Economia

Raul Velloso

Para que nossa infraestrutura alcançasse um padrão comparável ao de economias de renda média, o investimento teria de ser da ordem de 4% ou 5% do PIB ao ano, durante 20 anos

Correio Braziliense
postado em 14/01/2020 04:16

Para salvar a infraestrutura


Em minha última coluna, listei problemas que nos prejudicarão menos a partir de agora, como a forte escassez de divisas, hoje bem menos relevante; as altas taxas de inflação, felizmente não mais por aqui; e, finalmente, as taxas de juros básicas fixadas pelo Banco Central, hoje nos menores níveis de nossa história recente. Ao final, crise externa decorrente do Irã à parte, perguntei por que o nosso PIB continua patinando.

Concordando que o governo agiu de forma basicamente correta no ataque à crise previdenciária, principal fator de explicação da gigantesca crise fiscal, entendo que chegou a hora de dedicarmos mais atenção ao problema da infraestrutura deficiente.

Deixando momentaneamente de lado o surpreendente resultado do leilão do lote rodoviário estadual Piracicaba-Panorama, que tem muito a ver com a queda da Selic, lembro pontos (obviamente não exaustivos) de diagnósticos recentes sobre as mazelas setoriais que precisam ser reavaliados, e que espero tratar em colunas futuras (Quando não explicitada, o próprio enunciado sugere a solução a ser adotada):

a) Processo de escolha de projetos sem obedecer a critérios econômicos, havendo excessiva ingerência política nesse processo.

b) Esvaziamento da capacidade técnica de planejamento e de elaboração de projetos.

c) Agência reguladora sem autonomia, o que leva à insegurança jurídica e a prejuízos para as concessionárias. Os gestores públicos têm se mostrado reticentes em tomar ações que poderiam gerar ganhos de bem-estar para a sociedade, por medo da ação dos órgãos de fiscalização e controle (como o TCU) ou por pura incapacidade técnica de avaliar as propostas. O exemplo mais claro de omissão diz respeito à demora para autorizar o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

É necessário, portanto, garantir maior autonomia para as agências reguladoras. Isso implica, entre outras coisas, que as decisões de seus dirigentes devem estar menos sujeitas a revisão por parte dos órgãos de fiscalização e controle, menor influência política na indicação da diretoria, e fortalecimento do corpo técnico. O fortalecimento das agências reguladoras deve fazer com que o TCU fique mais restrito às suas atribuições convencionais, como detectar desvios de recursos, favorecimentos indevidos, etc., reduzindo sua participação no processo decisório.

d) Percepção muitas vezes desfavorável do governo em relação ao setor privado e incompreensão de seu funcionamento.

e) Inexistência de avaliação de impacto regulatório quando há alteração de atos normativos que afetam o setor.

f) Projetos básicos mal elaborados, com estudos de viabilidade técnica e econômica (EVTE) e orçamentos de capital (Capex) e operacional (Opex) irrealistas.

g) Concessão do licenciamento ambiental e das desapropriações em prazos não adequados.

h) Pouca atenção às audiências públicas, lembrando que a opinião daqueles que trabalham na área e dos que vivem o dia a dia do modo de transporte, e, portanto, conhecem suas necessidades (comunidades), podem contribuir muito para aprimorar a concessão.

i) Não exigência de qualificação técnica mais rigorosa e do Plano de Negócios, que permitirá à agência reguladora avaliar a exequibilidade das propostas.

j) Nos contratos, redação pouco clara e com definição imprecisa dos fatores de reajuste, como o Fator X e o cálculo do fluxo de caixa marginal, gerando insegurança jurídica.

k) Alocação inadequada de riscos, impondo à concessionária a responsabilidade por eventos extremos, para os quais ela não tem a menor capacidade de prevenir ou mitigar seus impactos, não havendo sequer uma delimitação de faixas de variações para determinados parâmetros, de forma que eventos que levem a variável para fora do intervalo de tolerância possam ensejar automaticamente o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

l) Contratos sem flexibilidade suficiente para permitir alterações no cumprimento do cronograma de investimentos, de direitos e obrigações. Como se trata de uma relação de longo prazo, é de se esperar que os benefícios e os custos de determinadas ações se alterem ao longo do contrato. Contratos mais flexíveis permitem ajustar continuamente as ações, de forma a otimizar a relação custo/benefício.

Para concluir, lembro que o nosso atraso nessa área está bem documentado. Ocupamos péssimas colocações em rankings internacionais, posições essas incompatíveis com nosso nível de renda. O investimento em infraestrutura vem ocupando cerca de 2% do PIB nos últimos 20 anos, quando o mínimo para manter o estoque de capital teria de ser 3% do PIB. Para que nossa infraestrutura alcançasse um padrão comparável ao de economias de renda média, o investimento teria de ser da ordem de 4% ou 5% do PIB ao ano, durante 20 anos. Ou seja, estamos falando de um hiato de investimento entre 2% e 3% do PIB, por ano. Por fim, sabemos que investimento em infraestrutura é essencial para que aumentemos nossa produtividade, praticamente estagnada desde os anos 1980.

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