Economia

Mais pobres continuam com pouco acesso ao financiamento da casa própria

A retomada do mercado imobiliário surpreende, mas pode não ser capaz de corrigir desigualdades. Conquistar um financiamento continua difícil para os mais pobres

Correio Braziliense
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postado em 29/12/2019 08:00
Janaína e o marido, Julio, tiveram o empréstimo negado duas vezes até comprar um imóvel em Águas Lindas de Goiás, onde é mais baratoSetor que mais sofreu com a pior recessão pela qual passou o Brasil, com 20 trimestres seguidos de queda até agosto deste ano, a indústria da construção civil começa a sair do atoleiro. O crescimento, mesmo em cima de bases negativas, é surpreendente, afirma Luís Fernando Melo Mendes, economista, consultor e ex-diretor da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (CBIC). ;Foi uma retomada realmente boa. Ainda assim, é possível que não corrija as desigualdades;, destaca.

O governo, segundo o especialista, está usando a política monetária para incentivar o setor. ;Com isso, o sistema vai continuar da mesma forma, emprestando para que tem chance de pagar. Ou seja, mais dinheiro e mais crédito para quem não precisa;, diz. Ele acredita que o Produto Interno Bruto (PIB), que representa a soma das riquezas do país, só cresce se o incentivo chegar à ponta e isso depende do recuo das taxas nas várias modalidades de crédito.

;O que se percebe é que, mesmo com juros mais baixos para comprar imóvel, as condições para conseguir o financiamento não são propícias. É preciso ser cliente especial, ter seguro, aplicação, financiamento ou ser funcionário público;, lamenta. Com isso, a desigualdade permanece e a população com menos recursos continua sonhando de longe com a casa própria.

Outro desafio de conquistar um imóvel próprio, segundo Jucenar Imperatori, economista e consultor imobiliário, é enfrentar a economia da indivisibilidade, que esteriliza os recursos. ;Se a pessoa tem renda limitada, pode ter problema futuro quando precisar abrir mão do bem. Significa ter um imóvel que custa caro e ser obrigado a esperar pela vontade de terceiros;, destaca. Mas o especialista reforça que é importante ter o conforto e o prazer de ser proprietário, além da alegria de fugir do aluguel, sem se esquecer das despesas ; água, luz e condomínio.

A técnica judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) Helena Rodrigues Marino, 37 anos, venceu os desafios de comprar a casa própria. ;Hoje, a prestação cabe no nosso bolso. É uma conta com a qual já me acostumei. Meu salário é alto e não chegamos a passar por dificuldades por conta das parcelas;, conta. Após morar com os pais por 30 anos, Helena conheceu o seu marido, Bruno. O casal decidiu morar junto e a busca por financiamento começou em maio de 2012. O sonho da casa própria se realizou em janeiro de 2013.

O apartamento em Águas Claras foi comprado por R$ 260 mil, financiado em 299 meses com juros de 7,9% ao ano. Helena diz que houve diversos problemas com a documentação. ;Iniciei o processo na Caixa, mas optei por fazer tudo de novo no Banco do Brasil. Valeu à pena, apesar da tremenda burocracia. Tudo vai para São Paulo analisar. Deu problema umas três vezes. No total, foram nove meses para finalizar tudo e ter meu cantinho.;

Marcely alugou o apartamento para poder bancar as prestações

Sofrido

Para a moradora em Águas Lindas de Goiás Janaína Jesus Ribeiro Alves, 42, que sobrevive de faxinas e bicos, pagar as mensalidades é o maior desafio. ;Morei de aluguel por 16 anos e era muito caro. Não é nada fácil, principalmente quem vive de bico como eu. A gente tem que se virar para vencer cada dia;, lamenta. ;Era horrível ter que ficar mudando toda hora;, declara. Casada, com três filhos, ela depende do marido, pedreiro, para se manter. No passado, a situação era ainda mais complicada. Janaína deixou até de comprar comida para manter o aluguel em dia. ;Se não pagar, é rua;, diz.

Janaína e o marido Julio tiveram o financiamento negado por duas vezes, até conseguir comprar um imóvel em Águas Lindas, local escolhido por ser mais barato. ;Pago R$ 500 de prestação. Como faço faxina, com umas quatro por mês já consigo o valor da parcela, mas é sofrido;, reitera. O que mais lhe dá medo é o fato de que, se atrasar três meses, a casa vai à leilão. ;São 30 anos. Hoje, estou com 42 e meu esposo tem 44. Termino de pagar minha casa com 67 anos;, calcula.

A assessora parlamentar da Câmara dos Deputados Marcely Paulina Alvarenga Lopes Dias, 34, também passou por dificuldades antes de comprar o apartamento, com o qual sonhou por muitos anos, em Águas Claras. Para ela, o Distrito Federal é um dos lugares mais caros de se viver. ;Deixei de viajar e comprar muitas coisas para honrar o aluguel. Uma vez, a mais dolorida, precisei trancar minha faculdade;, conta.

Para a assessora, a casa própria foi a maior conquista da sua vida. ;Apesar dos obstáculos e da burocracia;, pontua. Sua família foi contra fazer financiamento por causa do longo tempo de pagamento. ;São mais de 20 anos e meu emprego não é estável. Tive medo de não conseguir pagar as parcelas. Uma vez, aluguei o apartamento para bancar as prestações;, revela. Ela paga parcelas mensais de R$ 1.348.


;As condições para conseguir o financiamento não são propícias. É preciso ser cliente especial, ter seguro, aplicação, financiamento ou ser funcionário público;
Luís Fernando Melo Mendes, ex-diretor da CBIC

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