A mobilização do governo seria para o parlamento votar o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 978/18, de autoria do senador Otto Alencar (PSD-BA). O texto anula um artigo da Resolução 43/09 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que veda a comercialização de etanol diretamente entre os postos e as usinas. Bolsonaro defende que a exclusão de intermediários pode reduzir o custo do álcool nas bombas e baratear a gasolina, que tem entre 18% e 27% de etanol anidro. Mas a venda direta não agrada todo o setor.
O chefe do Executivo se reuniu nesta quinta-feira (16/1) com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, o presidente do Sindaçúcar de Alagoas, Pedro Robério de Melo Nogueira, e Renato Augusto Pontes Cunha, presidente do Sindaçúcar de Pernambuco. Albuquerque também recebeu o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar, Evandro Gussi.
“O presidente disse que é um projeto dele simplificar a comercialização de combustíveis em defesa do consumidor. Mas é um assunto complexo, que envolve agência reguladora e, eventualmente, o parlamento”, disse Nogueira. “O presidente quer a via mais rápida, se é pelo Executivo, passando pelas agências, ou se se pega uma carona no processo legislativo. Para nós, pelo Congresso, a votação poderia ser concluída até março”, estimou.
Nogueira afirmou que a liberação da venda direta impactará no preço final do combustível. “Imagina a quantidade de postos que existem perto de usinas no Brasil inteiro e não podem vender diretamente? Há situações em que a distância entre o posto e a usina é de 5 km, enquanto a base de distribuição fica a 200 km”, apontou.
Liberdade de mercado
Cunha, do Sindaçúcar de Pernambuco, disse que os sindicatos e os produtores do Nordeste defendem a tese da venda direta, sem atrapalhar o processo via distribuidoras. “Pode ser das duas formas, porque os impostos são assegurados no âmbito da Receita Federal. Mas existe um obstáculo na ANP, que, ao ser revogado, vai liberar os dois caminhos”, ressaltou. Segundo ele, em fevereiro, haverá uma reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para dar sequência ao assunto.
O presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar, Evandro Gussi, destacou que a postura da entidade é em defesa da liberdade. “Temos contribuído para que a decisão do presidente seja a melhor possível, de forma que o sistema mais viável para o Nordeste possa conviver com outro, mais racional para o Centro-Sul, onde está 93% da produção”, explicou.
Segundo ele, alguns produtores podem optar por empresas de distribuição dada a distância dos centros consumidores. “Os players vão entender qual operação faz mais sentido. A Unica está contribuindo com dados técnicos, para mostrar os efeitos colaterais de uma medida como essa, para que a decisão seja coordenada com instrumentos de mercado”, ressaltou.
Perspectivas animam o setor
São Paulo — Depois de subir 11,5% nos postos de combustíveis, maior aumento de preço desde 2015 — para a alegria dos empresários do setor —, o mercado brasileiro de etanol deverá registrar um crescimento importante da produção e da produtividade.Pelos cálculos da União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Unica), que representa as usinas, a safra deste ano vai superar os 590 milhões de toneladas, 3% acima dos 573,2 milhões de 2018/2019. Detalhe: a produção será ampliada mesmo com uma área 2% menor — graças à melhor produtividade das lavouras, com a incorporação de novas tecnologias, e do clima favorável. Com isso, o ano deve quebrar um recorde histórico, com cerca de 35 bilhões de litros, mais de 7% de crescimento — sendo aproximadamente 10 bilhões de anidro e 25 bilhões de litros de hidratado.
“A indústria sucroalcooleira vive um momento de grande oportunidade, com cenário positivo para investimento, demanda global crescente e aumento significativo do consumo interno”, afirma o economista Paulo Venâncio, especialista em biocombustíveis da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Soma-se a esse cenário o RenovaBio, política de incentivo específica para o mercado de biocombustíveis. Com ele, os produtores que adotarem as boas práticas receberão uma espécie de pagamento pelos serviços ambientais.
De acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP), o RenovaBio vai gerar benefícios e novos investimentos ao produtor e fomentará o seu interesse em produzir mais. “O programa representa um grande marco para o setor sucroenergético do país”, afirma o economista Miguel Ivan Lacerda de Oliveira, diretor do Departamento de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME). “O RenovaBio surge como uma grande oportunidade de mais geração de renda nas regiões produtoras.”
Mais investimentos
Segundo pesquisadores do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, o RenovaBio será o grande motor do desenvolvimento do setor neste ano. As principais companhias do setor, como Raízen, Cofco, Amaggi, São Martinho e Bonsucro, estão ampliando seis investimentos em produção de etanol, inclusive feita a partir do milho. O país começou o ano com oito fábricas em funcionamento e seis em construção, mas possui outras 10 fábricas em fase de projetos.Na avaliação do economista Plínio Nastari, CEO da Datagro Consultoria e representante da sociedade civil no Conselho Nacional de Política Energética no MME, a criação de uma política de incentivo ao setor, com foco em proteção ambiental, dará um grande impulso ao setor dentro e fora do país. “Nas metas de descarbonização estarão os ganhos do setor. Desde 1975, nunca houve uma referência que indicasse a direção da produção de biocombustíveis do Brasil. Agora temos”, afirma Nastari. “O RenovaBio é muito importante para o país porque vai nortear os investimentos.”
Atualmente, o setor sucroenergético brasileiro conta com 444 usinas, que respondem por um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 156 bilhões, segundo o dado mais recente do Cepea. As cifras, no entanto, podem ser muito maiores. Existem 90 usinas em recuperação judicial, afetadas por problemas de gestão ou pela política de controle de preços da gasolina nos últimos 15 anos — que resultou, principalmente, na perda de competitividade do etanol e gerou endividamento excessivo das empresas.
Para o MME, no entanto, há um horizonte positivo para as empresas do setor e para o etanol. Com o RenovaBio, em 10 anos essa política pode adicionar cerca de R$ 1,2 trilhão na economia do país. “Para se ter uma ideia, o Pré-Sal inteiro não vai gerar mais do que R$ 500 milhões no PIB brasileiro”, diz Oliveira, do MME. Mais de 170 empresas produtoras já se inscreveram para participar do RenovaBio. A meta é retirar cerca de 170 milhões de toneladas de CO2 da atmosfera.
Outro ponto que deve favorecer o esperado crescimento do mercado brasileiro de etanol é a possibilidade do uso de outras matérias-primas, além da cana-de-açúcar, para a produção de etanol, como o milho. Nos cálculos da Unica, o etanol de milho deve alcançar uma produção de 1,5 bilhão de litros neste ano, um aumento de 90% acima dos quase 800 milhões da safra anterior. Agentes do setor estimam aumento expressivo da produção de biocombustível a partir desse cereal, podendo ultrapassar de 10% do total nacional nos próximos dois anos.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.