Economia

EUA e China reduzem tensão

Acordo comercial entre os dois países encaminha o fim de disputas comerciais que ameaçam economia global. Chineses se comprometem a aumentar importações dos Estados Unidos, a abrir conta de capital e a respeitar propriedade intelectual

Correio Braziliense
postado em 16/01/2020 04:05
O vice-primeiro ministro chinês, Liu He, sela o entendimento com Trump: acerto pode afetar negativamente o Brasil, diz especialista

Estados Unidos e China assinaram ontem a primeira fase do acordo que pode pôr um fim às disputas comerciais entre os dois países que se arrastam há quase dois anos, ameaçando provocar uma recessão global. Pelo acordo, formalizado em cerimônia na Casa Branca entre o presidente norte-americano, Donald Trump, e pelo vice-premiê da China, Liu He, os Estados Unidos reduzirão a tarifa média de importação de produtos chineses de 21% para 19,3% e, em troca, a China promete praticamente dobrar as importações em dois anos, a abrir o mercado de capitais e a respeitar propriedade intelectual.

Para Roberto Dumas, professor de economia chinesa do Insper, o acordo, esperado por mercados do mundo todo, é, na realidade, uma cortina de fumaça para atender demandas domésticas norte-americanas e possibilitar a reeleição de Trump, que tenta uma segundo mandato em novembro deste ano. Ontem, a Câmara dos Representantes enviou ao Senado o processo de impeachment que o presidente americano enfrenta.

Para Dumas, além de não ter conteúdo para resolver os problemas comerciais entre os dois países, o acordo ainda pode prejudicar as relações comerciais da China com o Brasil, a Argentina e a Irlanda. De acordo com o documento, os EUA baixam a zero tarifas de comércio que estavam em 15% para um total de US$ 162 bilhões de produtos chineses. Para outros US$ 100 bilhões, a tarifa passa de 15% para 7,5%, mas as sobretaxas são mantidas em 25% para o equivalente a US$ 250 bilhões anuais em produtos embarcados pela China. “Ocorre que, antes da guerra comercial, a média de tarifas aplicadas pelos EUA era de 3%. No pico do conflito, chegou a 21%. Com o acordo, a média baixa para 19,3%”, observou o especialista.

Donald Trump, afirmou que as tarifas ainda em vigor são uma forma de manter as negociações para a segunda fase do acordo, mas disse que está pronto para retirar todas as sobretaxas assim que os dois países chegarem a um entendimento final. “Vamos começar a negociar (a próxima fase) muito em breve”, disse.

Ficou estipulado, ainda, que a China vai aumentar as importações dos Estados Unidos em mais US$ 200 bilhões em dois anos, além de outros US$ 40 a US$ 50 bilhões em produtos do agronegócio, o que Dumas qualifica como “inexequível”. Segundo ele, a China importa US$ 130 bilhões dos EUA por ano, dos quais US$ 24 bilhões são produtos agrícolas, como soja, por exemplo. “Para aumentar as importações dos EUA, a China teria que reduzir as compras do Brasil, da Argentina ou da Irlanda e se tornar um parceiro não confiável”, avalia.

OMC


Segundo Dumas, a manobra comercial pode ser enquadrada em discriminação de comércio, pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ele não acredita, porém, que o presidente Jair Bolsonaro bancaria o enfrentamento no órgão multilateral, devido ao alinhamento político com Trump. “Mas o Ministério da Agricultura e o setor do agronegócio pressionariam”, avalia. Ele lembra, porém, que o órgão de solução de controvérsias da OMC foi enfraquecido, no final do ano passado, por iniciativa de Trump, que bloqueou indicações de profissionais para o organismo.

Para Dumas, a tendência é cair a demanda chinesa por soja e farelo de soja, produtos usados também como alimento de rebanhos. “Por causa da febre suína, no ano passado a China abateu 224 milhões de porcos, portanto, vai precisar menos de soja e farelo e mais de carne, que está importando do Brasil. Talvez o país não queira conflitos comerciais com outros parceiros”, ponderou.

Os chineses controlam a entrada de capital estrangeiro na bolsa de Xangai, de modo a garantir que os recursos fiquem no país para financiar a produção chinesa, uma vacina para crises como a de 1997, quando, a começar da Tailândia, bilhões de dólares deixaram os países asiáticos. Pelo acordo assinado ontem, a China promete abrir a conta de capital. Além disso, se comprometeu a respeitar propriedade intelectual. “A promessa foi feita por Beijing, mas o desafio está em fazer as províncias respeitarem essa cláusula, pois é a produção delas, com produtos falsificados, que bomba o PIB chinês”, explica Dumas.

Segundo o economista, mesmo aumentando as tarifas de importação para a China, o deficit comercial dos EUA cresceu. “A China exporta para Vietnã, Filipinas, entre outros asiáticos, que reexportam para os EUA. Na prática, o comércio não mudou muito”, disse. O professor chamou atenção, ainda, para o fato de o acordo não incluir arranjos envolvendo a tecnologia 5G, uma forte disputa entre os dois países. A Secretaria de Comércio Internacional do Ministério da Economia não se posicionou sobre o acordo.

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