Economia

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País terá desempenho melhor neste ano, mas sinais da mais severa recessão da história, que tirou quase 7% do PIB entre 2015 e 2016, ainda se farão presentes na economia, sobretudo na renda e no emprego. Crise internacional, com possível guerra entre Irã e EUA, é grande ameaça

Correio Braziliense
postado em 05/01/2020 04:04


O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem dito que o Produto Interno Bruto (PIB) de 2020 vai crescer “o dobro de 2019”, mas isso ainda não é motivo para comemoração, na avaliação de especialistas. A base de comparação é baixa e a taxa projetada pela Secretaria de Política Econômica (SPE), de 2,3%, está contaminada pelo carregamento estatístico da melhora da atividade nos últimos seis meses do ano passado. Mais: o desempenho da economia brasileira ficará abaixo da média global e dos países emergentes, de 3,4% e de 4,5%, respectivamente, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Apesar de reconhecerem que o PIB deste ano será melhor que o do ano passado, especialistas não descartam a possibilidade de frustração. Não por acaso, sempre reforçam a cautela nas estimativas, sobretudo por causa dos erros dos últimos anos. A verdade, reforçam os analistas, é que o país ainda sentirá, por um bom tempo, os efeitos da mais severa recessão da história, que tirou quase 7% do PIB entre 2015 e 2016. Esses sinais estarão presentes, sobretudo, na renda e no emprego, conforme série que o Correio começa a publicar a partir de hoje.

As ressalvas não impedem os especialistas de admitirem:  a área econômica foi o ponto forte do primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, que apresentou retrocessos na agenda de costumes e de meio ambiente. Para eles, a retomada mais firme da atividade no segundo semestre de 2019 foi puxada pela liberação dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e pela continuidade da queda da taxa dos juros básicos (Selic), que está no menor patamar da história, de 4,5% anuais. Esse nível de juros, por sinal, leva as autoridades a reforçarem as apostas de que 2020 será marcado pela retomada do investimento privado. É esse o caminho para o crescimento mais duradouro.

Investimentos
Pelas projeções do Banco Central, o PIB crescerá 2,2% em 2020, com investimento e consumo como motores da atividade econômica. Nesse contexto, a chamada Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) deve avançar 4,1%, evitando que, mais à frente, faltem produtos para atender à demanda. Para que esse quadro se confirme, porém, será preciso elevar a confiança dos empresários. Só assim eles se sentirão confortáveis para tirar das gavetas projetos de expansão dos negócios. Não há espaço, portanto, para estripulias por parte do governo, que terá de mostrar forte empenho para o andamento das reformas.

Os riscos de frustração em 2020 estão, especialmente, no mercado externo, agora mais turbulento diante da possibilidade de uma guerra entre os Estados Unidos e Irã e de uma reversão no prometido acordo comercial entre China e os norte-americanos.  Além disso, o Brasil depende muito da recuperação da Argentina, principal destino dos produtos industrializados nacionais. No mercado doméstico, as eleições municipais podem trazer certa tensão por indicarem as possíveis alianças para a disputa presidencial de 2022. O presidente da República não esconde que fará de tudo para se manter no poder.

O primeiro ano de mandato de Bolsonaro teve como trunfo a aprovação da reforma da Previdência, a despeito do atraso e da desidratação na proposta inicial, cuja economia passou de R$ 1,2 trilhão para R$ 800 bilhões. Mas é preciso dar continuidade à agenda de reformas estruturais para o país continuar crescendo e o investimento privado decolar. Neste ano, o prazo disponível para avanço nessa agenda é curto, de seis meses e, até agora, Paulo Guedes não encaminhou ao Congresso as propostas consideradas mais urgentes: as das reformas administrativa e tributária. Priorizou as medidas que reestruturam o Estado. O lado positivo é que o Legislativo está empenhado em levar as discussões adiante, mesmo que o governo vacile.

Famílias
Com as reformas andando, é possível esperar um saldo mais positivo para a economia: crescimento de até 3% em 2020. Esse nível de expansão deve, por enquanto, se manter na próxima década, que começa em 2021. Tudo vai depender do que o governo fizer e o Congresso aprovar. Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que, durante 2019, o Palácio do Planalto desperdiçou muito tempo com questões menos importantes. Essa pauta difusa, portanto, não pode se repetir neste ano. “Bolsonaro é mais disperso na agenda econômica, e isso atrasa o processo de retomada da economia”, lamenta.

A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, também demonstra cautela em relação ao andamento das reformas neste ano, principalmente, a administrativa. “Ainda não dá para ser totalmente otimista. No fundo, apesar de necessária, a reforma administrativa pode demorar”, explica. Pelas contas dela, a recuperação da renda per capita aos patamares acima de US$ 13 mil, como se viu entre 2010 e 2011, só deve ocorrer em 2027. “Ainda levaremos tempo para recuperar o patamar pré-crise, infelizmente. O estrago foi grande”, frisa. Nas projeções da Tendências, o consumo das famílias, por conta dessa renda per capita baixa, deve crescer em ritmo lento até o fim da próxima década, não passando de 3% anual.

Na avaliação da economista Juliana Inhasz, professora do Insper, o governo Bolsonaro tem pouco capital político para avançar nas reformas mais necessárias. “Por isso, não descarto frustração novamente com o PIB. O ano de 2020 promete muito, em tese, mas pode ser só de promessas. Além da dificuldade na agenda política e econômica, teremos um cenário externo bem turbulento, com eleições nos EUA”, destaca. Para ela, apesar de o mercado ter ignorado os ruídos políticos provocados pelo governo — a Bolsa de Valores de São Paulo subiu quase 32% —, daqui para frente, a tendência é que fique mais atento. “O país poderia ter crescido mais se os ruídos não tivessem atrapalhado tanto”.

Liderança
O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, reconhece que houve algumas frustrações em 2019, mas aposta nos efeitos defasados da redução dos juros para garantir uma surpresa neste ano. Ele prevê crescimento do PIB entre 2,5% e 3%. “Todo primeiro ano de governo é de ajustes. E ajustes duros foram feitos neste governo. Quando você olha 2019 como um todo, foi um ano bom, com reformas importantes”, afirma. Sachsida acredita que o setor privado vai liderar o processo de recuperação da economia, enquanto o governo “continuará com a agenda de consolidação fiscal e de produtividade”.

O economista e sócio da 4E Consultoria Juan Jensen demonstra otimismo em relação à volta do crescimento com a ajuda do investimento privado, uma vez que o Estado perdeu essa capacidade há anos. “O investimento público previsto no Orçamento deste ano é o menor em 50 anos”, destaca ele, que prevê expansão de 2,8% do PIB neste ano. Segundo Jensen, o clima de incertezas na América Latina também pode afetar essa retomada. Mais cética, Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, estima avanço de 2,3%. “Esse crescimento é muito pouco diante do tombo que o país levou e do drama social que vivemos, mas é um incremento importante”, avalia.

Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados, prevê expansão de 2,5% neste ano e alerta para alguns fatores que podem limitar o crescimento. “O ajuste fiscal ainda está em curso e precisa ser cumprido, e isso limita o investimento público e coloca um viés de baixa no PIB. O mundo também não tem uma perspectiva de crescimento brilhante”, pontua. Contudo, ela reconhece que a recuperação em 2020 será num ritmo maior por conta dos juros mais baixos. “Existe uma recuperação acontecendo por causa da redução da taxa Selic, que começa a ter reflexo no crédito”, diz.

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