Correio Braziliense
postado em 21/01/2020 04:07
O governo oficializou ontem a previsão de despesas e receitas do Executivo federal em 2020, com a publicação, no Diário Oficial da União, da Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano. O texto, sancionado sem vetos na última sexta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro, autoriza mais concursos públicos do que constava no projeto avaliado pelo Congresso e permite a contratação de até 51.391 pessoas. No projeto inicial da LOA, eram 35.479 vagas —16.337 a menos do que o número final.
A maioria das vagas, 45.816, é para provimento, para preencher postos que já existem, mas estão vazios. Isso pode ser feito com a nomeação de pessoas que já passaram em concursos ou abertura de novos certames. As outras 5.575 serão novidade. Os três Poderes poderão fazer concursos, mas o Executivo ficou com 90,1% das vagas: poderá criar 3.140, além das 43.568 reservadas para cobrir buracos de pessoal já existentes na administração pública.
O maior efetivo previsto, com espaço para 19.520 vagas de provimento, é para o banco de professores universitários. Além disso, seis novas universidades federais podem ser beneficiadas com, no total, até 5.120 contratações: de Catalão (GO), Delta do Parnaíba (PI), Rondonópolis (MT), Jataí (GO), Agreste de Pernambuco (PE) e Norte do Tocantins (TO).
O Judiciário pode ganhar até 3.288 servidores — 1.417 para preencher vagas novas e 1.871, já existentes. O Legislativo terá até 154 postos, com criação de sete novos. No Orçamento, existe previsão para editais como o do Senado, um dos mais esperados pelos concurseiros desde o ano passado, que deve preencher 40 vagas livres. A Câmara tem autorização para até 70 contratações.
Regra de ouro
Mais uma vez, o Orçamento prevê que o governo não conseguirá cumprir a regra de ouro, que proíbe o governo de fazer dívidas para pagar despesas correntes, como salários e aposentadorias de funcionários públicos. Para arcar com os gastos, será preciso pedir autorização do Congresso para emitir R$ 343,6 bilhões em títulos públicos, o que deve ser feito por crédito suplementar. Em 2019, pelo mesmo motivo, foi preciso um complemento de R$ 248,9 bilhões.
Professor do Instituto de Economia da Unicamp, Geraldo Biasoto Jr. lembra que a regra não é cumprida há anos. “A ideia é interessante, mas foi mal aplicada. Com o Orçamento praticamente todo comprometido com despesas obrigatórias, fica impossível respeitá-lo. Desse jeito, parece que é regra para inglês ver. Não é questão de fazer remendos, mas talvez de pensar em um novo tipo de regulamentação”, sugere.
Biasoto, que foi coordenador de Política Fiscal da Secretaria de Política Econômica do então Ministério da Fazenda, cita como exemplo positivo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que trouxe um dispositivo que detalha o que pode ser feito no caso de não cumprimento das regras.
É mais ou menos o que prevê a PEC 438/18, em tramitação no Congresso. O projeto cria gatilhos que serão acionados sempre que a regra de ouro for desrespeitada, como o corte de incentivos fiscais, diminuição de gastos com publicidade oficial, suspensão de repasses ao Banco de Desenvolvimento Econômico e Social e venda de bens públicos.
Outro problema gerado pela regra de ouro é que, com a dependência dos créditos suplementares, o governo fica nas mãos do Congresso, ressaltou a professora Margarida Gutierrez, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Isso porque, se os parlamentares não aceitarem flexibilizar a regra, o Executivo não consegue cumprir o Orçamento, o que configura crime de responsabilidade e pode levar ao impeachment do presidente.
Em espera
Os especialistas avaliam que, para o Orçamento ser respeitado, é essencial que pelo menos a Proposta de Emenda à Constituição (PECs) emergencial, enviada pelo governo ao Congresso, no ano passado, seja aprovada. Ela permite economizar dinheiro com cortes voltados para o serviço público, como diminuição de jornada de trabalho e, como consequência, de salários. A outra regulamenta a regra de ouro — que, mais uma vez, não vai ser respeitada em 2020.
O governo contou com uma economia de R$ 6 bi com a PEC emergencial, valor que será direcionado a investimentos públicos, como o programa Minha Casa, Minha Vida e despesas com infraestrutura. Para isso, é preciso que entre em vigor no segundo semestre. Como o gasto com o salário dos servidores é obrigatório, ao contrário de despesas com infraestrutura e programas sociais, se não for possível economizar os valores esperados com a PEC, não haverá dinheiro para investimentos.
Fundo eleitoral
O Orçamento também garante que R$ 2 bilhões serão destinados ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), mais conhecido como fundo eleitoral, que os partidos vão usar nas eleições municipais de outubro. Apesar de ter criticado o valor, proposto por ele mesmo ao enviar o Orçamento ao Congresso, Bolsonaro não vetou esse trecho da LOA.
