Correio Braziliense
postado em 10/01/2020 04:13
Apesar do impulso no fim do ano devido à escalada dos preços da carne, a inflação não deverá ser uma ameaça para a retomada do crescimento da economia brasileira em 2020, na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio. Contudo, eles admitem que as tensões entre os Estados Unidos e o Irã são um risco. Se elas aumentarem e pressionarem mais fortemente os preços do barril de petróleo, o cenário de estabilidade do custo de vida pode mudar. Todavia, ainda é cedo para mudar as projeções.
Por enquanto, as estimativas do mercado e do Banco Central são de que o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), que mede a inflação oficial, devem ficar dentro das metas estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que são decrescentes. Passam de 4%, neste ano, para 3,75%, em 2021, e para 3,50%, em 2022.
A mediana das previsões do mercado indica crescimento de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano e de 2,5%, nos dois anos seguintes. Enquanto isso, o IPCA ficará em 3,60% em 2020, em 3,75%, em 2021, e em 3,50%, em 2022.
Um dos motivos apontados pelos analistas para que a inflação fique dentro das metas é a mudança recente na metodologia de cálculo do IPCA, que reduziu o peso dos alimentos no indicador e aumentou o do grupo transportes, onde combustíveis estão incluídos. “Nesse caso, como alimentos terão um peso menor, o petróleo é o fator de risco para o aumento da inflação”, alerta o economista Antonio Madeira, da LCA Consultores.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) atualizou os hábitos de consumo das famílias brasileiras no IPCA com base da Pesquisa Orçamentária Familiar (POF) de 2017-2018. A partir deste ano, uma série de itens que não fazem mais parte do consumo da população, como videocassete, locadora de vídeo e telefone público, saem do índice. Em contrapartida, entram itens da nova tecnologia, como streaming de vídeo e de música e transporte por aplicativo.
Pesos
Outra mudança ocorreu no peso dos grupos que compõem o indicador. O do grupo alimentação foi reduzido de 22,1% para 19%. O de transportes passou a ser o mais relevante na contabilização do custo de vida, apesar de uma leve redução, passando de 21,9% para 20,8%.
Os serviços das novas tecnologias incluídos no IPCA pesam bem menos do que a gasolina no orçamento das famílias. O agropecuarista Davi Rodrigues, 24 anos, possui quatro assinaturas mensais de plataformas de streaming, que, ao todo, representam 5% de sua renda. O que mais afeta seu planejamento financeiro é a gasolina, que consome 40% dos rendimentos mensais. “Os preços, principalmente da gasolina, variam muito, o que acaba atrapalhando um pouco nas despesas do mês. Mas, em relação aos streamings, os preços são bastante estáveis e raramente ocorre reajuste. Quando ocorre, não é algo tão absurdo para mudar meus hábitos de consumo”, relata.
Na ausência de uma forte alta do petróleo e dos combustíveis, a atualização da POF ajudará o Banco Central (BC) no controle da inflação neste ano. Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, a forte alta no preço da carne aconteceu “no momento certo”, porque os novos pesos da POF no IPCA vão ajudar para que a inflação de alimentos não seja tão relevante em 2020 como seria no modelo antigo.
Pelas estimativas do BC, a nova metodologia deverá reduzir em 0,3 ponto percentual as estimativas do IPCA. Por conta dessa ajuda da POF, algumas instituições ainda apostam em novos cortes da taxa básica de juros, a Selic, que poderá cair para 4,25% ou mesmo 4% ao ano. Contudo, qualquer pressão externa, como a da crise entre EUA e Irã pode atrapalhar as previsões daqui para frente. Logo, com um cenário de meta de inflação em queda, o BC precisará ser cauteloso.
Juros
“A inflação ficará controlada em 2020, mas, nos próximoa anos, com a meta cada vez menor, será preciso ter juros mais altos para conter os índices”, alerta Sergio Vale. “A boa notícia é de que a Selic não precisará voltar a dois dígitos. Estamos falando em uma alta moderada de juros para conter a piora da expectativa inflacionária”, explica.
Outro risco que precisa ser considerado é o de que não há consenso entre especialistas de que os preços da carne devem arrefecer neste ano. No Banco Central, a expectativa é de que o impacto da alta do produto já tenha sido absorvido totalmente no fim de 2019. O economista Bruno Lucchi, superintendente técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), ressalta que a tendência é de que a demanda pela carne continue elevada neste ano. “Houve um aumento do consumo doméstico da proteína, que não está associado apenas às festas de fim de ano. Com o crescimento do PIB e a elevação da renda da população, a tendência é de o consumo aumentar”, destaca.
Vale, da MB Associados, também prevê que a inflação das carnes, “deve permanecer por dois a três anos”, mas não na mesma magnitude do fim de 2019. “As exportações para a China devem continuar em alta, porque a peste suína africana provocou queda de 40% da produção chinesa, e isso não vai ser revertida rapidamente”, explica. “Essa queda é maior do que a soma de todo o comércio de carne no mundo. É muita coisa. Não tem como suprir essa demanda.”
* Estagiária sob supervisão de Odail Figueired
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.