel de uma recessão econômica, como a que o Brasil enfrentou entre 2015 e 2016 e da qual patina para sair desde então, é o desemprego. Para driblar a falta de oportunidade no mercado de trabalho e enfrentar a crise de cabeça erguida, muitos brasileiros recorreram à informalidade. Não à toa, o número de trabalhadores nessa condição bateu o recorde histórico de 38,8 milhões de pessoas no trimestre terminado em novembro de 2019, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quase metade da população economicamente ativa se vira como pode, com muita criatividade, mas sem nenhuma relação empregatícia ou proteção social.
No último dia da série Como sobrevivi à crise, o Correio conta a história de brasilienses que se dedicaram a atividades como fazer bolos, doces, unhas ou costurar para fora para garantir renda e o sustento da família durante a turbulência econômica do país. Em termos globais, a informalidade atinge 61% da força de trabalho, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A maioria concentrada em países menos desenvolvidos.
Neste ano, o desemprego começou a arrefecer, o que só foi possível graças ao aumento da informalidade. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado em dezembro, indica que, no acumulado do ano, foram criados mais 948.344 empregos e nos últimos 12 meses, 605.919 postos de trabalho. Em novembro, a PNAD contínua registrou a queda no desemprego, que caiu para 11,2%, número menor na comparação com o mesmo período de 2018, de 11,6%.
Segundo o diretor da FGV Social, Marcelo Neri, em 2012, era possível observar o desaquecimento da economia. ;Já se falava em ;Pibinho;, porém, ainda não refletia no mercado de trabalho;, diz. Ele esclarece que, em 2014, foi a última vez que as taxas de emprego tiveram boas condições. A deterioração econômica, a partir de então, fez com que os dois anos seguintes dessem início ao declínio.
O especialista explica que os trabalhadores por conta própria já estavam crescendo, porém era mais uma questão de ser seu próprio patrão do que uma alternativa para a crise, que ainda nem existia.;No período de recessão, esse mercado informal funciona como uma rede que sustenta o trabalho. É um declínio, porém ainda permite estratégias de sobrevivência. Nesses últimos anos, a retomada econômica foi muito lenta e os indicadores trabalhistas desabaram. As perdas atingiram principalmente os mais pobres;, destaca.
Neri assinala que a informalidade pode ser classificada em dois tipos: trabalhadores por conta própria e sem carteira de trabalho. O primeiro consiste em pessoas que abrem negócios informais, e o segundo são aqueles que realizam trabalhos para outras pessoas mas não têm vínculo empregatício, pois não há carteira assinada. Nesse contexto, nenhum deles possui o registro de Microempreendedor Individual (MEI). ;Por conta da informalidade, a educação aumentou em 8,9% no mercado de trabalho, o que é uma força favorável para o trabalhador. Isso gera aumento de competitividade;, explica.
A crise não poupou ninguém, ressalta Neri. ;Mesmo quem tinha grau escolar superior acabou migrando para a informalidade, devido à falta de oportunidades no mercado formal;, diz. O encolhimento se refletiu nas jornadas de trabalho, na renda média e no lucro do negócios. ;As pessoas precisaram desenvolver estratégias de sobrevivência;, argumenta. ;Esta é uma crise muito brasileira, porém as tendências mundiais são de ter menos empregos e mais tarefas. Isso veio para ficar. O trabalhador é cada vez menos empregado e mais fornecedor das empresas. Com a revolução digital, aplicativos oferecem de tudo a um clique. Pode não ser bom para a economia, mas é bom para o trabalho;, avalia.
Desigualdade
A desigualdade social é um dos principais indicadores para o aumento da informalidade. Cerca de 13,5 milhões de brasileiros vivem com menos de R$ 145 por mês. O número bateu o recorde histórico do levantamento Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgado em novembro deste ano. ;A informalidade é uma maneira de subsistência que atinge, principalmente, a camada mais pobre da população. A chance para essas pessoas são poucas;, explica Janaína Duarte, professora do departamento de serviço social da Universidade de Brasília (UnB). São os trabalhadores que vendem balinhas nos ônibus e panos de chão nos semáforos, pessoas que utilizam, basicamente, o corpo para realizar as atividades. Se para de trabalhar, por alguma doença ou incapacidade, perde dinheiro. ;O trabalho informal é muito desprotegido, o que aumenta mais a vulnerabilidade das pessoas da base, pois elas não têm condições de competir com quem está no topo. O trabalhador é responsável por tudo, a compra de materiais, autofinanciamento, além da sua sobrevivência e da família;, aponta.
Para a professora, as reformas, em especial a previdenciária, promovida neste ano, mas também a trabalhista, geraram um processo de regressão de direitos sociais, fazendo com que a população ficasse mais pobre. ;Esses são fatores que aumentam a desigualdade social. Uma população gigantesca recebe uma fatia minúscula. Isso se reflete em tudo, trabalho, saúde, educação, cultura, em todas as áreas;, destaca.
Para o futuro, a especialista não tem boas perspectivas. Segundo ela, a tendência é um aumento da informalidade, pois não há um bom horizonte no longo prazo. ;Empreender é a saída? É uma questão de sobrevivência, mas vão continuar sem proteção, em especial nas questões trabalhistas. Quem tem condições de investir no negócio, mesmo que pouco, deve se preocupar com o inchaço do mercado na oferta de serviços. Precisa oferecer cada vez mais inovações aos clientes e se especializar para atender melhor os desejos dos consumidores. A grande questão é: quanto tempo conseguirá se manter sem fechar?;, questiona.
No período de recessão, esse mercado informal funciona como uma rede que sustenta o trabalho. É um declínio, porém ainda permite estratégias de sobrevivência
Marcelo Neri,
diretor da FGV Social