Geraldo Biasoto também questiona o fundo eleitoral em momento de ajuste fiscal. Para ele, não faz sentido destinar R$ 2 bilhões a campanhas eleitorais, enquanto o governo não tem capacidade nem de pagar despesas correntes (respeitar a regra de ouro). “O fundo é um gasto que faz sentido, mas deveria ao menos ter regras mais duras para geri-lo, especialmente em momentos de ajuste. Fica uma situação escandalosa”, afirma.
"Com o Orçamento praticamente todo comprometido com despesas obrigatórias, fica impossível respeitá-lo. Desse jeito, parece que é regra para inglês ver”
Geraldo Biasoto Jr., professor do Instituto de Economia da Unicamp,
Certames previstos
Número de vagas que poderão ser preenchidas na União em 2020:
Executivo 46.708
Judiciário 3.288
Legislativo 154
Ministério Público da União (MPU) 25
Defensoria Pública da União (DPU) 1.216
Total: 51.391
Novos cargos: 5.575
Provimento: 45.816
Fonte: Lei n º13.978/2020 (Lei Orçamentária Anual – LOA).
Mais poder ao Congresso
Neste ano, pela primeira vez, as emendas parlamentares de bancada serão aplicadas de forma impositiva, sem possibilidade de que o governo segure o dinheiro. A expectativa é de que, dos R$ 18,4 bilhões previstos com emendas, R$ 15,4 bilhões sejam obrigatórios. O repasse de emendas individuais também passa a ser feito direto para estados, municípios e DF, sem a celebração de convênios com a União, quando se tratar de programas a serem conduzidos por essas unidades da Federação. As duas mudanças foram aprovadas pelo Congresso em 2019.
Servidor vê deficit
VERA BATISTA
A contaminação das cervejas da marca Backer, que deixou, até agora, um saldo de 19 pessoas intoxicadas, das quais quatro morreram, é um indício de que o “apagão” nos órgãos públicos não se restringe ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), segundo representantes sindicais de servidores públicos. “Um dos motivos, no caso da cervejaria de Minas Gerais, é a ausência de fiscalização nos produtos de consumo humano e nos insumos. Os auditores têm que acompanhar a fabricação”, afirmou Maurício Porto, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais Federais Agropecuários (Anffa).
De acordo com a entidade, o número de técnicos caiu quase pela metade nas últimas duas décadas. Com isso, empresas produtoras de vacinas veterinárias, por exemplo, podem ficar até 20 anos sem fiscalização. O auditor Antônio Andrade, diretor de Política Profissional da Anfa, destacou que, em Minas Gerais, há apenas nove auditores agropecuários, responsáveis por 994 empresas de bebidas e por todos os produtos de origem vegetal, como azeite, arroz e feijão, entre outros. Com base em estudos do Tribunal de Contas da União (TCU), ele afirmou que, em 2017, houve apenas 2.224 fiscalizações nos cerca de 6,6 mil estabelecimentos regionais.
“Pela drástica redução de pessoal, cada fiscal vai a uma empresa de quatro em quatro anos. O que o Ministério da Agricultura consegue é somente fazer análise de risco. Vale lembar que, nesses 20 anos, o valor bruto do agronegócio triplicou, de R$ 231 bilhões para R$ 603 bilhões. Já o número de auditores despencou”, disse Andrade. Em 2015, oito novas fábricas de bebidas eram registradas por mês, em média. Em 2019, o número subiu para 45, destacou.
Estudo do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate) afirma que a situação tende a piorar. De acordo com o documento, a Controladoria-Geral da União (CGU) atua com um quadro funcional 61,5% abaixo da lotação ideal. No Banco Central, a defasagem de pessoal é de 43,9%, e, no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 65%. “Notam-se, ainda, patamares alarmantes nos cargos de auditor-fiscal do trabalho (59,2%), perito federal agrário (61,7%), auditor-fiscal federal agropecuário (39,4%) e carência de 40% de pessoal na Defensoria Pública Federal, realidade que deve se agravar nos próximos anos, tendo em vista o anúncio de que não haverá novos concursos”, sustenta o Fonacate.
O avanço da tecnologia não supre totalmente a falta de seres humanos. “O Brasil é gigante, com imensas áreas devolutas sem titularidade. A tecnologia é uma aliada, mas quem atribui o valor da terra (se é ou não produtiva) é um perito. A tecnologia pode ver o espaço, mas quem faz a interpretação é um técnico. Quando não há fiscalização, abre-se espaço para a grilagem”, explicou João Daldegan, presidente do Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA).
No Banco Central não é diferente. A dotação legal exige 6.470 servidores. O quadro efetivo tem 3.630 funcionários (-56,1%) e 2.840 cargos vagos (-43,9%). “Nos últimos 10 anos, tivemos um decréscimo de 1.388 servidores (27,7%)”, assinalou Paulo Lino, presidente do Sindicato Nacional da categoria (Sinal).
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